Smart Cities

“Cidades do futuro? O que as cidades estão a fazer é a fechar os centros históricos. Mas isto não é agir, é reagir”

Daniel Serra Segarra, Diretor no European Institute of Innovation and Technology Urban Mobility Innovation Hub South, é um dos entrevistados da primeira edição da Mob Magazine. Sendo responsável por países como Portugal, Espanha ou Itália, este especialista assume que há bons exemplos de mobilidade a acontecer no nosso país. Dando como exemplo um trabalho desenvolvido pela autarquia de Cascais, Daniel Segarra defende que a mobilidade do futuro pode começar com os mais jovens, ‘educando-os’ para uma nova forma de pensar o indivíduo dentro das cidades.  

[Artigo publicado originalmente na edição #1 da MOB Magazine]

Chegamos a um momento decisivo em termos de planeamento urbano. Hoje é necessário pensar nas cidades não apenas numa lógica de expansão continua, mas sobretudo de satisfação dos seus habitantes. O que tem mudado neste âmbito?

Eu gosto sempre de explicar que estamos a tentar reverter um sistema de planeamento das cidades que já data do século XIX, que foi quando o carro entrou nas cidades. Isso foi um grande desenvolvimento, porque para os carros fazerem parte das cidades houve algum espaço que teve de ser criado. O modelo das estradas se expandirem pelas cidades adentro é um modelo que estamos a tentar reverter. A Comissão Europeia decidiu que deveríamos ter um plano para o tornar real em 10 anos. Temos de acelerar o processo. Para isto acontecer, os cidadãos terão um papel importante. Não é possível fazer tantas mudanças num período tão curto de tempo sem o envolvimento dos cidadãos. Se não envolvermos os cidadãos, eles receberão a mudança e serão contra ela. Esse é o caso das entregas autónomas nas cidades. Se não envolvermos a cidade e os seus cidadãos, se os cidadãos não forem envolvidos nessas questões, tenderão a estar contra elas.

Como é que se envolve os cidadãos nestas questões. Eles reconhecem a necessidade de mudar, mas podemos olhar para o exemplo de Lisboa com as ciclovias. Muitas foram criticadas por gerarem mais congestionamento e tirarem espaço ao carro. É uma questão política?

Acho que não podemos parar a mudança. Estamos a dar alternativas aos cidadãos. Quando perguntamos a um cidadão porque é que usa o carro todos os dias para se deslocar, porque é que não estão a usar transportes públicos ou bicicletas… normalmente é porque não têm acessibilidade a bons sistemas de transporte. As autoridades têm de melhorar o acesso. É algo que deve ser discutido politicamente, mas o modelo das cidades está a alterar-se. Hoje temos pessoas que querem andar, pessoas que querem mover-se com bicicletas, temos transportes públicos e carros. Com isto, se não estivermos a fazer as coisas bem, estamos a reduzir a velocidade da mudança e a criar constrangimentos. Isso quer dizer que os políticos têm de explicar como é que as cidades devem ser. Só há um modelo, não podemos ter vários modelos. O único modelo certo é o de uma cidade que contemple todos os modos de mobilidade.

Na Europa, contudo, temos cidades com muita história, com questões de urbanismo que não facilitam as alterações necessários. Temos várias cidades onde há falta de oferta de transportes públicos. Sem uma oferta de transportes públicos que seja robusta, é legítimo pedirmos aos cidadãos que repensem as suas opções de mobilidade?

Acho que o problema não está relacionado com o centro das cidades. Estive em Lisboa em outubro e movimentei-me na cidade sem usar carro. Andei, apanhei táxis, usei trotinetes. Foi uma ótima experiência. O problema não foi o centro da cidade, mas o espaço à volta da cidade. A maioria das questões relacionadas com a mobilidade surgem na periferia, onde há falta de transportes públicos. O que as cidades estão a fazer é a fechar os centros históricos. Mas isto não é agir, é reagir. Pôr portagens dentro das cidades é uma reação, não é ação. Isto é tentar evitar o problema e mudá-lo para outra parte da cidade. A questão é: como é que podemos promover que os cidadãos usem outro modelo de transporte? Por exemplo, o financiamento da compra de e-bikes é muito importante. Por exemplo, criar novas infraestruturas pode levar muito tempo, mas podemos ter uma estratégia que promova outros tipos de mobilidade e que têm efeitos mais rápidos. A melhor forma de reduzir rapidamente as emissões dentro das cidades é levar a cabo várias pequenas iniciativas. Um aumento da mobilidade partilhada, um aumento do preço do parqueamento dentro das cidades… estas pequenas ações têm elevado impacto na redução das emissões poluentes dentro das cidades.

