A perspectiva macroeconómica

Um das sessões plenárias do congresso da APLOG foi dirigida por Ernâni Lopes, respeitado especialista em economia que enfrentou com brilho o desafio de tornar simples o muito complexo. Partindo da abordagem aos Desafios do Mercado, na perspectiva macroeconómica, realizou o enquadramento da economia global e europeia, para se centrar depois na realidade portuguesa, não deixando de propor caminhos para os problemas que actualmente se colocam à economia nacional neste primeiro quartel do século XXI.

A abrir a sessão plenária, após a cerimónia inaugural, esteve a “lição” de Ernâni Lopes, respeitado especialista em economia que enfrentou com brilho o desafio de tornar simples o muito complexo. Partindo da abordagem aos Desafios do Mercado, na perspectiva macroeconómica, realizou o enquadramento da economia global e europeia, para se centrar depois na realidade portuguesa, não deixando de propor caminhos para os problemas que actualmente se colocam à economia nacional neste primeiro quartel do século XXI.

Problemas agravados por um contexto global que Ernâni Lopes caracterizou como o mais grave dos últimos 20 meses. Entende que a situação actual é «a evidência do que já se sabia, mas a que pouco se ligou», e explicou que a vida económica internacional resulta das interacções de quatro grandes sistemas. Estes apresentam-se como cadeias relacionadas com as relações políticas, económicas, monetárias e financeiras e até «o preço dos chupa-chupas se relaciona com estes sistemas», globalmente interligados.

Neste momento estaremos a viver uma «recomposição tectónica» no sistema económico-monetário, e acredita Ernâni Lopes, também no sistema de relações internacionais. Esta recomposição será verdadeiramente «compor de novo» e a dimensão do fenómeno justificará que recorra ao termo tectónico, que recupera da geologia. E estará a acontecer precisamente agora, num processo em que o grande perdedor estará a ser a Europa, o que, inclusivamente, será já do conhecimento das lideranças políticas europeias, ainda que não o assumam.

Início de século complexo
Neste início de século, os Estados Unidos da América continuam a ser a potência dominante no planeta, após o desmoronar dos sistemas de Leste, no final do século XX. Mas verifica-se a ascensão de novos players internacionais, como a China e a Índia, e o posicionamento do Brasil e da Rússia, que reaparece após um período muito conturbado. O Japão, que foi um dos motores da economia pós-segunda guerra mundial, apresenta uma economia “estagnada”, e África persiste uma incógnita. O que não oferecerá dúvidas será uma «perda consistente de posição e poderio da Europa».

Ernâni Lopes defendeu que a crise financeira de 2007 não constituiu «nenhuma surpresa», e que já está a «desencadear repercussões directas no aparelho económico». Dada a gravidade do fenómeno, visto que a crise financeira gera uma crise económica global, é expectável e «altamente provável» assistirmos agora a um empobrecimento generalizado. Nesta situação deverá ocorrer uma reestruturação global do tecido empresarial e económico. A crise levará a uma «triagem no médio prazo», e haverá quem ganhe, quem perca e quem seja destruído, em função das diferentes respostas que, por cada um, forem sendo encontradas para fazer face à crise.

Ernâni Lopes defende também como provável um «movimento de redefinição e nova afirmação do capitalismo, ocupando o espaço económico e ideológico mundial», sendo esta redefinição algo que entende deveria «estar feito há 20 anos».

A análise leva-o à questão de sabermos se poderá a crise interromper a globalização financeira registada entre no final do século XX e início do século XXI. E faz questão se esclarecer que «não se trata de uma questão académica», lembrando o «brutal efeito» da crise de 1929 sobre o processo de globalização à época.

Comportamentos recentes
No que diz respeito à Europa, Ernâni Lopes notou a forma como «tomamos por adquirido a existência da União Europeia e o seu funcionamento», para salientar que não estamos perante dados adquiridos. «A UE é um esforço de inteligência e trabalho», salientou. Dotado do que o economista classificou «uma realidade histórica singular» e um «efectivo caso de sucesso» da segunda metade do século XX, o continente europeu encontra-se com problemas relacionados com o envelhecimento demográfico, a par de «sérios riscos de estagnação económica duradoura» que ameaçam o chamado modelo social europeu.

