Espanha foi durante muitos anos a aposta natural das empresas portuguesas que queriam internacionalizar-se. É um parceiro natural, pela proximidade geográfica e pelo volume de negócio que representa, em muito superior ao português. As relações comerciais com Espanha têm sido uma tendência natural e, ao longo dos anos, temos vindo a verificar uma certa ‘iberização’ das operações de logística. Face à situação hoje vivida por Espanha, as empresas portuguesas têm vindo a reorientar as suas apostas para países em desenvolvimento e com crescimentos fortes. Proximidade física e ligação histórica ditam as escolhas e os países mais escolhidos são os do Magreb, o Brasil e Angola. Esta realidade tem vindo a assistir-se, também, no universo das empresas de transportes e logística que tem por natureza “uma tradição de internacionalização, nomeadamente através dos diversos modos de transporte”, como nota Carla Fernandes, Presidente da APOL – Associação Portuguesa de Operadores Logísticos. Face às limitações que a economia nacional hoje apresenta, muitas empresas de logística optam pela internacionalização, apoiando-se na sua “experiência e acumulação de competências”.
Carla Fernandes defende que os operadores logísticos portugueses podem transmitir conhecimentos técnicos e práticos “muito interessantes” em mercados lusófonos como o Brasil, Angola ou países do Magreb. Aqui, o estádio da logística não é tão evoluído como em Portugal, pelo que os operadores logísticos nacionais “têm soluções eficientes e permitem reduzir custos na formação e aprendizagem”. Também Moçambique e alguns países da América Latina podem ser uma boa opção de internacionalização para os operadores logísticos, pelos “níveis de desenvolvimento interessantes que apresentam e que constituem um desafio para os operadores nacionais”. Por norma, o serviço mais solicitado é o transporte, seguido dos serviços de apoio aduaneiro, assegura Carla Fernandes. Mas já há clientes a solicitar serviços de outsourcing logístico com plataformas no exterior.
Adaptação e flexibilidade
As empresas portuguesas do setor de transportes e logística estão aptas a competir com as multinacionais do setor em contexto internacional. Apresentam “uma vantagem concorrencial relevante”, relacionada com “aspetos de empreendedorismo e capacidade de adaptação que são características intrínsecas da cultura e competências das empresas portuguesas”, afirma Carla Fernandes. Por outro lado, são cada vez menos as barreiras à atividade dos operadores logísticos em mercados internacionais, sobretudo nos mercados com quem os operadores logísticos mantêm uma maior ligação comercial, como é o caso de Espanha. Eduardo Rangel, Presidente do grupo com o mesmo nome que há sete anos deu o passo da internacionalização, concorda que os portugueses têm vantagens: “As empresas portuguesas são mais flexíveis e têm uma gestão mais próxima do mercado.
Por outro lado, têm mais facilidade nos mercados lusófonos”. Ainda assim, reconhece que as grandes multinacionais são “tremendos concorrentes” sobretudo na relação com grandes empresas globalizadas, “onde muitas vezes as decisões são centralizadas e as opções vão para empresas muito globalizadas”. Para ter sucesso é preciso apresentar valor acrescentado ao mercado e ter capacidade financeira para suportar os primeiros anos, que são sempre difíceis. “O retorno do investimento não é imediato, é necessário sobretudo que a empresa mãe respire de alguma saúde financeira para que tudo corra bem”. João Carriço, CEO da Adicional Logistics, que entrou em Espanha há três anos, confirma a necessidade de um grande investimento, visto que este setor necessita de capital intensivo. O que prejudica as empresas portuguesas, com “acesso mais restrito a capital e a investidores”. Já no que respeita a know how, capacidade técnica e tecnológica, as empresas portuguesas “estão na linha da frente” do que é feito em termos mundiais.
