Transporte Marítimo

Transporte Marítimo: as várias rotas para a descarbonização

Transporte Marítimo: as várias rotas para a descarbonização

Globalmente, em 2020, o setor foi responsável por cerca de 2% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE), 4,46% na Europa e 1,14% em Portugal. Porém, ano após ano, o transporte marítimo vê as emissões crescerem (menos em 2020, devido à pandemia) e as previsões futuras não são animadoras. Como pode o transporte marítimo ‘navegar’ para a sua descarbonização? Existem várias rotas possíveis. Embarque com a MOB Magazine e faça esta viagem connosco.

27 de junho de 2022. Altice Arena, Lisboa, Portugal. António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), discursa na Conferência dos Oceanos. “Infelizmente, nós tomámos o oceano como garantido, e agora enfrentamos algo que chamaria de ‘Emergência dos Oceanos’”. O mote estava dado para se debaterem ali as soluções para o meio marítimo.  Na declaração final da Conferência “Our ocean, our future, our responsibility”, também conhecida como Declaração de Lisboa, é destacada a importância do oceano para o transporte marítimo e a necessidade de medidas para reduzir as emissões do setor.
Esta necessidade de descarbonização é repetida um pouco por todo o setor. Nas palavras de Luís Cacho, presidente da Associação de Portos de Portugal (APP) e presidente da Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS), tal torna-se crucial num país como Portugal. “Os portos portugueses cruzam as principais rotas de comércio mundial e servem como elo de ligação entre o transporte marítimo e terrestre, sendo infraestruturas verdadeiramente determinantes para a economia nacional. Desta forma, a sustentabilidade, a par com a descarbonização, assume um dos maiores desafios das autoridades portuárias”.

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O setor marítimo afigura-se como aquele que continua a ficar para trás e que só agora é que está a ser chamado a realmente contribuir com a sua quota-parte para esta transição energética” carolina silva, policy officer na zero

Há quem declare que agora é o momento do tudo ou nada. Carolina Silva, Policy Officer na organização não governamental ZERO, destaca o atraso do setor. “Todos os restantes setores já estão a caminhar de alguma forma para a descarbonização…. para uma transição energética. O setor marítimo afigura-se como aquele que continua a ficar para trás e que só agora é que está a ser chamado a realmente contribuir com a sua quota-parte para esta transição energética”, começa por referir.
Analisando as emissões dentro do setor dos transportes, com base em dados estimados pelo Eurostat, o transporte marítimo contabilizou, em 2020, com 32,7% das emissões do setor. Em Portugal, o número é de apenas 9,6%.
“É interessante olhar para a percentagem do transporte marítimo dentro dos transportes, porque obviamente não é o maior em termos de emissões. Tal seria os carros e o transporte rodoviário. No entanto, as emissões desses meios de transporte estão a diminuir”, destaca Jacob Armstrong, Sustainable Shipping Officer da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (T&E).
No entanto, com as emissões em crescimento, declara este especialista que o cenário poderá inverter-se “em poucos anos/décadas”. “Temos agora alguma legislação europeia a entrar em vigor, o que significa que espero que não cresçam muito e, por isso, esperemos que não se torne o maior setor a poluir nos transportes. Mas há muito a fazer”.

O enquadramento legal
Em 2018, a Organização Marítima Global (IMO, na sigla em inglês), estabeleceu o objetivo de cortar as emissões de GEE em pelo menos 50% até 2050, face aos valores de 2008, e depois eliminar este tipo de emissões completamente. Outras metas passam por reduzir a intensidade do carbono em 40% até 2030 e 70% até 2050, relativamente a 2008.
Dois anos depois, a IMO aprovou medidas para diminuir a intensidade do carbono, como objetivos específicos de eficiência energética, a partir de 2023, para todas as frotas. Aliado a isso, estabeleceu-se também que todas as embarcações teriam de ser avaliadas através de um indicador de intensidade de carbono (CII), sendo que esse indicador será tornado cada vez mais rigoroso ao longo do tempo. A estratégia apresentada seria revista no próximo ano.

