A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável analisou as diferentes medidas apresentadas no novo Programa do Governo relativamente ao setor do clima, energia, natureza, biodiversidade, florestas, oceanos e resíduos e identificou as que considerou positivas, negativas e as omissões.
De acordo com o comunicado de imprensa da Associação enviado às redações, “num documento desta natureza é sempre difícil apreender até que ponto o que se escreve irá ter reflexos concretos nas políticas que virão a ser desenhadas. Resta-nos ter esperança de que a forma vaga como alguns aspetos são referidos não só impeçam de ser concretizados”.
– Clima e Energia
Medidas consideradas positivas pela ZERO
Relativamente à Lei de Bases do Clima e depois de mais de dois anos da entrada em vigor da lei e que a ZERO refere continuar “em larga medida por aplicar” e “com o processo de regulamentação e aplicação a marcar passo”, é positivo o empenho demonstrado pelo governo em corrigir este estado de coisas.
No que diz respeito à estratégia para o armazenamento energético, a Associação salientar que “é positivo que o Governo mostre empenho em desenvolver uma Estratégia Nacional de Armazenamento de Energia até 2026, imprescindível para a gestão e uso eficaz da energia renovável produzida no país”.
Em relação a comunidades de energia e produção descentralizada, a ZERO afirma que “é de salutar o empenho em estimular formas de produção de energia colaborativas e individuais, que aproveitam o potencial de telhados e outras coberturas, promovem a diversificação geográfica das fontes energéticas, aumentam a resiliência do sistema elétrico, reduzem as perdas de transmissão, e contribuem para a sustentabilidade e a autonomia energéticas”.
Medidas consideradas negativas pela ZERO
Já em matéria de neutralidade climática e já no campo negativo, a Associação refere que “o programa fala da antecipação hipotética (`idealmente`) da neutralidade climática de 2050 para 2045, quando Portugal nas Nações Unidas, quer na voz do primeiro-ministro quer na voz do Presidente da República, já a anunciou, e a mesma é fulcral para aproximar o país de uma trajetória compatível com o limite de 1,5ºC do Acordo de Paris”.
Omissões identificadas pela ZERO
A estratégia industrial verde, “uma componente vital da Lei de Bases do Clima e do desenvolvimento industrial do país, que está em atraso e que mereceria por si um empenho particular da parte do Governo, mas que o mesmo omite clamorosamente no seu programa”.
– Compras públicas ecológicas/circulares
Nesta área, a ZERO refere ser importante serem aplicáveis a toda a administração pública, central e local, a fim de serem também referidas como uma estratégia importante para Portugal. “Contudo, mais uma vez, voltam a ser referidos os critérios económicos, quando a iniciativa visa dar maior relevo a outras componentes que não apenas o preço final”, enfatiza a Associação em comunicado.
– Conservação da natureza e da biodiversidade
Medidas consideradas positivas pela ZERO
A ZERO identificou como medidas positivas a remoção de barreiras obsoletas nos rios e promover o restauro de ecossistemas fluviais, o assegurar que os parques e reservas naturais têm diretores com funções executivas, responsáveis diretamente pela gestão operacional no dia-a-dia, devidamente articulados com a respetiva Comissões de Cogestão, assim como o elaborar o Plano Nacional de Restauro da Natureza, acautelando as especificidades e nacionais e as atividades implicadas, a redução de riscos induzidos e a necessidade de investimentos que remunerem de forma equilibrada os proprietários pelos serviços prestados pelos ecossistemas.
Medidas consideradas negativas pela ZERO
No que toca ao reforçar o modelo de cogestão das áreas protegidas para garantir maior operacionalidade e coordenação entre instituições, a ZERO refere que, “em vez do reforço ir no sentido de cogestão 2.0, com vista ao recurso à contratualização para promover o restauro de habitats e a conservação das espécies, instituindo áreas de proteção estrita, pretende-se insistir num modelo que está condenado fracasso”.
Também o implementar o Plano para a Aquicultura em Águas de Transição com o objetivo de aumentar em 50% a produção aquícola nesta década está assinalada como medida do campo negativo.
Omissões identificadas pela ZERO
Relativamente a omissões neste setor, a Associação diz que não existe qualquer referência à necessidade de completar e implementar os Planos de Gestão das Zonas Especiais de Conservação e, neste sentido, também nada existe sobre implementação do cadastro nacional dos valores naturais classificados ou sobre Planos de conservação de habitats e espécies, “assuntos para os quais a ZERO tem vindo a alertar publicamente”, conclui.
