Falta investimento em infraestruturas, sejam elas aeroportuárias, marítimas e ferroviárias. Essa constatação foi evidente no congresso da APAT deste ano. Mas, para o crescimento sustentável do setor não basta isso. é também necessária uma maior colaboração e interoperabilidade entre os vários players, com destaque para as entidades públicas, no sentido de permitir o aumento da rapidez na libertação das mercadorias.
A LOGÍSTICA&TRANSPORTES HOJE (L&TH) conversou com António Nabo Martins, presidente executivo da APAT – Associação dos Transitários de Portugal – que fez um balanço da atividade do setor, os desafios que atravessa e explicou de que forma a Associação está a tentar contrariar as dificuldades de recrutamento.
Quais são os desafios atuais do setor?
Os desafios atuais do setor impactam muito com a área da digitalização, informatização, inovação, etc. Foi basicamente isso que discutimos no congresso. Que não devemos, por exemplo, entrar em pânico, mas devemos estar atentos ao que se está a passar. Essencialmente não devemos tomar decisões precipitadas, a escolher este ou aquele fornecedor, uma ou outra plataforma ou solução inovadora, mas, essencialmente definirmos bem o que realmente queremos e precisamos e sem grandes pressas e precipitações, sendo certo que uma grande ideia que ressaltou dessa mesa redonda foi que as pessoas continuam a contar e vão ser, provavelmente, muito mais importantes que muitos dos sistemas que vão ser utilizados.
Nessa área, comparativamente com os outros países europeus, estamos [Portugal] em linha ou mais atrasados?
Não estamos muito mais atrasados que os outros. inclusivamente nós temos uma ferramenta informática, vamos chamar-lhe assim, que é a JUL – Janela Única Logística – e fomos convidados pelo diretor-geral para entrar para um grupo de trabalho para a simplificação de procedimentos que vai existir. Grupo de trabalho sustentado pelo Decreto-Lei da JUL, em que todos os players vão conseguir trabalhar numa ferramenta informática, com mais facilidade, mais rapidez e menos tempos de espera – que é uma das coisas que muito nos preocupa – e julgo que a ferramenta JUL, no ponto em que ela está e que se julgue que venha a estar, muito brevemente, nós estamos muito bem colocados, até a nível europeu. Acredito que até ao final do ano o Porto de Leixões também vai iniciar o projeto piloto – na Madeira já está implementado e em Sines já estão a trabalhar, com bons resultados. Nós transitários dependemos muito desta articulação da informação, nomeadamente entre os portos marítimos e a aérea rodoviária na maioria dos casos, especificamente na área ferroviária, no Porto de Sines. E nessa plataforma vai estar toda a documentação que é necessária para levantar as mercadorias, para perceber os tempos de espera, para fazer agendamento de levantamento de mercadoria, etc. E estão lá todos os agentes, desde a Autoridade Tributária, o SEF, todas as entidades públicas e privadas que movimentam carga estarão nesta plataforma. Julgo que é uma plataforma inovadora, mesmo no seu estado atual. Isto porque tudo o que fica no interland do porto, portanto, os portos secos, todas as empresas rodoviárias, que trabalham a 200 ou 300 quilómetros e os portos secos que na prática auxiliam o desembaraço destas mercadorias – que entram em Portugal nos portos marítimos. No interland já estamos, assim como todos os players, e acho que isso é fundamental para que as operações se desenrolem ainda com mais eficiência e rapidez.
Sem paragens
Um tema que tem despertado a atenção reside na necessidade de uma maior flexibilidade, talvez não em todos os portos, mas, por exemplo, do Porto de Sines, de este funcionar 24 horas, 365 dias por ano, para poder ser competitivo face a outros portos. Assim como a necessidade de interligação entre os vários atores. Qual a sua opinião?
A plataforma JUL já faz isso. Todos os atores se interligam através da plataforma. Concordo em absoluto com a necessidade de trabalhar 24 horas.