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No caso da União Europeia, o Parlamento Europeu recentemente aprovou a extensão do mercado de carbono ao transporte marítimo, com todas as viagens dentro da União Europeia e metade das viagens da UE para fora (e vice-versa) cobertas. Parte dos montantes arrecadados seriam depois utilizados para apoiar a transição energética do setor.
A Comissão Europeia propôs, assim, no âmbito da iniciativa FuelEU Maritime e do pacote legislativa Fit for 55, definir um limite máximo para o teor de GEE da energia utilizada pelos navios. Os limites tornar-se-iam restritos ao longo do tempo, com uma redução de 2% até 2025, subindo para 6%, em 2030, e 75% em 2050, face aos valores em 2020.
Em resposta à aprovação da extensão do mercado de carbono, Luís Cacho da APP responde: “A descarbonização, embora essencial para um futuro economicamente sustentável, é um tema sensível e bastante controverso entre todos os agentes envolvidos. Em particular a proposta do mercado de emissões do transporte, que tem sofrido um grande escrutínio por parte do Parlamento Europeu, pelo que ainda será embrionário tirar qualquer conclusão sobre o tema”.
A empresa energética Repsol, pela sua parte, informa que estará “sempre do lado da solução, impulsionando a transição energética, através de soluções de energia distintas e que ajudam a sociedade a diminuir os gases com efeito de estufa. Esperamos que o quadro regulatório apoie o investimento em investigação para o desenvolvimento destas soluções, ou outras que possam contribuir para a descarbonização”.
Jacob Armstrong considera que “é uma medida excelente. É histórica. Eu congratulo a Comissão Europeia pela medida. Novamente, talvez tenha sido um pouco tarde. A batalha para incluir o transporte marítimo no mercado de carbono existe há 10 anos. E se olharmos para o panorama geral, em 2001, a Comissão Europeia declarou que ia regular o shipping se a IMO não atuasse, mas não o fez. Estivemos há espera 20 anos”.
Relativamente à abordagem de taxar apenas 50% das emissões dos trajetos com origem da UE para fora (e vice-versa), o responsável espera que inspire os Estados Unidos da América e a China a começarem, igualmente, a regular as suas emissões.

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“Mesmo que o gnl seja considerado como combustível  de transição, o terminal pode ser adaptado para o manuseamento de hidrogénio” luís cacho, presidente da associação de portos de portugal (app)

O poder da legislação
Mas é necessária esta legislação para o setor investir na mudança? “Há sempre este puzzle entre a forma como a indústria e a política funcionam em conjunto. Acho que, se olharmos para um lado puramente da indústria, vai ser necessário este tipo de compromisso. Algumas pessoas vão primeiro, mas é claro que só vamos fazer isto acontecer se for obrigatório.  Se pedirmos a todas as pessoas para apagarem as luzes e pararem de usar carros, as pessoas não o farão. Temos de ter algum tipo de enquadramento que permita a todos irem juntos em condições de igualdade e garantir que vamos tomar as decisões certas”, exemplifica o Sustainable Shipping Officer da T&E.
Por sua vez, Carolina Silva considera que “é só uma questão de que até agora não têm sido incluídos devidamente, por exemplo, ao nível da União Europeia, na regulamentação climática e só isso já é um sinal para que não sejam feitos investimentos nesse sentido.  As indústrias, qualquer indústria que seja, precisam sempre de incentivos para mudar o status quo. Isto é uma coisa que tem muitos anos.  É uma transição efetivamente difícil e que demora tempo. Quando não temos os sinais políticos e económicos necessários do outro lado, a indústria também não avança”.

As soluções a curto-prazo
Atualmente, o setor debruça-se sobre iniciativas para descarbonizar, a todo o ritmo, o setor.  No evento paralelo da Conferência dos Oceanos, “Joining the dots between sustainable maritime logistics and planetary boundaries”, foram abordadas algumas das soluções a curto-prazo.
Monica Verbeek, Executive Director da Seas at Risk (organização que junta vários ONG da Europa), declarou que a primeira ação óbvia passa por reduzir as emissões de carbono negro, substituindo-o por combustíveis destilados mais limpos e, também, colocar filtros de petróleo nas embarcações. “É tecnologia que já existe no mercado e é obrigatória há décadas para o transporte terreste”, declara.
A responsável aborda ainda um outro ‘penso-rápido’, a otimização da rota e do carregamento dos navios, através de dados. De acordo com algumas investigações, se aplicados corretamente, tal diminuiria cerca de 38% das emissões.
Outra abordagem passa simplesmente por abrandar a velocidade dos fluxos de transporte. Jacob Amstrong da T&E, em entrevista à MOB MAGAZINE, nota que “se todos os navios diminuíssem a velocidade em cerca de 10%, então teríamos cerca de 19% de poupança de emissões e, depois disso, quanto maior a diminuição, maior a redução”.
Para além da poupança das emissões, de acordo com Monica Verbeek, permitiria diminuir o ruído subaquático em perto de 40% (diminuindo o número de animais que ficam surdos) e as mortes de baleias em 20%.
Mas estas mudanças não são suficientes para descarbonizar o setor. Há que olhar para um dos principais poluidores das embarcações, os combustíveis fósseis.