Ernâni Lopes apontou uma «contraposição excessiva» entre o que chamou políticas de preservação do passado e políticas de construção do futuro, um problema notório desde «pelo menos a última década e meia». Para concluir que a «nossa existência joga-se em 2050 ou 2150. Não é a defender o mundo de 1950 que defendemos a Europa».

Mas o núcleo da exposição de Ernâni Lopes, após o enquadramento realizado, estava reservado à economia portuguesa, seu comportamento e enquadramento desde o último quarto do século passado. Pelo que três elementos foram apontados como dominantes nesse período. O 25 de Abril de 1974, os processos de descolonização e adesão à União Europeia, e ainda o surgimento do Euro e seu impacto nas taxas de juro.

«A economia beneficiou de taxas de juro à escala do Norte da Europa, mas a produtividade era a de Marrocos», e por isso «não aproveitámos» esse momento. Com a existência de uma percepção «superficial e psicologicamente cómoda» de que os portugueses já não eram pobres. Esse facto teve como consequências a geração de comportamentos consumistas e uma diminuição da poupança, levando ao fenómeno do endividamento excessivo de que, na opinião do especialista, «a banca e o Governo são directamente responsáveis».

Inteligência e esforço
Verificamos agora o “falhanço” da modernização na sequência da adesão à UE, «baseada no hardware, no cimento e nas obras públicas», e com pouca atenção aos campos da educação, formação ou inovação, por exemplo. Verificamos agora a agudização da competição global, e são cada vez mais relevantes os processos de mercado e as questões da competitividade e da produtividade.

Ernâni Lopes salientou que «fazer política é, só pode ser, servir o bem comum custe o que custar», para reconhecer a presente existência de uma política-espectáculo associada à pressão mediática. Faltarão, em termos gerais, referências estratégicas, assistindo-se a soluções encontradas pontualmente, atrás dos acontecimentos numa actividade quotidiana de “tapa-buracos”.

A situação económica sofre uma degradação desde 2000, defende Ernâni Lopes, para quem assistimos também a uma degradação na Administração Pública, ao enfraquecimento da classe política e a um afastamento da cidadania «face ao poder político formal». Em síntese, resulta a percepção de «anomia e desorientação da sociedade», estando presente um «sentimento generalizado de mal-estar», que veio ser agravado com a situação financeira internacional.

Ernâni Lopes quis deixar algumas respostas. Entende que o básico será a noção de que as crises sempre existiram e existirão, ainda que a situação actual possa ser a «de maior risco desde a segunda guerra mundial». Mas o que conta será buscar «com inteligência e esforço», novas soluções. E não apenas regenerar, mas «buscar uma reinvenção da economia portuguesa». As respostas têm de ser equacionadas em simultâneo na gestão imediata e no horizonte até 2025, e também simultaneamente, na macroeconomia e nas empresas.

Processo de afirmação
Na gestão imediata haverá que «não dar lugar a ilusões e percorrer o túnel sem cair na demagogia banal da “luz ao fundo”», controlar os danos e ter «um cuidado especial com o sistema bancário e financeiro», de forma a assegurar «níveis elementares de solvabilidade e de liquidez». Para as empresas devem ser consideradas «migrações para operações nas economias emergentes», internacionalizando as operações das empresas nacionais, mas também «compreender que “wait and see” é uma atitude racional».

No prazo médio dois cenários podem ser equacionados: um de «definhamento» e um de «afirmação», sendo que este corresponde ao resultado de «um esforço substancial que induza um salto qualitativo na trajectória da economia portuguesa».

Para Ernâni Lopes o cenário de afirmação da economia portuguesa é mais do que o simétrico da hipótese de definhamento, já que significaria, sobretudo, um crescimento «meramente quantitativo». Em causa estará um processo que implica mudanças a vários níveis na sociedade portuguesa. Nos valores, atitudes e padrões de comportamento, em primeiro lugar, na composição e no comportamento da elite dirigente, nas condições de funcionamento dos sistemas fundamentais e, por último, na marcação dos tempos, aspecto em que Ernâni Lopes fala de «um surto concentrado que venha a gerar uma dinâmica de sustentação». Fundamental será a «substituição da perspectiva crítica, inconsequente e inútil, pela perspectiva crítica consistente, construtiva e geradora de futuro».

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