Várias cidades europeias, incluindo alguns municípios portugueses, decidiram apostar na gratuitidade dos transportes públicos, para incentivar a transferência do transporte individual para o coletivo. Os custos e modelos de financiamento variam, de Portugal à Estónia, passando por França. Valide este ‘bilhete’ e viaje com a MOB Magazine nas linhas abaixo.
Numa altura em que a discussão sobre as alterações climáticas tem merecido particular atenção, cresce o interesse em encontrar caminhos para reduzir as emissões poluentes. A pensar nisso, várias cidades europeias, incluindo alguns municípios portugueses, estão a tornar os transportes públicos gratuitos, para certos grupos populacionais (como os jovens e os mais idosos) ou para todos, esperando que tal transforme a mobilidade nas cidades. Mas como se financiam essas medidas? A resposta varia, sendo que, por cá, regra geral, são os orçamentos municipais a cobrir os custos em questão.
Segundo nota o Portal do Estado do Ambiente, da Agência Portuguesa do Ambiente, em Portugal (APA), o setor dos transportes é uma das principais fontes de gases com efeitos de estufa, além de provocar “elevados níveis de poluição do ar bem como de ruído, que podem danificar gravemente a saúde humana e os ecossistemas”. E no que respeita à distribuição modal do transporte de passageiros, fica clara a hegemonia do transporte individual, estando a utilização deste meio em tendência crescente desde 2000. Aliás, de acordo com os Censos de 2011, quase 62% dos movimentos pendulares casa-trabalho e casa-escola eram realizados em transporte individual.
“O sector dos transportes é uma das principais fontes de gases com efeito de estufa e também provoca elevados níveis de poluição do ar bem como de ruído, que podem danificar gravemente a saúde humana e os ecossistemas.” Portal do Estado do Ambiente, da Agência Portuguesa do Ambiente, em Portugal (APA)
Perante este cenário, e num momento em que Portugal e o bloco comunitário estão comprometidos com a redução das emissões poluentes, a transferência dos veículos de passageiros para os transportes coletivos assume-se como um dos objetivos do Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas e tem levado, ao nível municipal, à aposta em programas de transportes públicos gratuitos, para alguns grupos populacionais (o que acontece no Porto e em Lisboa) ou para todos os residentes (aposta na qual a Câmara de Cascais tem sido pioneira).
Lisboa faz esforço progressivo para transportes gratuitos
Tornar os transportes públicos gratuitos para jovens e idosos foi uma das promessas firmadas por Carlos Moedas, na corrida à autarquia da capital, e está agora a caminho de se tornar realidade. No final de abril, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou, por unanimidade, a implementação desta medida, que abrangerá os residentes menores de 18 anos (ou 23 anos, no caso dos estudantes universitários) e maiores de 65 anos. Uma decisão considerada “histórica” pelo social-democrata que está nos comandos da autarquia lisboeta, que destacou o potencial impacto ambiental desta mudança nos transportes coletivos.
Segundo explica fonte oficial da Câmara de Lisboa, desde dezembro de 2021 que a autarquia vinha trabalhando com os Transportes Metropolitanos de Lisboa de modo a “perceber o valor que esta medida teria no orçamento municipal”, tendo os responsáveis escolhido, contas feitas, avançar, primeiro, com a gratuitidade para os jovens e idosos, “por serem os mais vulneráveis e necessitados em termos de oferta de serviço público de transporte coletivo”.
Está, contudo, fechada a promessa de que a transformação dos transportes coletivos não se ficará por aí: “numa segunda fase, num futuro próximo, e quando tal se considerar exequível, pretendemos avançar gradualmente com a gratuitidade dos transportes públicos, abarcando mais dois grupos populacionais”. Em causa estarão, dessa vez, os desempregados e as pessoas com mobilidade reduzida, antecipa a referida fonte. O compromisso da Câmara da capital portuguesa é, deste modo, ir fazendo um “esforço progressivo, por etapas, no sentido de aumentar a acessibilidade e a oferta para tornar a mobilidade na cidade mais eficiente”.
