Entrevista

“Continuar a melhorar enquanto líder”

José Costa Faria DHL Logística e Transportes Hoje
Com 36 anos de carreira e uma experiência rica no universo empresarial e como docente, José Costa Faria ambiciona “continuar a melhorar enquanto líder”. O que, na sua visão, significa “ajudar a construir futuros líderes”. “As minhas ambições passam por partilhar tudo o que aprendi e o que sei, continuar a aprender com tudo e com todos, entregando valor às organizações e às pessoas com quem tiver a oportunidade de colaborar”.

Logística & Transportes Hoje – Saiu da DHL ao fim de mais de uma década, quais são os seus atuais objetivos profissionais?

 José Costa Faria – As nossas carreiras são feitas de ciclos e o meu ciclo na DHL, o mais longo de toda a minha carreira (foram 11 anos), terminou agora. Foi um ciclo fantástico mas terminou, sem qualquer tipo de drama ou disrupção.

Neste momento quero parar um pouco, refletir, continuar a estudar, ler e acompanhar as tendências de logística. Preciso de tomar uma decisão: se tenho vontade de voltar a entrar no mundo corporativo ou se prefiro partilhar com as pessoas e organizações 36 anos de carreira profissional de uma forma diferente.

Como consultor, por exemplo?

Como consultor ou como formador. Alguma coisa que me permita fazer o que gosto, gerindo melhor o meu tempo, sem o frenesim e a loucura das viagens e das exigências do mundo corporativo.

Vai tirar uma espécie de ano sabático?

 Não, não sou do género de pessoas que precisa de tirar um ano sabático ou de fazer a viagem de sonho à Nova Zelândia para descobrir o que quer fazer a seguir. Quero apenas arrumar um pouco as ideias e os conteúdos e produzir novos conteúdos para a nova fase da minha vida. Mas continuando a trabalhar, como estou a fazer agora.

O que está a fazer agora?

Estou a coordenar a área da formação na APLOG, continuo a dar aulas e espero poder aumentar o trabalho na área da docência, agora que vai iniciar um novo ano letivo.

Está a saber-lhe bem este novo ritmo de vida?

Sobretudo estes últimos sete ou oito anos foram muito exigentes em termos de viagens. Nunca foi um sacrifício, pois sempre gostei do que fazia, mas sabe bem uma pausa neste frenesim. As prioridades mudam quando se é avô (tenho uma neta com quatro anos e um neto com um ano e meio) e quero ter mais tempo para eles, é um prazer inimaginável.

“Os portugueses são tão bons como os melhores para não dizer melhores que os melhores. Tive oportunidade de ver isso e vi muitos bons exemplos. É algo que deve ser um motivo de orgulho, sobretudo para os mais novos.”

Que balanço faz da sua experiência na DHL?

 Um balanço fantástico, a minha carreira não seria a mesma sem estes anos no líder mundial da supply chain. Tive a possibilidade de fazer coisas em Portugal, na Península Ibérica, na Europa do Sul e, mais recentemente, em termos europeus. Deu-me uma bagagem enorme de conhecimentos técnicos, gestão de recursos e de liderança, para além das ferramentas que a DHL põe à nossa disposição. Conheci pessoas excelentes do ponto de vista pessoal e profissional.

Além da possibilidade de liderar equipas internacionais e multiculturais, muito diversificadas, o que nos dá uma visão do mundo completamente diferente. Tive uma carreira lindíssima na DHL, muito bem-sucedida a nível internacional, mas ela só foi possível porque começou aqui, em Portugal. Portugal é uma boa prática na DHL e tem profissionais fabulosos. Os portugueses são tão bons como os melhores para não dizer melhores que os melhores. Tive oportunidade de ver isso e vi muitos bons exemplos. É algo que deve ser um motivo de orgulho, sobretudo para os mais novos. A parte boa do que somos dá-nos uma vantagem brutal.

Sentiu alguma desconfiança da parte das pessoas que liderou por ser português?

 Nunca, muito pelo contrário. A liderança tem a ver com a maneira como nos relacionamos com os outros e isso não tem a ver com o género, a nacionalidade ou a idade, mas sobretudo com a confiança que se inspira. A confiança é a palavra-chave para se ter sucesso em todas as dimensões da vida, pessoal e profissional.