Tal como os camiões podem deparar-se com um acidente e, com isso sofrer atrasos, o mesmo acontece com os navios. Uma embarcação que se antecipe à chegada a um porto e tenha de ficar atracado à espera está a perder dinheiro.
E o mesmo acontece com as mercadorias, que não circulam porque estão paradas. No congresso da APAT a subdiretora geral da AT esteve presente e foi bem clara sobre este tema.
Cada vez mais também a própria entidade tributária está mais conectada e mais ligada entre nós. Obviamente como entidade pública sabemos que tem sempre mais dificuldades em ser tão célere quanto as entidades privadas. Mas a colaboração existe. Nós em termos da JUL, neste momento – volto a frisar, é uma ferramenta fundamental para estes desembaraços. Uma carga quando sai da China já sabemos que vai chegar a Portugal, em que navio e em que dia. Mas, quando há alguma alteração deveria haver a possibilidade de essa mercadoria ser tratada de igual forma como se chegasse no seu horário programado. E isso nem sempre acontece.
Outra coisa importante seria que todas as entidades públicas se articulassem à volta do mesmo sistema. Ainda há entidades e autoridades que ainda exigem a existência de um documento físico em papel. Quando hoje o desembaraço da mercadoria, no próprio porto, via AT e através da JUL já nada exige (o documento físico em papel). O que acontece é que, às vezes, há autoridades, na circulação do bem, por exemplo, pelas estradas nacionais, que ainda bem o dito papel, quando todo o desembaraço já está em formato digital. Aqui nota-se ainda alguma desarticulação. Mas são situações que, queremos crer, se ultrapassam rapidamente.
Mas todos estes pequenos passos são importantes para que as mercadorias e o fluxo das mercadorias nesta cadeia circulem de forma cada vez mais eficiente e haja menos camiões, mercadorias e navios parados. E, com isso, que haja menos pessoas paradas, porque estão a aguardar que alguém dê uma autorização. Para isso sim, considero que era importante trabalharmos 24 horas por dia. Talvez não em todos os portos. Nos portos de grande dimensão e que movimentam grande volume de carga deveria ser uma condição a ser repensada.
O congresso teve um painel sobre estratégias colaborativas: terra, mar, ar. Quais as conclusões do debate? Em que ponto está Portugal nessa matéria? Começamos a assistir à colaboração entre empresas e, simultaneamente, ao aparecimento de operadores que, sozinhos, asseguram as três vertentes.
Nós, enquanto transitários, somos, na prática quem organiza todo o transporte. O que quero dizer é que podemos gerir todos os players e todos os transportes da cadeia pelos quais uma mercadoria passa. Seja transporte marítimo, aéreo, rodoviário ou ferroviário.
Acontece que, da mesma forma que conseguimos fazer estas ligações tentamos sempre, obviamente, que as ligações entre os vários modos signifiquem uma maior eficiência no transporte e, quiçá, com mais sustentabilidade ambiental, com menos emissões de CO2, etc. É verdade que há empresas que tentam, de uma forma ou de outra, preencher a cadeia através de uma plataforma tecnológica e que permite transportar um produto acabado do ponto A ao ponto B.
Eventualmente isso irá surgir, mais para clientes com cadeia de transportes menos complexas e menos complicadas. Aqueles clientes que têm cadeias de transporte e que têm mais exigências, ao nível do tratamento aduaneiro noutros países, das mercadorias transportadas e que têm de ter cuidados adicionais porque são mercadorias de alto valor. Eu diria que o transitário irá sempre fazer falta porque é ele é que sabe gerir todas estas questões, ele é que sabe resolver todos estes problemas e que não uma plataforma tecnológica instalada num determinado computador.
As maiores exigências por parte dos consumidores obrigam as mercadorias a fazer mais quilómetros e a vir de outros pontos, mais distantes e de locais de onde normalmente não vinham. Isso exige técnica, saber e conhecimento. E isso as plataformas tecnológicas não dão. Quem dá é um transitário. A isto há a acrescentar que a confiança é fundamental nos negócios. E as pessoas só confiam nas pessoas. E quando um transporte vai ter alguma complexidade quem vai comprar quer ter confiança no seu passante, quer conhecer o seu parceiro. E só assim é que se consegue ter mais confiança num determinado produto que pode ter vários problemas no seu trajeto, até chegar ao destino. As pessoas continuarão a ser importantes. A coexistência vai é obrigar a ter (ainda mais) competência, conhecimento e mais saber.
