É Presidente da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) e no próximo dia 4 de julho vai estar no Porto, no âmbito do MOB LAB Congress, para debater a Mobilidade do futuro e os desafios que enfrentaram as cidades com a integração de tecnologias com a robótica e a IoT. João Carvalho acredita que o ecossistema português da Mobilidade e dos Transportes conta com “atores motivados” e que há espaço para “o aparecimento de novos mercados” e “novos modelos de negócio”.
Como vê o momento que se vive atualmente, em Portugal, nas áreas da Mobilidade e dos Transportes?
A maior alteração decorre da implementação do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, e da Lei n.º 52/2015, de 9 de junho, que aprova o Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros e que impõe a contratualização de todos os serviços públicos de transporte de passageiros e compensações por obrigações de serviço público até dezembro de 2019. Trata-se de uma reforma de grande envergadura a nível europeu e que representa um paradigma na gestão dos serviços de transporte público.
A AMT [Autoridade da Mobilidade e dos Transportes] tem tido diversas iniciativas articuladas, designadamente com o Grupo de Trabalho para a Capacitação das Autoridades de Transportes, criado pelo Despacho n.º 5947/2017, de 7 de junho de 2017, dos Secretários de Estado das Autarquias Locais e Adjunto e do Ambiente, e com as autoridades de transportes locais, como referidos supra, pretendendo dar mais um passo na consolidação de uma estreita colaboração entre as diversas entidades públicas envolvidas em ordem a capitalizar as oportunidades que o novo quadro legal oferece, potenciando um serviço público adequadamente estruturado, sem redundâncias, e que permita servir, adequadamente e a custo justo, as populações, cumprindo o enquadramento legal europeu e nacional.
É certo que a não aplicação ou incorreta e tardia aplicação do direito europeu prejudicam a harmonização das legislações dos Estados-Membros, a garantia das liberdades fundamentais e o bom funcionamento do Mercado Interno e podem implicar o incumprimento do Estado, podendo levar a processos de infração pela Comissão Europeia e eventual condenação de pagamento de sanções pecuniárias. Mas mais relevante e estrutural, a não contratualização de serviços públicos potencia e eterniza custos de ineficiência, pelo desconhecimento de todas as vertentes do sistema, pela não adequação das redes e serviços às necessidades ou pelo pagamento de compensações acima do necessário ou suportável.
Só o esforço conjunto de todos os atores do ecossistema pode mitigar o risco de incumprimento referido, mas também potenciar os benefícios conferidos por este enquadramento. Só conhecendo o sistema, e isso implica desde já assumir competências e ter informação de operadores e do terreno, é que se poderá maximizar os recursos públicos face às necessidades da população e da economia e conhecer o que efetivamente custa gerir o atual sistema ou ampliá-lo.
A AMT terá um trabalho de rigor no cumprimento das regras legais aplicáveis e qualquer modelo que cumpra tais regras será admissível. A sua avaliação será de estrito cumprimento legal, cabendo às autoridades definir o modelo que pretendem disponibilizar, de acordo com a informação, complexidade ou recursos de que disponham.
O ecossistema da Mobilidade e dos Transportes em Portugal tem, felizmente, atores capazes e motivados, o que me faz estar seguro de que saberemos contornar as pedras ainda existentes no caminho e, do mesmo passo, capitalizar as oportunidades que o novo quadro legal oferece.
Como imagina o futuro dos transportes? Que obstáculos vê à implementação de novas soluções de mobilidade?
O futuro da mobilidade passa pela promoção da sua sustentabilidade económica, financeira, social e ambiental. Consubstancia um desafio e uma oportunidade para que a atuação integrada de todas as entidades públicas competentes, bem como de todos os prestadores de serviços de transportes e se paute pela criação de sinergias alinhadas com as expetativas e os direitos dos passageiros e utilizadores.
Todos os setores de atividade podem contribuir para o desenho de um quadro de implementação, em ordem a gerar novas oportunidades de crescimento sustentável e vantagens competitivas, sendo que os contratos públicos podem ser relevantes neste contexto, devendo ser criadas condições de concorrência equitativas para todas as empresas.
A utilização estruturada e planeada de infraestruturas, serviços e comunicação, que deem uma resposta dinâmica às necessidades sociais e económicas da sociedade, é a marca identitária que está na génese da ideia de mobilidade inclusiva, eficiente e sustentável.