Mas com a mobilidade a ser um fator de inclusão ou exclusão social, ao promover alternativas de mobilidade individual que exigem alguns custos, não estamos a propalar um desequilíbrio? As pessoas com menores rendimentos não poderão ficar excluídas deste processo de evolução e de acesso a novas formas de mobilidade mais verde e que mantenham os comportamentos que queremos corrigir?

Acho que a maior questão relacionada com a mobilidade é o acesso à mobilidade. Com acessibilidade pretendo dizer que, para um bom plano de mobilidade funcionar, todos devem ter acesso a todas as opções de mobilidade. Neste caso, a Europa, neste âmbito, é muito clara: Temos de aumentar a utilização de transportes públicos. Este é o principal aspeto que todas as cidades devem trabalhar. Todas as ações da Comissão Europeia estão relacionadas com o aumento dos transportes públicos. Temos de diminuir a dependência de carro para chegar às cidades. Esse deve ser o desígnio da ‘administração pública’. Acho que têm de ser formadas parcerias entre o público e o privado e acho que deve ser realizado investimento nas companhias de transportes públicos. Claro que os políticos querem construir novas infraestruturas, novas pontes, etc, mas isto, no curto prazo, não terá efeito. Se se duplicar a frequência de passagem, por exemplo, dos autocarros, terá mais efeito do que investir numa nova estrada.

Mas os transportes públicos devem ser da exclusividade dos municípios ou o transporte público deve também contemplar as grandes empresas que operam dentro das cidades?

Acho que na Europa não iremos confiar em companhias privadas para resolver um problema que é público. Os transportes públicos são dos serviços públicos mais importantes para os cidadãos, e todos têm isso muito claro. Ao passar esta função para um privado, corremos o risco de que os privados monopolizem a mobilidade. Isto é um problema. Sabemos que este tipo de empresas não se preocupa com os seus funcionários, com os seus salários e condições de trabalho. Não estou a dizer que não devemos ter empresas privadas a trabalhar dentro dos sistemas de transporte que são públicos. Hoje temos bons exemplos de ‘parcerias’ entre privado e público, com as e-bikes ou trotinetes. A regulação destas atividades, contudo, deve ser assegurada pelas cidades.

Mas vamos voltar a uma questão de urbanismo. Cidades como Lisboa ou o Porto não estão preparadas para soluções de mobilidade que permitam fluidez. Disse-nos que a questão não estava relacionada com o centro das grandes cidades, mas sim o acesso a elas. Temos de voltar a olhar para o planeamento do urbanismo nestes grandes centros habitacionais?

Certamente. Esse é um aspeto que os governos devem trabalhar. As cidades devem preparar planos de mobilidade – todas as cidades têm planos de urbanismo, mas não têm uma visão de longo prazo – para as áreas metropolitanas. As cidades devem pensar onde é que as pessoas vivem, onde é que as pessoas trabalham, onde estão as áreas onde pode haver expansão, onde se deve investir em espaços verdes. É necessário construir planos para 10 anos, pensar como queremos que as áreas metropolitanas sejam no futuro. Sem isto não é possível controlar o preço das casas, tornar o preço acessível para todos, planear o acesso a transportes públicos… Já vi alguns planos deste género. Nos países do centro da Europa eles usam este tipo de planeamento, mas no Sul da Europa este tipo de planos, tradicionalmente, não pensou na questão da mobilidade. A mobilidade é um eixo central do planeamento urbano e pensar o urbanismo sem considerar as questões de mobilidade é um erro. No planeamento das cidades devemos envolver pessoas que se preocupam com as coisas que não se movem (urbanistas, projetistas) e especialistas nas coisas que se movem (normalmente, gestores de tráfego). O que acontece é que hoje temos ‘coisas’ que se movem pelo espaço público e os urbanistas têm de pensar que, na questão do urbanismo, a forma como esses elementos se movimentam é determinante. Agora, olhamos para algumas cidades europeias onde são realizados investimentos muito elevados, por exemplo túneis, mas depois da sua inauguração o nível de congestionamento nas cidades mantém-se.

