Supply Chain

Novo regime aduaneiro chegou para “nivelar a concorrência”

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Depois de um intenso debate sobre o tema a nível europeu, o protocolo para tratamento de encomendas feitas de países terceiros alterou-se. Com um prolongado período de adaptação à nova realidade a permitir um planeamento mais estrutura, que realidade se encontra agora entre despachantes, autoridades e operadores no segmento da distribuição? Foi isso que fomos tentar perceber, ouvindo vários players afetados pela transformação fiscal.

“A partir de 1 de julho de 2021 todas as compras eletrónicas extracomunitárias passarão a ser alvo de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA). Como resultado, todas as compras que entrem em Portugal a partir de 1 de julho, independentemente do valor do objeto e da data em que foi adquirido, passarão a estar sujeitas ao pagamento de IVA e a ter de ser desalfandegadas”. Esta é a informação disponibilizada no site do CTT – Correios de Portugal que apanhou muitos consumidores (ainda que amplamente avisados) de surpresa.

É que a partir do primeiro dia do mês passado, o regime legal para tratamento alfandegário de encomendas alterou-se, com forte impacto para os consumidores que estavam, até aqui, habituados a fazer livremente as suas encomendas, de baixo valor, sem quaisquer entraves e até alguns ‘benefícios’ financeiros.

Para cumprimento de um sistema mais igualitário no comércio online, assim, todas as encomendas passaram a estar sujeitas ao mesmo processamento de IVA, no que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera como um regime mais justo e… mais seguro.

“O novo regime, além de permitir arrecadar IVA, permite maior controlo das mercadorias com a disponibilização de dados para a análise de risco, protegendo a sociedade de mercadorias perigosas e que não cumpram a legislação relativa aos requisitos de segurança das mercadorias, veja-se o exemplo de medicamentos, etc”, explica-nos fonte oficial da AT.

Aqui, além do já referido, é esperado um significativo impacto económico com este regime, isto porque, segundo as perspetivas partilhadas pela AT para o conjunto dos países europeus, “foi feita uma estimativa para toda a UE, esperando-se vantagens totais desta medida de cerca de 7 mil milhões. Até ao momento, este valor não se encontra discriminado por país”, não sendo ainda, por esse motivo, possível apurar que vantagens poderá, eventualmente, ter para os contribuintes portugueses este novo regime fiscal.

Porém, para o consumidor, em que é que isto se traduz na prática quando faz uma encomenda de países fora da EU? A partir de 1 de julho, todos os bens passaram a ter de passar por um processo de desalfandegamento com os “operadores económicos a terem que efetuar as declarações de importação com as novas regras suportadas na Declaração de Dados Reduzidos decorrentes do Código Aduaneiro da União e da Diretiva IVA”.

Se do ponto de vista legal as normas parecem estar a ser aplicadas sem grandes constrangimentos, por seu lado, em quem navega ‘na operação burocrática’, a adaptação tem (e terá) de ser constante. Fonte oficial dos CTT, contactada pela LOGÌSTICA&TRANSPORTES HOJE, explica à nossa publicação que o processo tem sido alvo de melhorias constantes.

“Tratando-se de uma adaptação com uma elevada dimensão e de um processo complexo, os CTT estão sempre a trabalhar numa melhoria contínua, tanto do lado dos e-sellers, como do lado dos clientes, para prestarem o melhor serviço”, explica-se, lembrando-se, também, que houve um decréscimo de envios desde a entrada em vigor do novo regime, mas não diretamente ligado a esta problemática.

“Verificou-se uma retração nos envios pós-julho, porém, tal poderá estar mais relacionado com os novos fluxos que se verificam nos envios e não tanto como uma resposta do mercado às novas imposições legais”, acrescentam os CTT, isto apesar de se assumir que foi necessário alocar novos recursos para fazer face ao novo regime legal. “Os CTT redesenharam processos, adequando procedimentos e investindo fortemente em equipamentos e pessoas e sistemas de informação.”

Também no esclarecimento ao consumidor, todo o processo tem sido tratado pelos CTT de forma impactante. Assumindo que ainda poderá haver uma parcela significativa da população que não está ao corrente destas alterações, a informação tem abundado para suprir quaisquer lacunas de informação.

“Apesar de todos os esforços das entidades envolvidas na difusão das novas regras, haverá sempre quem não esteja na posse de toda a informação relativa às alterações que se verificaram a partir de 1 de julho. Os CTT têm estado fortemente empenhados em disponibilizar toda a informação relativa ao tema: difusão de flyers na entrega de encomendas, envio de emails e SMS informativos aos clientes, campanha digital, bem como têm mantido no site a informação mais relevante para responder a uma adequada divulgação das novas regras de IVA, no que respeita à importação de bens provenientes de países extracomunitários”, afirma à nossa publicação fonte oficial, no que também é reconhecido como um esforço de esclarecimento conjunto por parte de todas as entidades, nas palavras da Ordem dos Despachantes Oficiais.

