Agricultura

Bem-estar animal é decisivo na produtividade

Bem-estar animal é decisivo na produtividade

No programa do Prado ao Prato, fomos conhecer alguns projetos onde os animais são fonte de rendimento, sem nunca se descurar o seu bem-estar. E juntámos à conversa o veterinário George Stilwell, especialista nesta matéria em animais de produção.

A definição de bem-estar animal está centrada em cinco liberdades que os animais devem ter, nomeadamente estarem livres de fome e sede, de desconforto, de dor, doença e injúria, ter liberdade para expressar os comportamentos naturais das espécies e estar livre de medo e de stresse.
Os projetos de produção animal, sejam para carne, leite ou ovos respeitam estes princípios e é unânime que investir em bem-estar animal traz mais-valias ao nível económico.

A aposta na produção ao ar livre

Em Gouveia, na Quinta da Caramuja criam-se galinhas ao ar livre, em modo biológico. Tudo começou em 2014, num pavilhão com 3.000 aves. Hoje tem cinco pavilhões com uma capacidade total de cerca de 33.000 galinhas poedeiras. A exploração está localizada numa mata de 11 hectares de carvalhos e castanheiros, árvores autóctones que proporcionam características únicas para as galinhas que passam parte do dia no exterior. “Além das práticas obrigatórias por lei para obter certificação em modo biológico, decidimos ir mais além e acrescentar mais algumas práticas, tais como ter palha ou feno luzerna pendurada no pavilhão para que as galinhas possam debicar e assim estarem entretidas”, explica Paulo Mota, gerente da Quinta da Caramuja, um dos associados da CAC – Companhia Avícola do Centro.
A CAC iniciou a sua atividade de produção de ovos há 36 anos. À data, as galinhas poedeiras eram criadas em gaiolas. Mas, com o passar do tempo, os associados da CAC perceberam que galinhas ao ar livre eram mais felizes e produziam melhor. “As galinhas em gaiolas também têm bem-estar, mas temos a certeza de que é um método que tem tendência a acabar. Tudo aponta para que na Europa subsistam apenas três modos de produção: solo, ar livre e biológico. Tudo isto sempre respeitando o bem-estar animal”, salienta Manuel Sobreiro, presidente do Conselho de Administração da CAC. A CAC, mais conhecida pela sua marca ‘Matinados’, tem associados que criam galinhas ao ar livre e em modo de produção biológico. “Fizemos uma experiência com um bando de 20.000 galinhas e assim se manteve muitos anos. Nesta fase criámos a nossa marca Matinados. Durante muitos anos funcionou como um nicho de mercado. Mas em 2013, fizemos uma reestruturação interna da empresa e redefinimos a estratégia. A nossa aposta passou a ser a criação de galinhas poedeiras em solo, ar livre e biológico”, conta Manuel Sobreiro.

Bem-estar animal é decisivo na produtividade

“Tudo aponta para que na Europa subsistam apenas três modos de produção: solo, ar livre e biológico”
Manuel Sobreiro, presidente do Conselho de Administração da CAC

De regresso à Quinta da Caramuja, Paulo Mota, pormenoriza mais algumas das práticas que utiliza: “Temos um rádio sintonizado numa estação de rádio aleatória para que haja sempre música ambiente, mas ritmos diferentes. No campo, os animais não estão sujeitos a muitos ruídos. Desta forma, se houver algum, por exemplo um avião ou helicóptero, conseguiremos diminuir os fenómenos de amontoamento”.
Criar galinhas poedeiras desta forma traz acréscimos de bem-estar animal que, em última análise, se traduzem numa redução da taxa de mortalidade por amontoamentos e também na manutenção da qualidade das penas, que vão ficando mais desgastadas com a idade.
Mas nem tudo são rosas numa exploração de galinhas poedeiras ao ar livre. Paulo Mota explana que “os principais desafios num sistema de produção de ovos no exterior são os predadores. Temos os terrestres e os aéreos. Os terrestres, temos conseguido controlar com cercas elétricas. Já os predadores aéreos não conseguimos controlar porque são aves de rapina que conseguem entrar em qualquer ponto do parque”. A estes desafios, junta-se outro: a gripe aviária.