Quando pensamos nas cidades do futuro acha que estamos a ter atenção a aspetos como sustentabilidade, ruído, qualidade de vida, ou este ainda é um aspeto marginal do planeamento urbano?

Conheço muitos urbanistas e eles estão a trabalhar com dados. Acho que essas preocupações já estão presentes. Há planos urbanísticos que consideram estes aspetos incorporando-os nos modelos que trabalham. Já não se pensa apenas como é que as pessoas vão de casa para o trabalho e vice-versa, já olham para outros aspetos, como, por exemplo, a demografia. Acho que estamos em transição para um modelo de cidades data-driven, e este é um aspeto muito importante. Estes planos urbanísticos devem considerar todos os dados disponíveis para pensarem o longo prazo.

Mas a tecnologia já está a ser usada neste processo decisório?

A tecnologia é um enabler. Por exemplo, lembro-me que desde há alguns anos todos falavam da tecnologia 5G como sendo disruptiva. Já faz alguns anos que a tecnologia está em funcionamento e basicamente consistiu apenas na instalação de uma nova antena. Acrescentou-se velocidade, mas nada mudou. Será algo que poderá auxiliar no desenho das cidades. Por exemplo, os semáforos serem sincronizados com a qualidade do ar. O importante é perceber onde temos poluição, onde é que há problemas de tráfego, para onde é que as pessoas estão a ir no interior das cidades. Para isso, hoje, o uso de dados é crucial. Vou para outro ponto importante: quando falávamos de parcerias público-privadas, o mais importante e a maior questão que temos, depois dos pagamentos, é como é que essas entidades vendem os dados. Esta é a questão mais importante. Hoje, nas cidades, há muitos dados que recolhidos, muito deles são coligidos pelas cidades, mas muitos estão nas mãos de entidades privadas. Isto poderia fornecer muita informação para tomar decisões relativamente às decisões que são tomadas em relação à mobilidade nas cidades e para onde podemos caminhar quando pensamos as cidades do futuro.

Há outra questão subjacente a todo o urbanismo e mobilidade: o turismo. O turismo de massas tem levantado questões diversas no âmbito do planeamento das cidades. Como podemos planear a mobilidade ou o urbanismo se depois somos inundados por uma atividade turística completamente desregulada?

Acho que com a Covid as cidades tiveram uma oportunidade para repensar os seus modelos relativamente ao turismo. Não sei quando voltaremos aos níveis de turismo que tínhamos antes da pandemia. Isso quer dizer que as cidades terão, durante algum tempo, níveis mais baixos de visitantes e devemos aproveitar este período para reavaliar se queremos ter o mesmo que tínhamos antes. Conheço os casos de Barcelona ou Lisboa e as lideranças políticas alteraram-se. Talvez esteja relacionado com questões paralelas relacionadas com a desregulação do turismo e a pressão que isso punha em cima dos cidadãos. Acho que os cidadãos não querem uma cidade apenas para turistas. Acho que, por isso, temos de voltar a pensar os modelos que estavam em funcionamento. Quando pensamos em questões como o terrorismo, é uma questão importante, mas não podemos evitá-lo. Precisamos de mais segurança, mais controlo, mas se tivéssemos novamente um ataque, e espero que nunca aconteça, estaríamos todos expostos por causa do turismo. Olhemos para os atentados em França: foram realizados em mercados a céu aberto com turistas. Não é apenas um problema de terrorismo e turismo. O maior problema do turismo é os problemas que gera no interior das cidades. Sinceramente, acho que os cidadãos não querem voltar para um modelo de turismo de massas completamente desregulado.