“Foi feita extensa divulgação nas páginas da internet, nas redes sociais e nas televisões. A Autoridade Tributária e Aduaneira, a Ordem dos Despachantes Oficiais e os principais players fizeram um grande esforço de divulgação. Acreditamos, que o consumidor final só ficará verdadeiramente esclarecido no momento do pagamento e quando puder comparar a situação anterior com a atual, ou mesmo, comparar a compra efetuada no local com a compra online”, explica-nos o bastonário desta instituição.

Mais barreiras para… um comércio mais “leal, justo e sustentável”

Como já vimos, uns dos propósitos da iniciativa legal iniciada pela União Europeia era ‘democratizar’ de forma mais coerente as discrepâncias existentes entre modelos de negócios online. Até aqui, encomendas com valor inferior a 22 euros passavam nas alfândegas europeias sem restrições maiores, mas sobretudo sem o pagamento de impostos.

Com o comércio digital a crescer de forma exponencial nos últimos anos, acentuando-se esta tendência durante os últimos meses de pandemia, os valores de IVA agora cobrados ‘reverteram’ diretamente para os contribuintes de cada país. Porém, uma encomenda de 20 euros, encarece de forma substancial, subindo o seu valor para cerca de mais de 4,5 euros, mais taxas de desalfandegamento mais custos do imposto, valor que pode ir, nos serviços dos CTT, até aos 2 euros.

Porém, todas estas ‘novas restrições’, criam, na perspetiva do Bastonário da Ordem dos Despachantes Oficiais, melhores condições para o comércio digital. “O novo regime deve ser encarado pela positiva e não pela negativa. O que se pretende é nivelar a concorrência entre vendedores locais e vendedores à distância. Não faz sentido que uns (os primeiros) tenham de cobrar IVA sobre as mercadorias que vendem e os outros não. A distorção artificial de preços e a arrecadação de receita de IVA são os pontos a destacar”, começa por referir Mário Alexandre Alves Jorge..

“O consumo não ficará penalizado, pois continua a poder comprar localmente ou à distância, simplesmente deixa de beneficiar da concorrência desleal que se verificava anteriormente”, acrescenta ainda sobre este ponto, lembrando que o regime anterior não permitia a saudável concorrência.

“Somos a favor de comércio leal, justo e sustentável. Entendemos que bons mercados funcionam com regras iguais e transparentes, para todos os agentes e consumidores. A situação anterior potenciava a fraude do valor aduaneiro, e incentivava vendedores à distância a simularem preços de venda inferiores a 22 euros para que os produtos escapassem à tributação devida. Proporcionava inclusivamente alguma ‘engenharia aduaneira’, pois havia estâncias aduaneiras, em países vizinhos, ‘peritas’ em comércio on-line, onde tudo passava, sem controlo. Há vídeos no Youtube a explicar como fazer compras sem taxas alfandegárias’”, lembra o Bastonário.

“Com o novo regime, o espaço para a fraude ficou mais reduzido. Todas as mercadorias serão agora declaradas, e os dados dos preços de venda poderão ser analisados de forma automática e massiva (como já são para as demais mercadorias), permitindo à UE detetar distorções e fraudes muito mais rapidamente”, esclarece, numa perspetiva partilha também pelos CTT: “Sendo esta uma imposição legal, tal processo levará seguramente a que o comércio eletrónico se adapte a estas novas regras. Porém, não identificamos razões para que se possa dizer que o comércio eletrónico, no seu todo, sairá prejudicado”.

Menos vendas, mais tempo de espera pelas encomendas?

Com todo o processo legal a alterar-se, também o processo logístico teve de ser adaptado. Apesar da simplificação de procedimentos para encomendas de baixo valor (inferior a 22 euros), houve necessidade de aumentar recursos alocados. Porém, os processos, quando plenamente em marcha, não deverão criar entropia acrescida… pelo menos na visão dos CTT – Correios de Portugal.

“A forma como o processo está desenhado não implica uma maior demora face ao modelo anterior. Porém, tendo em conta a adaptação do mercado às novas soluções de desalfandegamento, é admissível um progressivo aumento na fluidez nos envios para os clientes”, considera os CTT, isto mesmo para encomendas que cheguem, por exemplo, da China. As dificuldades não se materializam apenas com base nas geografias sendo, na verdade, o maior desafio, a existência de pré-avisos alfandegários por parte dos expedidores, os quais permitem aos CTT a antecipação do processo de desalfandegamento, muito antes de os objetos chegarem a Portugal.

Porém, esta não é uma visão linearmente partilhada pela Ordem dos Despachantes Oficais, com o bastonário Mário Jorge a explicar que mais burocracia levará a maiores tempos de espera para desalfandegamento. “Qualquer mudança exige tempo de adaptação, portanto é possível que nos primeiros meses ocorram atrasos. O comércio eletrónico cresceu exponencialmente com a pandemia, mas as pessoas estão desejosas por voltar ao “normal” pré-pandémico. Talvez dentro de 6 meses já seja possível fazer um balanço inicial”, explica.

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