Esta intervenção estruturada passa por assegurar a multimodalidade de todos os modos: Infraestruturas e comunicações; e Passageiros (transporte regular, táxis, escolar, flexível, e outras soluções de mobilidade), bem como com a logística e o transporte de mercadorias.
Hoje em dia, é impossível ignorar as novas soluções de organização do transporte, que criam oportunidades, mas também ameaças para os tradicionais operadores no mercado de transporte público de passageiros, sendo que a escolha das estratégias mais eficientes e inovadoras para ultrapassar estes eventuais constrangimentos se traduz num desafio do qual ninguém se deve alhear.
É inquestionável que está aberto espaço para a promoção de políticas que induzam o aparecimento de novos mercados relevantes da mobilidade, que deem acolhimento a novos modelos de negócio e que a nada obsta que não só novas empresas, mas também empresas tradicionais, inspiradas nas potencialidades que a tecnologia proporciona, criem modelos de negócio competitivos que favoreçam uma mobilidade eficiente, maximizando a utilidade para cidadãos e para empresários, na senda das posições da Comissão Europeia, designadamente sobre “Uma Agenda Europeia para a economia colaborativa”.
Com o objetivo da redução das emissões de CO2, do congestionamento e da poluição atmosférica, através da promoção da digitalização da economia, e com isso melhorar a qualidade de vida dos cidadãos europeus, a Comissão Europeia estabeleceu 2018 como ‘Ano da Multimodalidade” na União Europeia e tem previstas diversas iniciativas legislativas de forma a promover o funcionamento do setor dos transportes de forma totalmente integrada, com impactos estruturais em diversas áreas da atividade económica, abrangendo aspetos tecnológicos, aspetos sociais, ambientais, etc..
Aliás, no âmbito de consultas públicas da Comissão Europeia, a AMT tem acompanhado, naturalmente, os objetivos de fundo de promoção de um sistema de transportes intermodal, sustentável e promotor do investimento e do emprego e da diminuição das emissões.
Mas também tem considerado essencial a existência de um quadro para a implementação, de forma coordenada nos Estados-Membros. Os modelos regulatórios e institucionais variam entre os diversos Estados-Membros o que pode prejudicar a livre circulação de pequenas e médias empresas no Mercado Interno e nem todos os Estados-Membros.
Por outro lado, nem todos os Estados-Membros (incluindo Portugal) têm um histórico de realização de monitorização sistemática e periódica de todas as vertentes do mercado de transporte de passageiros e mercadorias, seja em regimes de concorrência regulada ou liberalizada, nem reportam à Comissão toda a informação relevante (barreiras e encargos administrativos para entidades públicas e operadores administrativas ainda existentes) que impede uma correta avaliação dos impactos de eventuais iniciativas de âmbito nacional e europeu.
Ora, tendo em conta a falta ou insuficiência de informação precisa, especificada, homogénea e transversal a nível europeu, quaisquer alterações ou novidades a introduzir no enquadramento legislativo europeu e nacional devem ser assistidas pela devida prudência e sustentada em dados objetivos, de diagnóstico e prospetivos, de modo a antecipar e mitigar eventuais efeitos negativos no mercado de transportes de países periféricos (com custos de contexto bastante superiores aos demais).
De referir que a AMT está a participar num projeto de identificação e eliminação de barreiras concorrenciais existentes no enquadramento legal português, em conjunto com a Autoridade da Concorrência e a OCDE, esperando contribuir para este esforço europeu de simplificação administrativa e de criação de melhores condições concorrenciais, de investimento e de melhoria da qualidade do serviço e direitos dos passageiros.
Uma vez que o conhecimento é da maior relevância para uma intervenção informada e eficaz, a AMT encontra-se a implementar um Observatório dos Mercados da Mobilidade, Preços e Estratégias Empresariais, que vai permitir exercer as suas próprias atribuições, mas também contribuir para este esforço europeu e:
- Deter um elevado nível de informação, permanente e rigorosa, do ecossistema, disseminando-a e partilhando de forma célere e fiável;
- Analisar periodicamente os indicadores operacionais, aferindo da sua eficiência, mas também do cumprimento de obrigações legais, regulamentares e contratuais;
- Reforçar a regulação através da avaliação de políticas públicas, padrões de mobilidade e de outras mudanças no ambiente operacional e visando a simplificação legislativa e racionalidade processual.