– Educação ambiental
Medidas consideradas positivas pela ZERO
Para a ZERO, a educação ambiental é uma “ferramenta importante” e considera “positivo que seja referido o interesse em desenvolver novas iniciativas e projetos nesta área, fomentando a cidadania ativa e comportamentos mais sustentáveis, tendo como prioridade as gerações mais jovens”.
No entanto, salienta não existir qualquer referência ao conceito de suficiência, um elemento fundamental para a transição para a sustentabilidade nem são dados exemplos das “novas” iniciativas.
Medidas consideradas negativas pela ZERO
No campo negativo do programa, relativamente a esta área, a Zero refere que “o foco nas gerações mais jovens deixa entrever o conceito de que caberá às próximas gerações assegurarem as transições necessárias. Contudo, a ciência é clara quando afirma que não podemos esperar”. E continua: “as políticas e medidas têm de ser implementadas desde já, pelo que a sensibilização e capacitação ambiental deveria ser reforçada junto dos adultos, dando prioridade a grupos específicos como os próprios decisores políticos, tantas vezes impreparados para encarar os desafios existenciais que se colocam no presente”.
– Florestas
Medidas consideradas positivas pela ZERO
No que diz respeito às florestas, a Associação coloca como medida positiva o promover a arborização com espécies autóctones, aumentando a biodiversidade e reduzindo a vulnerabilidade das zonas rurais a incêndios, em colaboração com os agentes do território.
Também deixa nota positiva ao remunerar as externalidades positivas da floresta, com a implementação de mecanismos de compensação dos serviços de ecossistema em áreas de produção e conservação florestal, ao reforço à implementação do cadastro rústico e do emparcelamento, estimulando a gestão agregada de terrenos florestais, bem como ao fortalecer o papel das Organizações de Produtores Florestais na extensão florestal através do estabelecimento de contratos programa.
Medidas consideradas negativas pela ZERO
Já relativamente a medidas negativas, a ZERO identificou a viabilização de centrais de biomassa residual das florestas, matos e incultos.
Omissões identificadas pela ZERO
A Associação diz que no programa do no Governo não é dado qualquer relevo à implementação do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais, e continuidade da Agência de Gestão Integrada dos Fogos Rurais, não sendo minimamente aceitável que a política do Governo nesta área se resuma a: “Contribuir para diminuir o risco e a perigosidade de incêndios rurais”.
No mesmo sentido, também não é dado qualquer relevo à implementação dos Programa de Transformação da Paisagem, não se compreendendo que o objetivo (e as verbas do PRR) apenas sirvam para “criar condições de operacionalidade para os programas de gestão ou transformação da paisagem”.
– Impactes Ambientais
Nesta área, a ZERO acredita que o programa de modernização da AIA – AIA 2.0 é positivo, “desde que não seja no sentido da redução do nível de exigência e abrangência do processo de AIA, mas sim de o tornar mais claro, transparente e com uma verdadeira avaliação ambiental em que os efeitos cumulativos sejam verdadeiramente avaliados, incluindo a necessidade de Avaliações Ambientais Estratégicas em algumas áreas, de forma a reduzir o conflito com os instrumentos de gestão do ordenamento do território, reduzindo o excesso de utilização de decisões favoráveis condicionadas que usam e abusam de condicionantes para justificar as decisões favoráveis”.
No entanto, a Associação alerta para o facto de não ter sido referido de que forma o programa irá alterar os aspetos da legislação do SIMPLEX ambiental que comprovadamente não só não resultaram em nenhuma simplificação de processos, como retiraram a obrigação de muitos projetos com potenciais impactes ambientais significativos de serem submetidos a AIA.
– Instrumentos económicos/ fiscalidade verde
Já relativamente a este setor, a ZERO afirmar parecer existir “vontade de dar um novo impulso à Fiscalidade Verde para promover o uso mais eficiente e sustentável dos recursos”. Também a receber nota positiva está o premiar os municípios que mais contribuem para o cumprimento dos objetivos ambientais de Portugal.
– Oceanos
Medidas consideradas positivas pela ZERO
Identificada como positiva está a proposta de um modelo de governança para áreas marinhas protegidas, “que parece referir-se à implementação da Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas (RNAMP), o que é muito positivo e urgente, mas não existem objetivos ou prazos definidos”, refere a Associação em comunicado.
