Investigadores do Instituto Superior Técnico (IST) criaram os primeiros filetes de robalo do mundo, produzidos em laboratório através de bioimpressão 3D.
O feito, realizado num laboratório do Instituto de Bioengenharia e Biociências (iBB), situado no polo de Oeiras, foi ideia da estudante Diana Marques, aluna de doutoramento em Bioengenharia inserida no iBB que, em 2019, se lembrou de produzir sushi em laboratório, no âmbito de um projeto para a unidade curricular de Empreendedorismo.
Anos mais tarde, o desenvolvimento da iniciativa já acolheu teses de mestrado (incluindo a do mestrado de Diana) e de doutoramento e conta com uma equipa que, de quatro investigadores em 2020, passou para cerca de 15 – e os resultados estão à vista, empratados para que o mundo os veja, explica a comunicação no site do IST.
Começaram por fazer um sashimi nas primeiras tentativas, hoje, os investigadores estão capacitados para produzir filetes que atingem os seis centímetros de espessura, tendo já a textura característica do peixe.
“E não é só a textura que invoca o pescado ‘convencional’ – em função das microalgas selecionadas para as tintas utilizadas na bioimpressora, é possível produzir o cheiro pretendido, tendo o odor a mar ou peixe que procuram”, lê-se na comunicação do Instituto.
“Às vezes, quando se entra no laboratório, já cheira a peixe; há pessoas que até já brincam, dizendo que estamos numa lota”, contou Frederico Ferreira, professor do Técnico e investigador do iBB que tem liderado os projetos associados a esta investigação.
Além do avanço da investigação científica, o professor fala também em questões ambientais, pois a produção de peixe e carne em meio laboratorial poderá vir a revelar-se uma alternativa mais ecológica às indústrias da pecuária e da pesca. Frederico Ferreira fala mesmo de uma ‘quarta revolução agrícola’.
“As pessoas vão ter de comer um pouco mais de vegetais, vão ter de comer um pouco menos de proteína animal e vão, provavelmente, ter de procurar outras proteínas animais, e é aqui que nós entramos: temos o papel de fornecer às pessoas proteína animal que não sacrifica animais e que tem um impacto ambiental menor”, explicou o docente.
O processo de produção em laboratório do peixe “foge às etapas mais poluentes tradicionalmente associadas a processos ‘convencionais’ de obtenção de proteína animal”, refere a comunicação.
Diana Marques explica que “começamos com células, geralmente estaminais, que têm o potencial de diferenciar-se em tipos de células presentes na carne e no peixe, como a célula de músculo e a de gordura”, destacando ainda que a obtenção destas células é feita sem sofrimento animal, uma das motivações para desenvolver a sua investigação nesta área.
“A seguir, vem o passo de processamento do alimento – temos uma biomassa, um conjunto enorme de células, e podemos juntá-las todas e criar produtos simples como é o caso de um douradinho ou um nugget. Se quisermos fazer um produto mais estruturado – e se aplicarmos técnicas como a bioimpressão 3D –, conseguimos fazer o tal filete de peixe ou um bife”, afirmou a investigadora.
De acordo com a comunicação no site do IST, para esta bioimpressão 3D, são essenciais dois ‘ingredientes’ – uma bioimpressora capaz de completar a tarefa e biotintas adequadas para consumo humano, tendo estas últimas sido desenvolvidas por Diana durante a sua tese de mestrado.
“Servido e empratado, o próximo passo para este alimento produzido em laboratório depende da evolução da legislação – e dos apetites de quem poderá vir a comprá-lo”, lê-se na nota informativa.
“Vivemos em democracia e as pessoas têm a liberdade de comer aquilo que quiserem – longe de nós querer alterar isso”, clarificou Frederico Ferreira. “Temos é de ‘educar’ as pessoas e criar produtos de alta qualidade, de forma que queiram introduzir esta comida na sua dieta”, esclareceu.
Em função da chamada ‘curva de adoção’, que retrata o ritmo de adesão de pessoas a um novo produto ou conceito, o docente avança que “daqui a cinco anos [este conceito] poderá começar a ter uma expressão no mercado”.