A medida do sucesso de um líder não está nos euros que ganha ou dá a ganhar, nem na capacidade técnica na sua área de expertise, nem sequer na capacidade que pode ter para convencer. O que faz um verdadeiro líder é a preocupação que ele tem pelos outros.

A partir de uma determinada idade já fazemos muito pouco em termos executivos. As minhas equipas estavam melhor preparadas tecnicamente do que eu. O que as equipas precisam é de ser inspiradas e acompanhadas, de ter responsabilidade e, sobretudo, oportunidades de desenvolvimento. Um líder é-o quando consegue inspirar e fazer com que as pessoas acreditem nelas próprias e aproveitem todo o seu potencial e um dia sejam também capazes de ajudar a criar novos líderes. Só assim as empresas e as sociedades evoluem.

Que tipo de líder tem sido?

Comecei por ser um líder interventivo, quando tive oportunidade de liderar equipas, com 30 e poucos anos. A liderança nesta fase tem a ver com o sangue na guelra e a energia que temos. Aí somos provavelmente menos inspiradores e mais diretivos, o que também é importante numa determinada fase da nossa vida.

Sempre procurei ter comigo pessoas diferentes de mim, com competências, culturas, formas de ser e estar diferentes, pois acho que quanto mais diversificada melhor é a equipa, embora seja mais difícil de gerir. Sempre fiz isso de uma forma natural.

Em Portugal, temos um grave gap de liderança no mundo empresarial, incluindo na gestão intermédia.

Que tipo de falhas considera existir?

 Nas universidades ensina-se liderança mas não a liderar. A liderança tem a ver com comportamento e ganham-se essas competências quando temos a sorte de ter bons líderes (e eu tive algumas pessoas que me marcaram profundamente) e, depois, com o dia-a-dia.

Um chefe de equipa num armazém que não conhece a sua equipa, os seus problemas, sentimentos e anseios e se limita a fazer briefings que apontam os erros cometidos e as tarefas a desenvolver nesse dia, não é um líder.

A esmagadora maioria das pessoas tem medo de comunicar com os outros. E quando o fazem acham que a comunicação é uma estrada de um sentido só. Ouvir é fundamental quando estamos em posições de liderança.

Estudos intersectoriais, realizados em vários países, mostram que 70% dos profissionais estão pouco ou nada motivadas e 70% dos que decidem abandonar voluntariamente a organização onde trabalham fazem-no por causa do chefe. A produtividade depende em muito da motivação e é aqui que as empresas precisam de investir.

Estas falhas de liderança que refere são específicas do nosso país?

Não. A própria DHL reconhece que tem estes problemas de liderança. Muitas outras empresas nem reconhecem o problema ou ignoram-no. Isto é válido para todas as geografias, ainda que a nossa forma de ser latina contribua para algum paternalismo e os líderes são pessoas diretivas e afirmativas.

José Costa Faria - DHL - alto - Logística e Transportes Hoje

E os líderes que receiam ser afrontados no seu poder?

 As pessoas que não partilham conhecimento com medo de perder terreno ou vantagem sobre os seus pares são chefes ou patrões, mas não chegam a ser líderes. São ervas daninhas nas organizações.

Pode mencionar os projetos mais interessantes em que esteve envolvido ao longo da sua carreira?

 No princípio dos anos 90 fui parte desse grupo de heróis que esteve envolvido nos primeiros projetos de outsourcing em Portugal. Apenas sabíamos que queríamos fazer, não sabíamos como. Não havia formação nem experiência, fomos aprendendo com os clientes, sobretudo empresas multinacionais.

Em 1993 fundei, com outras duas pessoas, a Logistema, uma das primeiras empresas de consultoria em logística em Portugal. Foi uma verdadeira insanidade mental arrancar com a empresa em plena crise de 93, mas foi uma experiência fabulosa e ainda hoje é uma empresa viva.

Outro momento importante foi em 1997, quando a Luis Simões iniciou a construção das suas instalações do Carregado, que na altura representavam o dobro da capacidade instalada. Fiz parte de uma equipa que foi capaz de ganhar os negócios que contribuíram para que, no dia da inauguração, em 1998, o centro de operações logísticas estivesse praticamente cheio.