Em busca do talento
Hoje há vários setores com dificuldades no recrutamento e retenção do talento. Os transitários também sentem este problema? De que forma a questão poderá ser ultrapassada?
Sim, é verdade. Também sentimos. Sentimos, em primeiro lugar, que o campo de recrutamento é muito escasso. E sentimos que a especificidade da atividade é de tal ordem que… posso dizer que nem no ensino técnico nem no ensino superior sairá alguma pessoa de uma instituição de ensino preparada para trabalhar num transitário. O que nós notamos é que, independentemente dos conhecimentos que as pessoas trazem a especificidade é grande. Isto porque é preciso saber sobre assuntos aduaneiros, as pautas aduaneiras, as regras do comércio internacional e quase tudo sobre cada transporte… o conhecimento é tão vasto que quase é que é preciso ter várias licenciaturas combinadas.
O que temos feito – e queremos desenvolver essa área – é fazer protocolos com instituições de ensino superior para formarmos, provavelmente num primeiro momento pós-graduações, níveis académicos mais curtos, mas que permite capacitar as pessoas para a área. Já estabelecemos protocolos com algumas universidades, mas gostava de estender estes protocolos às instituições de ensino técnico profissional. Nem todas as pessoas necessitam de ter licenciatura. Mas, para esta área há que saber matérias muito específicas, porque é uma área relativamente complexa e que exige uma vastidão de conhecimentos. A forma como estamos a tentar contornar a dificuldade de recrutamento é fazer protocolos com as instituições de ensino.
Como que dar uma base e ir construindo por cima?
Os alunos já têm uma base de ensino, que é o ensino geral e depois, nós, adicionamos aquilo que é o conhecimento específico da área do transitário. Adicionalmente, através da nossa plataforma eletrónica, o nosso site, criámos uma espécie de bolsa de emprego. Sempre que alguém envia o CV fica armazenado para que os associados possam analisar, avaliar e, caso se verifique, recrutar essas pessoas.
Na sua perceção, aquando da abordagem às escolas, os transitários são considerados uma profissão “sexy” para os jovens?
Não sei. Mas posso dizer que é um setor onde há falta de mão-de-obra. Portanto, se por aí poderemos considerar que é sexy… A minha perceção é a de que é uma atividade viciante. Nós quando nos envolvemos nesta atividade dificilmente de cá saímos, porque funciona quase como uma adição à nossa personalidade. A adrenalina subjacente exige uma atenção permanente e constante. Há desafios contínuos, todos os dias e a toda a hora. Por vezes no mesmo transporte há vários desafios. Há muitas pessoas que ainda não conhece a atividade transitária, mas, quando a conhece e tomam conhecimento do que é, normalmente gostam.
Por falta de conhecimento a maioria das pessoas não sabe que todas as mercadorias que consomem, todas as importações e exportações, quase todas passam pelas mãos dos transitários. Nós temos uma relevância crucial na vida das pessoas. Só que estas, quando ouvem a palavra transitário não conseguem descrever aquilo que nós, na prática, fazemos.
A rota da legislação
Quando se fala em legislação, esta está apta a resolver os desafios do setor?
A legislação já não é a mesma de há uns anos. Agora é standard e não tem qualquer grau de flexibilidade. De qualquer forma a maioria da legislação, hoje, provém da Comunidade Europeia. Mas nós também temos as nossas realidades e, às vezes, sem ir de encontro à legislação é possível perceber que se consegue fazer um pouco mais do que normalmente se faz por mor das exigências da legislação. Quer isto dizer que, por vezes, é preciso ter bom senso para não usar a lei na sua plenitude. Não quer isto dizer infringir a lei ou passar à margem. É ser um pouco mais flexível nalguns aspetos. Há situações, como as já mencionadas – de os portos não trabalharem 24 horas, haver alguém que não está devidamente habilitado para um determinado serviço… – tudo isso atrapalha.