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Tens de ter algum tipo de enquadramento que permita a todos irem juntos em condições de igualdade e garantir que vamos tomar as decisões certas” jacob armstrong, sustainable shipping officer da federação europeia dos transportes e ambiente (t&e)

A aposta nos combustíveis verdes
Podia pensar-se que a eletrificação da frota seria, tal como ‘em terra’, um caminho. No entanto, para a Repsol “ainda não é uma solução para este setor”. “Não é compatível com os longos ciclos de vida dos navios – na ordem de 25 anos -, nem existem infraestruturas adequadas para o armazenamento e distribuição.”
A Repsol está, assim, em conjunto com a empresa de construção naval espanhola Navantia, a testar combustíveis líquidos de baixo carbono – biocombustíveis avançados, produzidos a partir de resíduos e combustíveis sintéticos.
A empresa energética explica que “os combustíveis marítimos têm feito a sua evolução ao longo dos tempos, desde logo com a redução significativa do seu conteúdo em enxofre. Agora, face aos desafios da redução de emissões de CO2, à medida que novas frotas surjam no mercado, saberemos responder com novos combustíveis e continuaremos a contribuir para a redução de emissões das frotas existentes. No primeiro caso, com os novos combustíveis que venham a ser requeridos, sejam eles baseados em hidrogénio ou outros gases, e no segundo caso, com conteúdos renováveis incrementais em combustíveis convencionais”.
Este não é o único exemplo no setor. São vários os projetos em curso, mas a discussão centra-se maioritariamente em três tipos de energia: hidrogénio verde, amónia verde e metanol verde. Há quem defenda ainda criação de corredores verdes – rotas de comércio específicas entre grandes portos onde emissões neutras em carbono são suportadas e demonstradas.
Estes novos combustíveis não estão livres de obstáculos e desafios. Monica Verbeek, no evento “Joining the dots between sustainable maritime logistics and planetary boundaries”, notou a necessidade de mais investigação e da capacidade de produção requerida.
“Se mudarmos para renováveis, tendo em conta o nível de comércio atual, então, o transporte marítimo exigiria anualmente a instalação de 1,5 vezes a capacidade eólica total instalada em 2019 na Europa. Estamos, portanto, a falar de uma procura massiva. As energias renováveis serão escassas e serão caras. Por isso, temos de olhar para além das abordagens centradas nos combustíveis”, avançou.

Pode o passado informar o futuro? Eis o ‘poder’ do vento
No passado, os barcos eram movidos pela energia do vento. Há quem olhe para este exemplo, como solução, uma vez que a energia do vento é barata e não poluente. Num painel à margem da Conferência dos Oceanos, o secretário-geral da International Windship Association, Gavin Allwright, notou que sistemas de propulsão a vento podem providenciar entre 5% a 20% da energia propulsiva.
“Torna-se realmente excitante quando estás realmente a desenhar navios para o vento. Aí estaríamos a quebrar os 50%. Alguns membros estão a olhar para 80% e 90% em certas rotas apenas com energia do vento”, afirmou primeiramente.
Na opinião deste especialista deve ser adoptada uma visão holística em relação à descarbonização. Com o vento a contribuir para entre 20/30% da redução das emissões. A mudança nas operações (velocidade e rota) a ajudar noutros 20% ou mais. A eficiência energética outros 20%. “Nós diminuímos o aspeto do combustível alternativo para 20/30%. Tal torna a questão muito mais fácil de solucionar”.