Governo: prós e contras
Eduardo Rangel não tem encontrado grandes dificuldades burocráticas nos países onde o Grupo está a investir. As regras quanto ao investimento estrangeiro são “razoáveis”, tal como os requisitos inerentes aos licenciamentos. Na sua opinião, o governo português, e sobretudo os ministérios da Economia e dos Negócios Estrangeiros e a AICEP, tem feito esforços para “manter um excelente relacionamento com os países onde hoje se assiste a maior investimento português, especialmente Angola, Moçambique e Brasil”. Ainda assim, defende que deve ser intensificado “para ajudar em aspetos relevantes, como é o caso dos vistos de trabalho e facilidades na burocracia associada ao investimento estrangeiro”.
Da sua experiência, João Carriço identifica como apoios disponíveis à internacionalização “alguns programas de capital de risco de instituições públicas que apoiam projetos de internacionalização”. Mas a sua opinião é que “os incentivos são de tal forma residuais que são difíceis de mensurar”. Já Carla Fernandes considera que algumas medidas tomadas pelo governo português constituem um “bloqueio ao negócio internacional”. É o caso do aumento das portagens nas autoestradas portuguesas, que prejudica a atividade de transporte rodoviário, por representar um incremento dos custos para os operadores logísticos. “A competitividade dos preços devia ter sido salvaguardada”, defende.
A APOL tem mantido “um contacto permanente com o Governo com o objetivo de atenuar ou até mesmo corrigir o efeito de algumas medidas recessivas para a operação logística e mantemos uma relação estreita e necessária com outras associações setoriais portuguesas, AICEP e também organizações internacionais”. A presidente da APOL mostra ainda o seu desagrado com a falta de iniciativas relativas aos portos e o mar, onde na sua opinião existe um “desaproveitamento de recursos”. “A economia nacional e a logística necessitam do mar como plataforma de competitividade que hoje está enferma no setor das pescas, como do turismo, como destacadamente dos portos graças à sua falta de competitividade, flexibilidade e abertura internacional”.
Crédito, a grande barreira
Hoje é mais difícil para as empresas portuguesas apostarem na internacionalização do que foi há alguns anos atrás, onde as condições económicas, e sobretudo o fácil acesso ao crédito, permitiam uma vida mais fácil. Eduardo Rangel confirma a pouca recetividade dos bancos portugueses à concessão de crédito mas avança com a perceção de que “existe alguma recetividade na banca portuguesa no Brasil”, onde a Rangel está a entrar. Recentemente, Nuno Fernando Thomaz, da CGD, afirmava numa conferência que não existia um problema de financiamento em Portugal e que a CGD “está preparada para dar crédito”.
A questão, explicava, é que hoje o crédito é caro e são poucas as empresas com saúde em Portugal para poder dele usufruir a um custo aceitável. Porque, lembrou, o crédito não pode ser visto com um “bem homogéneo”. Já os bancos consideram estar em condições para prestar um bom apoio às empresas que estão a internacionalizar-se. O Banco Popular, que respondeu ao pedido de informação da LOGÍSTICA & TRANSPORTES HOJE, explica que graças à sua rede externa (bancos e escritórios de Representação) e parcerias com bancos estrangeiros tem capacidade para disponibilizar “o apoio local necessário”.
Os serviços abrangem apoio financeiro local, gestão de tesouraria através dos serviços de Cash Management Internacional ou aberturas de contas bancárias nalguns países, sem necessidade de deslocação ao estrangeiro. Lourenço Pereira, Gestor de Negócio Internacional, adianta que o Banco Popular “tem sido uma das instituições financeiras mais ativas na contratação de operações ao abrigo das linhas de apoio financeiro tais como a PME Investe e a PME Crescimento protocoladas com o Estado, bem como a linha BEI – Linha de Crédito do Banco Europeu de Investimento, destinada a apoiar projetos de empresas de pequena e média dimensão que pretendam expandir o seu negócio”. Também Fernando Amaro, Diretor de Marketing do Montepio, confirma o empenho deste banco em “apoiar técnica e financeiramente as empresas que queiram expandir o seu negócio”. Fá-lo através da sua rede de balcões e escritórios de representação no estrangeiro e de um departamento especializado na concretização destas operações que, por estarem assentes em legislação própria internacional, constituem um risco acrescido.