Por vezes a questão não é a legislação, mas sim a capacidade que nós temos de dar cumprimento a essa legislação. Por exemplo, podemos trabalhar numa plataforma eletrónica, com zero papel. Mas, depois se uma determinada entidade não tem essa possibilidade e obriga à existência do papel, significa que não nos compensou estar a desenvolver um processo…
É um investimento a duplicar…
Exatamente. E, como às vezes, não fazemos esse investimento quando o deveríamos fazer – por variadíssimas razões – depois o que se sente é que a legislação não está adequada. Quando o que por vezes acontece é os serviços não estarem adequados à legislação. E estou a falar de serviços públicos e privados. A legislação vai-se adequando e vai ser trabalhada conforme “o mundo gira”. A legislação tem de se adequar à velocidade do comércio e à velocidade em que se fazem as trocas comerciais no mundo inteiro.
Mesmo porque estão a surgir novas rotas. A do Ártico, que está a começar a ser explorada, é um bom exemplo.
Sobre isso já houve algumas companhias de navegação que anunciaram que não vão usar a rota do Ártico. Há que olhar para a China que tem aberto muitas rotas terrestres – a nova rota da seda, mas do ponto de vista terrestre. É verdade que, por vezes, os problemas acontecem à medida que surgem novos caminhos. Há coisas que só são percetíveis com a operacionalização. Quando o transitário de comboio, entre a China e a Europa, começou demorava cerca de 21 dias. Hoje já há transitários a demorar 16 a 18 dias. E isso acontece porque todos os problemas que foram encontrados foram sendo ultrapassados, normalmente relacionados com documentação, com barreiras alfandegárias, fronteiras a atravessar… o ultrapassar destes problemas permitiu, em cerca de 5 anos, diminuir vários dias ao transitário.
E sobre as tendências do setor? Quanto representa os transitários?
Todos os anos a APAT faz um relatório de tendências. basicamente para sentirmos o pulsar da atividade. Os resultados indicam que toda a atividade se centra a Norte e a na zona de Lisboa. Basicamente nessas duas regiões estão concertados cerca de 85% dos transitários. É certo que há transitários em Sines, Algarve e nas ilhas, mas a maior concentração está nas áreas do Grande Porto e Grande Lisboa. o relatório permitiu saber que o setor emprega cerca de 17.200 pessoas, que movimenta 2,2 mil milhões de euros por ano e já representa 1,1% do PIB. Isto apenas no que concerne à atividade direta.
O último relatório da APAT sobre o setor dos transitários revela que existem, atualmente, 355 empresas a operar em Portugal, dando emprego a mais de sete mil pessoas (7.382). Os números indicam um aumento progressivo no número de empresas do setor. No entanto convém referir que a maioria (53,46%) tem menos de 10 trabalhadores e que apenas 4,4% das organizações têm mais de 100 trabalhadores.
A disparidade de valores reflete-se, igualmente, no volume de negócios. A maior fatia (52,45% das empresas) regista um nível de faturação que varia entre os 500 mil euros e os 4,9 milhões de euros. No entanto convém referir que há 19,33% das organizações que possuem um volume de negócios inferior a 500 mil euros. Do lado oposto verifica-se que 27 empresas fazem mais de 20 milhões de euros. No total o setor regista um volume de negócios na ordem dos 2,160 milhões de euros, o que corresponde a 1,1% do PIB nacional (segundo dados da Pordata).
Mas, mais importante do que o volume de negócios é o resultado líquido do mesmo. E sobre isso o relatório da APAT revela que 24,53% das empresas registaram um resultado negativo. Apesar de ser um valor significativo o relatório aponta uma evolução positiva, dado que em 2017 o valor das empresas com resultados líquidos negativos era de 40%.