Para já, e de acordo com a proposta que foi aprovada no arranque do segundo trimestre do ano, está prevista uma despesa máxima de quase 6,3 milhões de euros só para este ano, sendo que as verbas, revela fonte oficial da Câmara de Lisboa, advêm “inteiramente do orçamento municipal”. Aliás, o documento que foi submetido à Assembleia Municipal, deixa claro que o financiamento desta medida é da responsabilidade do município, que passará, assim, a entregar à Transportes Metropolitanos de Lisboa, “enquanto autoridade de transportes metropolitana”, o montante das contrapartidas financeiras devidas, celebrando-se para esse fim um acordo, que poderá, no futuro, ser atualizado em função da revisão das regras tarifárias. Fonte da autarquia precisa, que, “no orçamento municipal, estão previstos 14,9 milhões de euros plurianuais para a implementação da gratuitidade dos transportes públicos”. “Dividindo por dois anos, ficam 6,266 milhões de euros para o ano corrente”, adianta a câmara.
“Esperamos uma maior adesão ao transporte público, a facilitação da mobilidade na população sénior e uma maior fidelização dos utentes mais jovens.” Fonte oficial da Câmara Municipal de Lisboa
Da parte da Câmara de Lisboa, a vontade é de que por esta via se consiga uma maior adesão ao transporte público, mas também a facilitação da mobilidade da população sénior e um reforço da fidelização dos utentes mais jovens. A autarquia da capital acrescenta também que considera que esta aposta é “complementar e inseparável” da sua prioridade de aumentar a oferta existente de transportes públicos e melhorar a qualidade do serviço.
Convém explicar ainda que faltam alguns passos para que a medida em questão esteja em pleno funcionamento, o que deverá acontecer em setembro. Por outro lado, note-se que desde 2017 que as crianças menores de 12 anos já beneficiam de transportes públicos gratuitos em Lisboa, nas redes do Metropolitano e da Carris. Esta medida foi posta em prática por altura da passagem da gestão da rodoviária Carris do Governo para a autarquia da capital.
Porto aposta nos jovens para “induzir mudanças de comportamento”
A gratuitidade dos transportes públicos não é uma matéria exclusiva da capital portuguesa. Longe disse. Em 2019, no âmbito do Programa de Apoio à Redução Tarifária, a Área Metropolitana do Porto estabeleceu a gratuitidade dos transportes coletivos para os utentes até aos 12 anos (inclusive), tendo o município portuense decidido ir “mais longe”, nas palavras do próprio, e alargado, no ano letivo de 2019/2020, essa oferta aos jovens residentes até aos 15 anos. Essa medida, explica fonte oficial da Câmara do Porto, foi financiada com verbas do orçamento municipal, tendo o custo rondado os 719 mil euros.
Já em junho de 2020, o executivo municipal aprovou, por unanimidade, o alargamento desse título de transporte gratuito que era, então, dirigido aos adolescentes até aos 15 anos para os jovens estudantes residentes até aos 18 anos, num “investimento da autarquia na ordem dos 1,2 milhões de euros por ano”. Fonte oficial do município garante que a adesão ao programa de apoio ao transporte gratuito “tem vindo a crescer desde a sua criação” e avança que há números que o provam: em julho de 2020, havia 3.549 assinaturas válidas do título gratuito, universo que subiu para 5.621 assinaturas válidas em julho de 2021. Já em setembro desse mesmo ano, “mais de 7.300 jovens da cidade do Porto já tinham aderido à assinatura gratuita Porto. 13-18”, detalha a referida fonte.
“O valor orçamentado para o ano civil 2022 é de 1.530.000 euros, sendo que 1.147.500 euros correspondem a nove meses do ano letivo 2021/2022 e os restantes 382.500 euros são relativos a três meses do ano letivo 2022/2023.” Fonte oficial da Câmara Municipal do Porto
“O Município do Porto vê como estratégia a implementação de uma política de mobilidade sustentável e comprometida com as gerações mais novas, com o objetivo de promover a utilização do transporte público e induzir a mudança de comportamentos”, realça a câmara.
A somar aos esforços já empreendidos, em junho deste ano, a Assembleia Municipal do Porto deu “luz verde”, também por unanimidade, à extensão até 2025 deste programa de gratuitidade dos transportes públicos para os jovens que residam ou estudam na cidade e utilizam os transportes integrados no sistema intermodal Andante. Fonte oficial esclarece que, no total, em 2022, este programa custará, assim, 1,5 milhões de euros: cerca de 1,1 milhões de euros relativos aos primeiros nove meses do ano que coincidem com o ano letivo de 2021/2022 e 382 mil euros relativos aos três meses do ano letivo de 2022/2023. No total, desde o arranque do Porto.13-18, saíram do orçamento municipal 4,2 milhões de euros para este fim, adianta a Câmara.