Mas, por exemplo, muito do crescimento económico verificado em Portugal nos últimos anos está relacionado com o boom de turismo que o país ‘sofreu’. Se reduzimos o número de turistas que visitam estas cidades, estaremos a criar um problema económico e social?

Não sou um especialista nestas questões. Acho que as cidades têm de encontrar outras formas de compensar eventuais perdas de atividade económica relacionadas com um abrandamento do turismo. Lembro-me que quando visitei Lisboa fui a um mercado debaixo da ponte. Eu percebi que com o desenvolvimento do urbanismo na cidade é possível mover os turistas para outras zonas menos centrais das cidades, que é onde residem os cidadãos. Acho que há muitas formas de gerir o turismo e vi alguns bons exemplos em Lisboa. Há zonas onde os turistas são concentrados e isso funciona. Eu voltei para Barcelona e partilhei essa experiência. Há certamente coisas a melhorar. Para dar um exemplo, o boom do turismo no centro das cidades pode empurrar as pessoas para fora dos centros urbanos e, com isso, criar novos problemas de mobilidade. As pessoas não podem pagar ou não querem viver no centro das cidades, mas trabalham lá, compram casas na periferia, mas depois precisam de deslocar-se para o centro e aí geramos problemas de tráfego acrescido nestas áreas.

Mas vou colocar uma questão concreta: Há exemplos que possa partilhar connosco em que ao retirar os carros das cidades, ampliar as zonas verdes, isto promove crescimento económico e maior bem-estar?

Os superblocos em Barcelona. Eu lembro que quando criaram o primeiro bloco os cidadãos estavam todos completamente contra a ideia. Agora, um dos espaços mais caros para viver em Barcelona é precisamente aí. As pessoas adoram viver lá, já ninguém se queixa. O que as pessoas perceberam é que essa alteração, no longo prazo, é muito, muito boa para a sua qualidade de vida. As crianças voltaram a brincar nas ruas, a jogar futebol na rua.

Voltando um pouco atrás. Com o Covid, com a necessidade de nos fecharmos em casa nas alturas mais críticas da pandemia, o e-commerce cresceu exponencialmente. O tráfego rodoviário no interior das cidades aumentou substancialmente e hoje é já muitos reclamam alguma ação. Deveríamos tomar medidas para regular estas atividades?

Acho que o e-commerce explodiu e isso é algo que não podemos parar. Os consumidores querem continuar a usufruir dessas novas possibilidades. O que precisamos de fazer é reponderar todo o processo logístico. Acho que, neste caso, precisaremos mesmo de uma revolução. Hoje, numa cidade como Lisboa, quem é que tem os dados sobre tudo o que se está a movimentar dentro desse espaço? Quem tem os dados relativamente ao percurso feito por um camião de abastecimento que parte de um armazém para o centro da cidade? As empresas. Estas empresas têm de partilhar estes dados com as entidades públicas para que estas possam melhor planear a mobilidade. Se uma empresa quer instalar um pequeno armazém dentro da cidade, onde é que deverá implementá-lo? Que produtos deve ter esse armazém? Tem de haver planeamento, tem de haver acesso aos dados. Muitas das autoridades que gerem as cidades não tem acesso a estes dados, eles ficam apenas nas mãos das empresas privadas.

Mas não podemos impedir uma empresa de entregar os bens adquiridos por um cidadão. Como é que operamos a revolução de que falava há pouco?