O céu a ajudar o mar?
Outro aspeto importante na descarbonização passa pela recolha de dados. É através da informação que é possível perceber quem polui, quanto se polui, onde se polui, entre outros tantos conjuntos de dados. Porém, este é um aspeto que ajuda na tomada de decisão e no processo de otimização.  Os satélites ganham um papel fundamental a este nível. É assim que o céu ajuda o mar.
“A visão do céu dá-nos ferramentas de monitorização, providencia-nos a visibilidade para o que está realmente a acontecer no domínio marítimo, permite-nos aprender mais e ser mais eficientes na atuação”, exemplifica a diretora executiva da Agência Europeia de Segurança Marítima (EMSA), Maja Markovčić Kostelac, à margem de um evento organizado com a Agência Espacial Europeia (ESA), durante a Conferência dos Oceanos.
Nesse mesmo evento, Marte Ellingsen Tyldum, diretora de sustentabilidade na empresa tecnológica norueguesa Kongsberg Maritime, explica que “a tecnologia por satélite desenvolveu-se de facto e podemos utilizar as mesmas ideias em muitos setores. Podemos usar o mesmo na desflorestação, na poluição marinha por plásticos”.
Apesar disso, considera esta especialista que são necessários “programas grandes e amplos, com várias nações e vários parceiros, e abrir estes dados, partilhando-os em conjunto”, por forma a potenciar estas utilizações.
Relativamente ao papel na otimização das rotas, através de dados, Christina Høysæter, diretora de inovação na empresa de serviços StormGeo Shipping, exemplifica que “através da meteorologia é possível salvar aproximadamente entre 2 e 4% de combustível por viagem”.
“É importante pensar no que podemos fazer aqui e agora. O que podemos começar a fazer hoje? Não podemos apostar unicamente numa só solução e concentrarmo-nos apenas a longo prazo, como a adaptação ou novas construções ou combustíveis alternativos”, declarou.

Port XXI – O projeto português à base de dados de satélite
Mundialmente, são várias os projetos em curso á base de dados de satélite. Em Portugal, o destaque vai para o Port XXI, projeto financiado pela Agência Espacial Europeia, e que envolve os Portos dos Açores.
Diana Viegas, project manager e investigadora do INESC TEC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência, explica que a ideia era “criar um possível serviço baseado em componentes e ferramentas de satélite que permitisse aos portos ter uma ferramenta de tomada de decisão”. Através destes dados, seria possível “construir modelos preditivos” sobre a qualidade do ar, da qualidade da água e sobre o lixo marinho, “mas mantendo toda a confidencialidade que esses dados têm nos próprios portos”.
“Eu acho que este projeto tal como está pode ajudar na consciencialização do que é preciso ser feito a nível de descarbonização portuária. A nível do transporte marítimo, os barcos são os grandes poluidores. A monitorização é feita, mas se calhar de uma forma pouco sistemática e por isso não temos muito bem consciência de quem polui ou o que é que polui mais e com este projeto e com este possível serviço, eu acho que vai permitir-nos perceber exatamente isso”, declara.
Numa primeira fase, que já está concluída, o projeto fez um estudo de viabilidade sobre esta solução. Os próximos passos passam por arranjar financiamento para uma demonstração.

 As iniciativas em curso em Portugal
Em Portugal, estão também a ser desenvolvidas outras iniciativas com vista à descarbonização. Por exemplo, no Porto de Aveiro pretende-se que todos os equipamentos motorizados a operar no porto sejam fornecidos a ecodiesel, reduzindo as emissões de CO2. Já os Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo têm implementado um Road Map para a descarbonização e transição energética.
Por fim, de acordo com o presidente da APP, Luís Cacho, o “Porto de Sines assume-se como um verdadeiro hub de hidrogénio verde, com capacidade para abarcar grandes investimentos no âmbito da produção a partir de fontes renováveis, tirando partido da zona industrial e logística de excelência adjacente ao porto”.
“Estas iniciativas atestam, uma vez mais, o forte compromisso que os portos portugueses têm vindo a assumir como verdadeiros impulsionadores da descarbonização”, declara.

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Eu acho que este projeto [port xxi] tal como está pode ajudar na consciencialização do que é preciso ser feito a nível de descarbonização portuária” diana viegas, project manager  e investigadora do inesc tec