Durante a discussão da proposta que levou ao prolongamento da gratuitidade dos transportes públicos para os mais jovens, Fátima Ferreira da Silva, deputada do movimento do independente Rui Moreira, sublinhou, ainda assim, que é preciso que o executivo municipal faça contas, para perceber a taxa de conversão dos jovens à utilização dos transportes coletivos, quando atingem a idade adulta. “Trabalhar a analítica do Porto. Só assim somos capazes de perceber se fizemos a indução do serviço”, frisou, desafiando o município a consciencializar os cidadãos de que este programa é pago pelos contribuintes.
Gaia já investiu 3,7 milhões para dar transportes grátis aos mais jovens
Os municípios do Porto e de Vila Nova de Gaia estão separados por alguns quilómetros, mas no que diz respeito aos transportes públicos gratuitos as suas posições são próximas, já que ambos escolheram apostar particularmente nos mais jovens. De acordo com os dados disponibilizados pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, até ao momento, cerca de 10 mil jovens já beneficiaram da medida em causa, que arrancou em 2020 e já custou 3,7 milhões de euros. Mas vamos por partes.
Tal como já referido, em 2019, no quadro do Programa de Apoio à Redução do Tarifário dos Transportes Públicos, firmado entre o Estado e a Área Metropolitana do Porto, todos os residentes menores de 12 anos (inclusive) passaram a ter acesso a transportes coletivos gratuitos. “Por opção da Câmara Municipal de Gaia, outras medidas de apoio à mobilidade da população em idade escolar residente no concelho foram assumidas nos últimos dois anos”, salienta fonte oficial.
Entre essas medidas, está a atribuição de transportes gratuitos aos jovens menores de 23 anos. “Desde outubro de 2020, o custo associado à assinatura mensal do passe Andante sub-23 é assumido pela autarquia. Trata-se de uma modalidade de transporte destinada a estudantes do ensino superior até aos 23 anos, inclusive, e aos estudantes do ensino superior inscritos nos cursos de Medicina e Arquitetura, até aos 24 anos de idade, a estudar dentro ou fora da área de abrangência da Área Metropolitana de Lisboa”, detalha a Câmara Municipal.
Até ao momento, quase cinco mil estudantes já beneficiaram do passe sub-23, num investimento da autarquia de 2,4 milhões de euros. Mais, cerca de cinco mil alunos abrangidos pelo passe 4_18 foram abrangidos pela gratuitidade dos transportes coletivos, num custo aproximado de 1,3 milhões de euros. Contas feitas, dar transportes gratuitos aos mais jovens já custou 3,7 milhões de euros. Fonte oficial avança que, à exceção dos utentes menores de 13 anos, esta medida tem sido financiada na íntegra pelo orçamento municipal. Quanto aos utentes com até 12 anos (inclusive), como se enquadra no Programa de Apoio à Redução Tarifária, a gratuitidade que lhes é oferecida é financiada, por sua vez, pelo Governo, através do Fundo Ambiental. O mesmo se aplica, é importante salientar, ao Porto.
“O transporte público é, provavelmente, o instrumento mais poderoso que temos para combater as alterações climáticas e promover a descarbonização. Estas medidas, inovadoras a nível nacional, são um claro contributo que o Município de Gaia dá às famílias gaienses para que os anos letivos dos nossos estudantes corram com tranquilidade”, salienta o autarca Eduardo Vítor Rodrigues, numa nota partilhada pelo Município de Vila Nova de Gaia.
“As pessoas continuam a achar que o transporte coletivo não serve, [apesar da redução tarifária].” José Manuel Viegas, professor aposentado no Instituto Superior Técnico e antigo secretário-geral do Fórum Internacional dos Transportes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
Em Cascais, as viagens de autocarro são gratuitas
Do Norte do país para Cascais, também nesse município da Área Metropolitana de Lisboa a aposta nos transportes gratuitos é uma prioridade e, nesse caso, não são somente os mais jovens os beneficiários. Foi em 2020, lembra Miguel Pinto Luz, vice-presidente da autarquia, que a Câmara de Cascais implementou o modelo de transportes públicos gratuitos, um serviço, frisa o mesmo, “único” em Portugal. Em causa está o Cartão Viver Cascais, um título de transporte público rodoviário, que não tem custos para os residentes, trabalhadores e estudantes de Cascais. Este cartão é válido “em todas as carreiras de autocarros municipais”, isto é, todas as que circulam apenas dentro do concelho em questão. Para usufruir deste título, o utente tem, contudo, de o comprar pelo preço de sete euros, sendo válido por um período de cinco anos.