Além disso, também o combater a pesca ilegal e melhorar o equilíbrio entre homens e mulheres estão na lista de medidas positivas aplaudidas pela ZERO.
Medidas consideradas negativas pela ZERO
De acordo com a ZERO, o programa do novo Governo menciona “vagamente a sustentabilidade e a maioria das medidas estão viradas para o crescimento económico dos setores marítimos, com pouca menção à proteção e conservação dos ecossistemas marinhos”.
Também as propostas como a expansão da aquicultura, energias renováveis offshore e turismo marítimo “trazem inevitavelmente impactes significativos, como bem sabemos, mas não são apresentadas medidas concretas para avaliar e mitigar estes impactes”, alerta a Associação.
É também referido em comunicado que os objetivos “garantir o rápido apoio à frota de pesca artesanal” e “gestão sustentável dos recursos haliêuticos”, parecem poder entrar em conflito se não forem implementadas simultaneamente medidas de controlo e fiscalização, e regulamentos que garantam que a exploração dos recursos ocorre dentro de limites seguros, tendo em conta a capacidade de renovação dos stocks.
Por último, a ZERO salienta que o incentivo à indústria transformadora do pescado pode aumentar a procura por recursos pesqueiros, “exigindo-se medidas adicionais para garantir a sustentabilidade”.
– Recursos e Resíduos
Medidas consideradas positivas pela ZERO
A Associação aplaude a referência à necessidade de efetivar uma economia circular, não apenas centrada na reciclagem, mas com enfoque na prevenção – redução e reutilização. No entanto, “como não há propostas concretas, resta saber se não passará, mais uma vez, de discurso político sem consequência para o futuro”, salienta.
A ZERO também coloca no campo positivo o reconhecimento, por parte do Governo, da importância de assegurar a implementação efetiva dos planos setoriais aprovados para o horizonte 2024-2030 “que, se cumpridos, permitirão a Portugal posicionar-se de forma clara como um país circular. Contudo, mais uma vez não são avançadas propostas concretas”, enfatiza.
A Associação também deixa o aval positivo ao reconhecimento da relevância de agilizar a recolha seletiva e valorização dos biorresíduos, “ao proporem uma atualização (espera-se célere) da Estratégia para os Biorresíduos e ao sublinhar que é fundamental criar condições para que a recolha seletiva e sua valorização seja operacionalizada em todo o território nacional”, por exemplo, através de compostável doméstica.
Neste sentido, também a proposta de reestruturação do modelo de funcionamento da Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos (CAGER) e o reconhecimento da importância de incentivar e criar condições para os cidadãos poderem contribuir de forma mais ativa para a economia circular são medidas aplaudidas pela ZERO.
“Resta saber se para além fiscalidade verde, da inovação tecnológica e da psicologia / economia comportamental (nudges) estão também a ponderar a absoluta necessidade de adaptar métodos de recolha (por exemplo, garantindo maior proximidade – recolha porta-a-porta ou incentivando através de sistemas de depósito com retorno)”, alerta a ZERO.
Ainda neste âmbito, a Associação refere como positivo o implementar o funcionamento de novos fluxos específicos de resíduos em sistemas de responsabilidade alargada do produtor, “mas sem qualquer menção aos fluxos a que se referem”.
É também reconhecido como positivo a necessidade de melhorar o funcionamento do sistema de responsabilidade Alargada do Produtor. No que toca ao tratamento de resíduos industriais perigosos, A Associação diz ser referido que movimentações recentes fizeram perigar um sistema funcional e que protege a saúde humana e o ambiente, “mas não é explicitada qualquer medida concreta a este nível”, explica.
A ZERO aplaude a intenção do Governo em assegurar a prevenção da contaminação e remediação dos solos, no entanto, refere ficar no ar “a possibilidade de, finalmente, termos a legislação ProSolos publicada”.
Medidas consideradas negativas pela ZERO
A Associação alerta para o facto de não existir referência ao sistema de depósito com retorno para embalagens de bebidas descartáveis, previsto desde 2018 para entrar em funcionamento em 2022, mas que só em 2024 viu aprovada a legislação que o enquadra. “O SDR é, sem dúvida, um dos grandes ausentes do Plano do Governo, pelo menos em termos de explicitação, ainda que a sua importância possa estar integrada “em espírito” no texto”, salienta a ZERO no comunicado.