Bem-estar animal é decisivo na produtividade

“Criar galinhas poedeiras desta forma traz acréscimos de bem-estar animal que, em última análise, se traduzem numa redução da taxa de mortalidade por amontoamentos e também na manutenção da qualidade das penas”
Paulo Mota, Quinta da Caramuja

Animais felizes, animais produtivos

Na empresa Barão & Barão, há várias gerações que se produzem bovinos para carne e vacas para leite. A premissa desta exploração é ter animais felizes porque, quando os animais estão bem, a produtividade é muito maior e o produto final melhor. Nesta exploração em Benavente, todas as iniciativas tomadas em prol do bem-estar animal são medidas, e as decisões são tomadas com base em dados. “A nossa definição de bem-estar animal é reunirmos as melhores condições possíveis para os nossos animais, garantindo que eles conseguem exponenciar todo o seu potencial. Para isso, o mais importante é medirmos todas as alterações que fazemos e percebermos se os animais estão a responder com toda a sua performance”, adianta André Barão, gestor na empresa Barão & Barão.
As vacas sofrem muito com o stresse térmico e esta é uma das áreas que a empresa tem trabalhado. Foram por isso criadas duas salas de ordenha onde as vacas passam seis horas do dia sujeitas a água e vento. “Com isso conseguimos baixar a temperatura dos animais. Fizemos este investimento há dois anos e tem sido um sucesso. Melhorámos o bem-estar animal, mas também, do ponto de vista económico, tem sido um sucesso. Temos ainda algumas quebras produtivas, porque o verão está cada vez mais quente, mas são cada vez mais pequenas”, detalha André Barão.
O mesmo responsável salienta que todo o trabalho desenvolvido “envolve muita tecnologia porque é importante medir todas as iniciativas” e não apenas tomar medidas justificadas com sensibilidade, com aquilo que se entende ser o bem-estar animal. André Barão comenta: “o mais importante é o bem-estar das nossas vacas, mas é relevante medir esse bem-estar. Precisamos de ter dados e métricas que nos façam dizer que esta ou aquela prática é importante. Tudo isso tem de ser avaliado para que não seja uma análise de sensibilidade. Ou seja, as práticas aplicadas não podem ser decididas com base no olho humano, mas sim pelos ‘olhos da vaca’”.

Bem-estar animal é decisivo na produtividade

“As práticas aplicadas não podem ser decididas com base no olho humano, mas sim pelos ‘olhos da vaca’”
André Barão, gestor na empresa Barão & Barão

“Sem bem-estar animal, o produtor terá dificuldade em sobreviver”

A afirmação é do médico veterinário e professor de clínica de espécies veterinárias na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, George Stilwell. “É essencial que o produtor perceba que o bem-estar animal faz parte da sua atividade e sem o bem-estar animal, ele não vai ter grandes hipóteses de sobreviver ou de produzir alimentos de qualidade”.
O especialista reforça a ideia de que medir esse bem-estar é essencial para garantirmos que efetivamente o animal está bem. “Não conseguimos falar ‘animalês’, ou seja, não conseguimos perguntar ao animal como se sente, por isso temos de encontrar formas de o perceber e isso faz-se através do seu comportamento, das suas atitudes, daquilo que lhe oferecemos e mesmo através da produção que atinge em leite, carne, o que for. Estas práticas serão avaliadas através da medição de todos os componentes do bem-estar animal”.
George Stilwell reconhece que os criadores de animais em Portugal têm já adotadas muitas medidas de bem-estar animal, mas há ainda alguns aspetos a melhorar. “Por exemplo, a separação do vitelo da vaca ao nascimento é ainda um dos temas que a ciência tem de esclarecer, ou seja, qual a real importância desses comportamentos para o bem-estar do animal”, elucida George Stilwell, acrescentando que terá de haver também ainda alguns avanços na gestão da dor dos animais.
“Temos de ter a certeza de que, desde o nascimento até ao abate, estes animais têm as melhores condições de vida possíveis”, remata George Stilwell.

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