“Cada vez mais, precisamos de aumentar a utilização dos transportes coletivos”, sublinha Miguel Pinto Luz. Isto não só no quadro da transição climática, com a qual Portugal e o bloco comunitário estão comprometidos, mas também para melhorar a qualidade dos espaços públicos, que correm o risco de ser afetados pelo trânsito excessivo, aponta o responsável. “Por estas razões, entendemos que tínhamos de melhorar a frota e a oferta, de modo a que, cada vez mais, as pessoas pudessem optar pelo transporte coletivo”, observa o vice-presidente do município.
No arranque deste programa de transportes gratuitos, a Câmara de Cascais explicou que a despesa máxima seria de 12 milhões de euros por ano. As verbas necessárias para esse fim vêm do orçamento municipal, particularmente das receitas afetas ao transporte individual, como o Imposto Único de Circulação (IUC) e a cobrança de estacionamento. “O que recolhemos [por essa via] é mais do que suficiente [para financiar os títulos em causa]. É uma lógica quase de economia circular”, realça Miguel Pinto Luz, explicando que quem opta pelo transporte individual acaba, assim, por suportar o transporte coletivo.
O vice-presidente da Câmara de Cascais garante que o modelo agora em vigor é “claramente para manter”, salientando que, no período de aplicação desta medida, a utilização do transporte coletivo aumentou 12%. Para isso terá contribuído também o reforço da qualidade dos transportes. Por exemplo, enumera o responsável, há wi-fi gratuito nos autocarros municipais e carregadores de telemóvel. Mais, foi desenvolvida uma aplicação para smartphones que informa os utentes sobre os horários dos autocarros e até sobre os eventuais atrasos. E a própria frota foi renovada, estando hoje em circulação vários “autocarros completamente novos”, destaca Miguel Pinto Luz.
A mobilidade é, de resto, um dos pilares do conceito de smart city que a Câmara de Cascais tem procurado implementar. O objetivo é, nesta matéria em particular, “promover a eficácia, a eficiência e a qualidade da mobilidade, reduzindo o impacto ambiental, sem comprometer a qualidade de vida dos cidadãos”, salienta o município.
“A população jovem em Portugal utiliza pouquíssimo os transportes públicos e isso é pernicioso para o futuro. A gratuitidade pode ser importante, nesse grupo populacional.” Fernando Nunes da Silva, engenheiro, professor no Instituto Superior Técnico e antigo vereador da Mobilidade na Câmara de Lisboa
De Luxemburgo à Estónia, que modelos estão a ser aplicados lá fora?
Portugal não está sozinho na discussão sobre a gratuitidade dos transportes públicos. À semelhança do que acontece por cá, diversas cidades europeias estão a testar diversos modelos de redução a zero dos preços dos transportes coletivos, numa altura em que o Velho Continente está a tentar reduzir as suas emissões poluentes.
É o caso de Tallin, na Estónia, localidade onde os transportes públicos (autocarros e comboios) são gratuitos desde janeiro de 2013 para os residentes, mediante a compra de um cartão para o efeito, que custa dois euros. A medida foi desenhada para, por um lado, assegurar que todos os cidadãos têm as mesmas oportunidades de mobilidade (muitos tinham dificuldades em comprar os títulos de transporte, então, disponíveis) e, por outro, incentivar a adoção dos transportes coletivos, reduzindo a poluição e o ruído, o que aumenta, em contrapartida, qualidade de vida dos cidadãos.
A medida gerou, no entanto, polémica, já que os utentes reclamam da qualidade do serviço e o número de veículos individuais não caiu de modo significativo, de acordo com a imprensa local. Quanto ao seu financiamento, segundo explicou, em 2020, o vice-presidente de Tallin, Andrei Novikov, em declarações à Euronews, os transportes gratuitos nesta região da Estónia custam cerca de 70 milhões de euros, valor que é coberto, sobretudo, pelas receitas dos impostos aplicados aos rendimentos (o equivalente ao IRS). Além disso, é importante explicar que as viagens de transportes públicos têm de ser pagas pelos turistas e visitantes, sendo que, por essa via, Tallin arrecada 4,5 milhões de euros, todos os anos.