Acho que é preciso um acordo entre as partes com um objetivo comum: melhorar a mobilidade. Em Espanha estamos a conversar com a Amazon e eles explicam-nos que muitos responsáveis políticos nem aceitam recebê-los. Como é que um organismo público pode dizer que não quer trabalhar com um player com esta dimensão? Quando falávamos da Uber, a Uber está a entrar num mercado novo, o da logística. Mas neste mercado não há empresas públicas a competir com empresas privadas. Óbvio que tem de haver alguma regulação, mas não deve ser imposta e sim negociada. Se todos tivermos de ir a uma loja para adquirirmos os bens que queremos, talvez essa não seja a melhor opção em termos de mobilidade. Quando falava de uma revolução, falava sobre este tipo de acordos entre entidades públicas e organizações privadas relativamente ao que deve ser a mobilidade. Com dados podemos perceber se é possível termos um plano melhor e mais funcional para as cidades. Se isto não acontecer, o e-commerce vai continuar a crescer e as questões ambientais relacionadas com as entregas não vão desaparecer.

Mas este tipo de acordos devem ser negociados cidade a cidade ou deve, por exemplo, ser um acordo para o país inteiro?

Acho que o melhor, até pelo próprio posicionamento das empresas privadas, é que exista apenas um acordo. Na mobilidade é complicado porque cada cidade é diferente entre si das outras. Mas o que é possível fazer é escalar as coisas. É nisso que trabalhamos. Criar soluções para que, no fim, exista uma solução para a Europa inteira. Estamos a falar com responsáveis de diversas cidades e todos os responsáveis, da esquerda à direita, todos têm o mesmo objetivo: reduzir a poluição, melhorar a mobilidade, ter mais opções elétricas. Isto não é uma questão de esquerda ou direita, mas esta mentalidade não existia há apenas alguns anos atrás. Temos um objetivo de reduzir as emissões dentro das cidades e isto é um objetivo comum. O setor da logística é muito importante para reduzir o congestionamento dentro das cidades.

As opções de micromobilidade tornaram-se comuns nos grandes centros urbanos. Temos trotinetes, e-bikes, bicicletas partilhadas. Isto criou um novo problema relacionado com a gestão deste tipo de ‘mobiliário’ no espaço público. Este segmento também precisa de regulamentação?

Sem dúvida, sem qualquer dúvida. Voltando ao exemplo de Lisboa: há dois anos visitei a cidade e era um completo caos. A situação, entretanto, melhorou muito. Não há uma solução única que funcione para todas as cidades, mas as cidades estão a mudar e as empresas que têm estas opções de micromobilidade também. Há cidades que estão a usar hoje estas soluções e as que começaram mais cedo têm hoje melhores modelos. É bom que possamos partilhar experiência e acho que o exemplo de Lisboa é muito bom. A forma como fizeram a localização das trotinetes, as docks para a e-bikes, a organização é muito boa. Este é um bom exemplo do cruzamento de trabalho entre o setor público e o privado.

Mas falemos de outros modelos. A cidade de 15 minutos em Paris ou as supermanzanas em Barcelona. Estes são modelos replicáveis para outras cidades?

Acho que o modelo da cidade de 15 minutos pode ser replicado em todas as grandes cidades europeias. Acho que o sucesso do modelo das cidades de 15 minutos está muito relacionado com o Covid. Nós tivemos de ficar fechados dentro de casa e começámos a olhar para o que se passava à nossa volta. Tivemos muitas questões, mas percebemos que o que nos rodeia, em termos de acesso a produtos, é muito importante. Este modelo é completamente adaptável a outras cidades, não vejo qualquer problema. Teremos de adaptar e testar. Tal como na micromobilidade, temos de testar. Não chegamos e num ano está tudo bem. É preciso olhar para o longo prazo e ter uma estratégia para esse período.

Olhemos também para a crise climática. Fruto das alterações que estão previstas acontecer, muita da população mundial viverá concentrada em grandes metrópoles. Estamos preparados ou a preparar-nos para enfrentar este momento?

Acho que quando falamos de crise climática e de cidades estamos a falar de necessidades. O problema do congestionamento nas cidades, que é um problema em quase todas, e os problemas da poluição, mostram que as cidades têm de mudar. Tudo o que está relacionado com a melhoria da saúde traz um benefício direto para os cidadãos. Já temos muitos problemas de saúde relacionados com a poluição nas cidades. O que as cidades têm de fazer é reduzir a poluição. Acho que com os acordos que temos, há a noção de que o tempo se está esgotar. Estes planos têm de ser aplicados e têm de acontecer agora.