Um ano depois de entrar na DHL fui nomeado diretor ibérico, o que representou multiplicar por dez os números da minha experiência anterior. Foi a oportunidade de “jogar noutra divisão” e liderar uma equipa ibérica. Também foi importante liderar as equipas comerciais de Portugal, Espanha e Itália, duplicando os resultados em três anos. O último projeto em que participei na DHL foi o mais diferente e transformador. Durante um ano e meio fui responsável por uma equipa virtual de 15 pessoas, de 15 nacionalidades diferentes, que tinham a responsabilidade de implementar um programa de formação e certificação em 26 países na Europa Continental, Médio Oriente e África, abrangendo 30 mil pessoas. Foi o meu maior desafio de liderança e o que mais gozo me deu, pela diversidade.

Com base em que princípios orientou as suas escolhas profissionais?

 Segui sempre os meus sonhos e a minha intuição e nunca perdi a curiosidade e a vontade incessante de aprender com tudo e com todos. Sempre procurei trabalhar com quem sabe mais e é mais inteligente do que eu (se, numa sala, formos a pessoa mais conhecedora e mais inteligente, então estamos na sala errada).

Uma vida só tem sentido quando somos capazes de deixar uma marca indelével, mas positiva, em meia dúzia de pessoas. Não sei se fui capaz, mas foi isso que procurei sempre fazer até hoje. O que sabemos é muito menos importante do que quão nos preocupamos com os outros. A nossa capacidade de sermos razoavelmente bem-sucedidos na nossa carreira profissional é diretamente proporcional ao tempo e ao cuidado que dedicamos aos outros, principalmente quando os outros são os membros da nossa equipa, aqueles que de facto fazem acontecer as coisas.

As suas áreas de especialidade são a gestão, o marketing e as vendas. Como vê o posicionamento de Portugal nestas áreas?

 Os desafios que se colocam a Portugal em termos de capacidade de gestão são os mesmos que se colocam a qualquer empresa e país. Temos a geração melhor preparada de sempre, com imenso potencial. Cabe aos atuais líderes perceberem que não podem gerir os novos talentos que estão a chegar às empresas da mesma forma que geriam há 15 anos atrás, porque as pessoas têm outras ansiedades, conhecimentos e visão do mundo.

 Os novos consumidores, da geração Millenium, e já a geração anterior, exigem das empresas diversidade, igualdade de oportunidades, responsabilidade social e ética, já não chega só produzir bem e barato. Com a velocidade a que a informação hoje circula nas redes sociais os erros dão cabo da reputação das empresas em dois dias, nem é preciso tanto.

 Estamos já a entrar no tema do marketing.

Não considerando o impacto que as novas tecnologias trouxeram ao marketing, os fundamentos continuam a ser os mesmos: a qualidade, o valor, a satisfação e a retenção dos consumidores.

“A liderança tem a ver com a maneira como nos relacionamos com os outros e isso não tem a ver com o género, a nacionalidade ou a idade, mas sobretudo com a confiança que se inspira.”

O comércio eletrónico mostra-nos que tão ou mais importante do que ganhar um cliente novo é reter o cliente atual e crescer com ele. Com a emergência das redes sociais isto é ainda mais importante, porque o cliente partilha a sua satisfação ou insatisfação com grande facilidade. O marketing digital tem esta capacidade e este perigo e as empresas têm de estar muito bem preparadas.

 Sobre as vendas, qual é a sua perspetiva?

Sempre estive ligado às vendas de produtos e serviços complexos. Vender um serviço de logística é algo de elevadíssima complexidade, com ciclos de venda brutais que envolvem grandes quantidades de informação e diferentes stakeholders.

Por isso é cada vez mais difícil encontrar profissionais qualificados na área das vendas para os operadores logísticos que, acima de tudo, vendem confiança. Embora haja formação técnica excelente em Portugal, há muita falta de formação na área comercial, nos operadores logísticos e nas vendas complexas em geral, a que chamo as vendas consultivas. É uma área em que já não importa só o preço, mas o valor que se oferece.

 Quais foram as principais lições que aprendeu com a vida?

O que sou hoje vem de um conjunto de coisas que aprendi com a vida. A primeira lição é que a humildade não nos faz melhores mas faz-nos diferentes. Nunca me cruzei com um verdadeiro líder que não fosse humilde. Um segundo valor diz respeito à honestidade que, para mim, é magoar com a verdade e nunca confortar com a mentira.