Outra cidade a ter em atenção, no que diz respeito à gratuitidade dos transportes, é Montpellier, em França. Aí os residentes têm transportes públicos sem custos aos fins de semana, com vista a melhorar a qualidade de vida, a ajudar o ambiente e ainda a reforçar a atratividade do comércio local. A medida custa, apontam as estimativas, 5,6 milhões de euros, estando o financiamento a cargo do orçamento municipal. Vários têm sido, contudo, os críticos, que consideram que este modelo é financeiramente insustentável.
Já o Luxemburgo tornou-se, em 2020, o primeiro país do mundo a oferecer, em todo o seu território, transportes públicos gratuitos. Isto tanto para residentes, como para turistas e visitantes. Na altura, o ministro dos Transportes, François Bausch, explicou que desejava que o Luxemburgo se tornasse num “laboratório para a mobilidade”. Neste caso, os utentes nem precisam de adquirir um cartão. Antes, basta entrarem no autocarro e comboio, sem se preocuparem com os títulos de transporte.
É relevante esclarecer que o sistema de transportes públicos luxemburguês já era altamente subsidiado e alguns grupos populacionais já tinham acesso gratuito a comboios e autocarros, nomeadamente os jovens menores de 20 anos. Ainda assim, a aposta na gratuitidade para todos significa, todos os anos, uma despesa de 41 milhões de euros para os cofres do Luxemburgo, valor que é financiado pelo Orçamento do Estado. E quanto ao impacto efetivo desta medida na mobilidade, a pandemia tem tornado a leitura dos dados difícil, salientam os responsáveis, mas as estatísticas deixam perceber que o transporte individual ainda é o meio favorito destes cidadãos. As notas oficiais continuam a sublinhar que os últimos anos correspondem a um período especial, pelo que se aguardam os próximos dados de modo a avaliar com rigor o impacto da aposta do Luxemburgo nos transportes gratuitos. Enquanto isso, os especialistas insistem: além do preço, é preciso investir na qualidade para converter os utilizadores do transporte individual em utilizadores dos transportes coletivos.
De medida populista a estratégia com visão
Tal como demonstra a experiência europeia, a gratuitidade dos transportes públicos, nos seus vários formatos, não é uma questão pacífica ou geradora de consensos e, mesmo em Portugal, já gera críticas. Uma dessas vozes é José Manuel Viegas, professor aposentado no Instituto Superior Técnico e antigo secretário-geral do Fórum Internacional dos Transportes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. “Tenho dúvidas de que essa seja a melhor aplicação do dinheiro público”, começa por frisar o especialista, que defende que, regra geral, desde o Programa de Apoio à Redução Tarifária, os utentes não deixam de optar pelo transporte coletivo pelo preço, mas, antes, pela qualidade do serviço. “Outras medidas mais discretas seriam mais eficazes”, salienta, assim, José Manuel Viegas. E dá exemplos: seria importante garantir a pontualidade dos transportes, reduzir os intervalos e até melhorar a qualidade das infraestruturas, assegurando, por exemplo, que as escadas rolantes estão sempre a funcionar. “As pessoas continuam a achar que o transporte coletivo não serve, [apesar da redução tarifária]”, insiste, atirando que a gratuidade dos transportes públicos pode, deste modo, ser somente uma medida populista, com um impacto efetivo reduzido na mobilidade.
Por sua vez, Álvaro Seco, professor da Universidade de Coimbra, afirma que é preciso analisar essa medida em comparação com o que está a ser feito em relação a “outros serviços igualmente essenciais”, como a água. A isto, acrescenta que a transferência do transporte individual para o coletivo não pode passar apenas pelo preço. Antes, seria preciso, por exemplo, aumentar a oferta e até investir num “sistema de informação inteligente que acompanhe o utente, desde casa até ao destino”.
Em contraste, Fernando Nunes da Silva, engenheiro, professor no Instituto Superior Técnico e antigo vereador da Mobilidade na Câmara de Lisboa, realça que, para a atração dos utilizadores não regulares, a medida em causa pode ter algum impacto e elogia a aposta particular nos jovens, já que se abre, assim, a porta à criação de um hábito importante para o futuro da mobilidade. No entanto, e tal como os outros dois especialistas, o engenheiro reconhece que, para os utilizadores regulares, a qualidade e regularidade são as chaves para o sucesso dos transportes coletivos.