Mas já vê as cidades europeias a fazer esse trabalho?

Acho que sim. Acho que muitas cidades estão a lutar contra isso. Da direita à esquerda toda a gente está convicta que é um problema. Acho que pela primeira vez estamos completamente alinhados nas cidades europeias. Há 10 anos, havia cidades que não queriam mudar, isso já não acontece agora. Há cidades no leste da Europa onde há mais problemas, porque não é possível forçar as pessoas a mudar de carros com alguma regularidade. A maioria das cidades europeias estão completamente alinhadas nos seus planos de reduzir a poluição.

A eletrificação das frotas automóveis é uma das questões vistas como chave para o futuro europeu. O custo, porém, deste tipo de automóveis ainda é muito elevado. Vê essa transição de dependência dos combustíveis fosseis para combustíveis verdes, como a eletricidade, a acontecer de forma concreta?  

Acho que é algo que também podemos parar. Há diretivas europeias muito concretas neste domínio que irão, inclusivamente, limitar a venda de modelos não eletrificados. Mas quando falamos de eletrificação falamos também de e-bikes, trotinetes, autocarros. Tudo isso é eletromobilidade. O que temos de fazer é promover os usos de modos de transporte mais sustentáveis, mas o mais sustentável é partilhar.

Tem algum exemplo em que estejam a trabalhar relacionado com a mobilidade partilhada?

Estamos a trabalhar num projeto, cujo nome é eUltimate, onde estamos a recolher informação e a criar soluções para os municípios decidirem qual será o melhor veículo elétrico para comprarem dadas características das cidades. O problema com a eletromobilidade é que é diferente da mobilidade com motor a combustão. Há a questão do recarregamento das baterias, da autonomia e tantos outros fatores. Criámos uma solução que vai permitir aos municípios comprar melhores autocarros ou saber qual será a melhor opção para eles.

Fala-se também muito da mobilidade urbana pelo ar. Acha que será uma solução para um futuro próximo ou devíamos empenhar-nos, sobretudo, no que se passa no solo?

No EIT Urban Mobility estamos a trabalhar a mobilidade aérea. Estamos a falar com algumas cidades que querem começar a operar drones, táxis voadores… A regulação está hoje mais clara. As cidades têm de incluir nos seus planos de mobilidade planos para terem mobilidade aérea e têm de começar a tentar perceber como será a sua implementação. Será algo muito complicado para uma cidade ter drones a voar, mas há soluções que podem funcionar, sobretudo para voos comerciais, onde podem ser criadas rotas específicas para os drones. Por exemplo, para urgência médicas pode ser uma solução. Por exemplo, para fazer a ligação com áreas mais remotas, como ilhas, poderá ser uma opção. Há muita coisa que estamos a perceber como vai acontecer, mas temos de envolver as cidades e começar a liderar o processo de implementação, como Paris, que quer ter, nos Jogos Olímpicos, carros voadores. A mobilidade urbana pelo ar estará aí, quer seja daqui a cinco ou dez anos, mas o que podemos fazer já é preparar-nos.

Para terminar, consegue dar-nos um exemplo em que esteja a trabalhar que tenha o potencial de mudar rapidamente a mobilidade e trazer um modelo melhor para as cidades?

Terminámos recentemente um projeto que é o CES4KIDS (Children and youth empowerment through DECIDIUM digital platform). Foi ótimo porque trabalhámos com o município de Cascais e trabalhámos com as escolas. Preparámos materiais para os professores para eles passaram aos seus alunos para que eles possam decidir o seu plano de mobilidade para decidirem como vão para a escola. Os estudantes, as crianças, começaram a pensar tudo o que precisavam: um parque para estacionar as bicicletas, ciclovias, muitas coisas em que lhes foi dado poder para influenciar os decisores. Quando voltaram a estar com os pais começaram a discutir estes temas, o que gera uma mudança comportamental. Estes materiais foram desenvolvidos para Portugal, Espanha e Grécia e foi um sucesso.

Não perca informação: Subscreva as nossas Newsletters

Subscrever