O compromisso é uma filosofia de vida para mim. Sem compromisso não há relação nem resultados e eu não quero ter pessoas descomprometidas nas minhas equipas. Uma pessoa que me inspirou muito dizia: nas empresas encontramos três tipos de pessoas, as que não sabem, as que não podem e as que não querem. Às primeiras ensinamos, às segundas ajudamos, as terceiras têm de ser retiradas do caminho.

Também aprendi que falar é uma necessidade e escutar é uma arte e que é necessário ter o coração na cabeça e a cabeça no coração. E depois, o mais importante de tudo: a integridade e o carácter. Há relativamente pouco tempo encontrei uma definição que me encheu as medidas, pois reflete o que penso, e apropriei-me dela. “Integridade e carater é tudo aquilo que somos quando ninguém está a olhar para nós”.

Fale-nos um pouco da sua experiência como docente.

Desde cedo na minha vida profissional que dou aulas técnicas em Associações, Institutos e Universidades. Sempre tive algum jeito para comunicar e por isso não foi difícil aliar o conhecimento técnico que ia adquirindo com a capacidade de lecionar aulas razoavelmente motivadoras.

Há um proverbio chinês que diz que “quem ensina aprende duas vezes” e outro, mais cínico, que diz “quem sabe faz, quem não sabe ensina”. Revejo-me no primeiro, pois o ensino é aquilo que me tem desde sempre ligado ao conhecimento. Para dar aulas é preciso estudar e estar atualizado.

As minhas aulas são a síntese da minha experiência no terreno com o enquadramento conceptual necessário para termos as ideias arrumadas e sabermos ver para além do óbvio. Costumo dizer que dificilmente deixarei de dar aulas, mas nunca serei um professor.

É uma área que gostaria de incrementar?

Eventualmente, não só nas universidades mas nas áreas técnicas onde ainda temos gaps de formação, como as vendas consultivas de que falei. São áreas onde acho que posso acrescentar valor, seja em consultoria seja na formação.

Como surgiu a sua experiência de voluntariado na ACA – Associação Conversa Amiga?

Há cerca de um ano senti a necessidade de retribuir o muito que a vida me tem dado e comecei a investigar oportunidades de voluntariado. Descobri a ACA, que apoia pessoas em situação de sem-abrigo e tem uma prática de voluntariado que se adequa muito à minha forma de ser e estar: conversar. Fiz 18 horas de formação, fui testado na rua e hoje participo no projeto “Um Sem Abrigo, Um Amigo”, aos sábados, de 15 em 15 dias, em que vamos para o terreno à noite, conversar, munidos de uma chávena de chá.

“A esmagadora maioria das pessoas tem medo de comunicar com os outros. E quando o fazem acham que a comunicação é uma estrada de um sentido só. Ouvir é fundamental quando estamos em posições de liderança.”

É incrível perceber o valor que uma conversa pode ter numa noite fria de inverno. Hoje sou uma melhor pessoa. São experiências que nos ajudam a relativizar os pequenos problemas que inventamos para nós próprios para nos sentirmos vivos.

 Que valor teve para si o prémio de carreira que lhe foi recentemente atribuído pela Logística & Transportes Hoje?

Senti-me muito feliz e agradecido, e com uma pontinha de orgulho, por terem existido pessoas, que não lidam comigo todos os dias e mesmo assim acharam que eu podia ser credor de um prémio destes. Também foram gratificantes as reações que recebi por parte de outras pessoas. Fizeram-me sentir que devo ter feito alguma coisa de positivo para receber este reconhecimento.

Muitas das pessoas que fizeram parte das minhas equipas há 10 ou 15 anos já estão em funções de liderança, são grandes pessoas e estão a revelar-se excelentes profissionais e esse é o meu objetivo. Como disse, a vida só vale a pena se no final tivermos conseguido deixar marca em meia dúzia de pessoas.

Também sei que este vosso prémio é um prémio de carreira e não de fim de carreira. É que eu tenho tantas ideias e tantos projetos para o futuro que seria uma pena ficar por aqui. Muito obrigado, mais uma vez.

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