O caso do GNL
Apesar destas apostas em Portugal, a possibilidade de parte do Porto de Sines passar a ser a porta de entrada para o Gás Natural Liquefeito (GNL) na Europa divide opiniões, uma vez que este mesmo gás tem sido visto como uma solução a curto prazo para a descarbonização do transporte marítimo.
Carolina Silva da Zero nota que “o GNL, para além de ser um combustível fóssil, tem fugas de metano associadas e que são catastróficas para a nossa atmosfera. Vale aqui relembrar que o metano tem uma capacidade de aquecimento atmosférica 80 vezes superior à do dióxido de carbono. Portanto o gás natural liquefeito nunca poderá ser uma aposta de médio-longo prazo, nem para Portugal, nem para Europa, nem para o resto do mundo”.
Apesar disso, compreende que “face à necessidade de garantir uma certa independência face à Rússia que o GNL seja visto como uma opção de transição”. No entanto, na sua visão, “a transição tem de ser de curtíssimo prazo”.
Por sua vez, Jacob Armstrong da T&E nota que “existem aqui dois problemas totalmente diferentes aqui. Um é o GNL para o consumo de energia doméstico. Isso é importante. Nós precisamos dele porque vamos afastar-nos do gás russo. Isso é completamente diferente do argumento sobre utilizar GNL no transporte marítimo”.
O responsável explica ainda que ao utilizar GNL no transporte marítimo, setor que consume muita energia, “só vai aumentar os preços” para o consumidor doméstico.
No seu entender, “Portugal pode está mesmo ao lado de uma das rotas de navegação mais movimentadas do mundo. Tem tanta capacidade de energia renovável que pode tornar-se num hub de combustíveis renováveis para o mundo”.
Luís Cacho da APP explica que, “no contexto atual, tem vindo a atribuir-se extrema importância à construção de uma política de transição energética baseada numa segurança robusta de toda a cadeia logística”.
“Sines está preparado para qualquer investimento, uma vez que o terminal tem capacidade de expansão, tanto em capacidade de armazenamento (que hoje é de 390.000m3) como em capacidade operacional e, mesmo que o GNL seja considerado como combustível de transição, o terminal pode ser adaptado para o manuseamento de hidrogénio”, conclui.

Os ‘navios encalhados’ – O que impede a descarbonização
Apesar de todos as inovações em curso e todas as possíveis rotas a tomar, há quem continue a remar contra a maré. Mas o que leva a tal posição?
No painel “Joining the dots between sustainable maritime logistics and planetary boundaries”, Claes Berglund, Director for Public Affairs & Sustainability da empresa de shipping Stena AB, enuncia sete barreiras à descarbonização por parte dos operadores:

  1. As alternativas são mais caras que o ‘business as usual’, algo difícil para empresas que estão a tentar ser mais eficientes economicamente;
  2. Não existe custo para emitir CO2;
  3. A falta de certeza ao nível das tecnologias;
  4. Incerteza sobre como as emissões dos novos tipos de combustíveis vão ser calculadas;
  5. Pouco interesse dos consumidores;
  6. Legislação fraca ou não existente;
  7. Falta de instrumentos financeiros para apoiar a transição.

Uma das principais críticas aos combustíveis renováveis é relativamente ao preço. A este nível, Jacob Armstrong, da T&E, destaca que “muito simplesmente, neste momento, se uma empresa escolher usar os combustíveis mais caros, então eles vão pagar mais do que o seu concorrente. E mesmo que seja uma pequena quantia marginal para o consumidor final, essas pequenas quantidades marginais são muito importantes para conseguir clientes. O primeiro a mudar-se para as energias renováveis perde para o seu concorrente. Então é algo importante para eles. Então o que precisamos mesmo é de nivelar o jogo. Precisamos que todos tenham as mesmas regras”.

Os outros maus da fita

Com a discussão centrada no carbono, outros problemas associados ao transporte marítimo são ignorados. Ida-Maja Hassellöv, professora de mecânica e ciências marítimas na Chalmers University of Technology (Suécia), em conversa com a MOB MAGAZINE, exemplifica alguns destes.
“Em algumas áreas, por exemplo, estudámos o Mar Báltico, e nele o transporte marítimo é responsável por cerca de 30% das descargas de cobre e até 7-8% de alguns poluentes orgânicos. Estes contaminantes afetarão negativamente o ambiente marinho, pelo que também têm um impacto indireto na questão climática, uma vez que irá diminuir a capacidade do oceano de sequestrar CO2. Outras pressões importantes da navegação incluem a poluição energética, onde o ruído dos navios pode perturbar a comunicação entre mamíferos marinhos e peixes”.
Como um dos maiores poluidores, Ida-Maja Hassellöv destaca os sistemas de limpeza de gases de escape, conhecidos como scrubbers. Estes “são utilizados para cumprir os regulamentos globais de 2020 sobre o teor de enxofre nos combustíveis marinhos. Um scrubber permite que o armador continue a usar combustível pesado residual mais barato, em vez de combustíveis mais caros, como o gasóleo marinho destilado. O princípio de um scrubbers é que os escapes são conduzidos através de um fino spray de água do mar que remove eficientemente os óxidos de enxofre, impedindo-os de chegar à atmosfera”.
No entanto, essa ação “também lava grandes quantidades de outros contaminantes, e um navio com um scrubber instalado pode descarregar várias centenas de metros cúbicos por hora de água fortemente poluída”.
A investigadora propõe soluções como sistemas de redução dos resíduos dos tanques a poucos decilitros, os resíduos serem descarregados em instalações nos portos e evitar a limpeza dos tanques no mar.

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