No entanto, a rápida evolução da economia colaborativa veio colocar novos e mais relevantes desafios ao ecossistema para poder acomodar novas realidades cuja evolução é mais rápida que a capacidade de intervenção pública. A digitalização é, na verdade, o motor da mudança no setor dos transportes, pois induz mudanças mais vastas do que aquelas que estão diretamente relacionadas com a introdução de novas tecnologias na sustentação de procedimentos administrativos. Essa avaliação é complexa e muito vasta, abrangendo aspetos diversos e de difícil identificação.
Tal implica uma atuação rápida e de âmbito prospetivo. Os poderes públicos devem procurar antecipar-se às dinâmicas rápidas da economia, com especial incidência na economia portuguesa e na sua relação com a União Europeia e com o mundo. Por isso, é importante que as entidades reguladoras tenham a capacidade – incluindo financeira – (AMT, Adc a ANACOM) de sustentar posições comuns nacionais sobre os desafios regulatórios da digitalização da economia e sobre os possíveis impactos sociais, económicos e sociais no ecossistema da Mobilidade e dos Transportes.
A AMT entende que deve existir uma ação alargada, abrangente e sistemática, a curto prazo, de identificação dos instrumentos legais existentes relativos a todos os modos, não só no que se refere aos custos de contexto de entrada a permanência na atividade e no mercado, mas também as áreas suscetíveis de serem afetadas, de forma positiva ou negativa, pela digitalização da economia, e desenhar, desde já, medidas de avaliação desses impactos de forma a minimizar decisões ou opções estratégicas insuficientemente informadas (sobretudo na matéria digital que tem uma atuação supranacional e que ultrapassa as fronteiras da União Europeia).
Tal poderá potenciar uma posição coerente e comum nas instituições europeias, a nível estratégico, mas também espoletar ações imediatas e concretas de diagnóstico e de atuação em movimentos em curso de adaptação do quadro regulatório à realidade dinâmica da economia.
De que forma é que a Mobilidade pode servir de eixo promotor da qualidade de vida de uma cidade/região?
O conceito de desenvolvimento sustentável é integrador de preocupações ambientais, socioculturais e económicas e é particularmente relevante quando se aborda a questão da mobilidade. A mobilidade é transversal a todos os setores da atividade económica e tem profundos impactos sociais, ambientais e económicos.
A mobilidade constitui a expressão de um conjunto de necessidades cujas causas se têm de procurar na localização das atividades no espaço, no nível económico de uma sociedade e nos seus sistemas produtivos dominantes, nas relações sociais que se procuram estabelecer e nos modos de vida.
Está em causa o modo e a frequência com que as pessoas se deslocam para satisfazer todo o tipo de necessidades – das “obrigatórias” (associadas ao trabalho, escola e ao abastecimento das famílias) às opcionais (lazer, social, etc.), sendo que o exercício do direito à mobilidade acarreta custos económicos, sociais e ambientais. Por isso uma atuação adequada que não se circunscreve ao estrito domínio dos transportes e ao dos seus impactos sobre o ambiente.
Como referem diversos documentos da União Europeia, um sistema de transporte sustentável é o que:
- Permite responder às necessidades básicas de acesso e desenvolvimento de indivíduos, empresas e sociedades, com segurança e de forma compatível com a saúde humana e o meio ambiente, fomentando ainda a igualdade dentro de cada geração e entre gerações sucessivas;
- Resulta exequível, opera equitativamente e com eficácia, oferece uma escolha de modos de transporte e apoia uma economia competitiva, assim como um desenvolvimento regional equilibrado;
- Limita as emissões e os resíduos ao nível da capacidade de absorção do planeta, usa energias renováveis ao ritmo da sua geração e utiliza energias não renováveis às taxas de desenvolvimento dos seus substitutos por energias renováveis, ao mesmo tempo que minimiza o impacto sobre o uso do solo e a poluição sonora.
- Contribua para uma organização dos espaços urbanos, promovendo a proximidade, e adequados usos do solo.
Por isso, para potenciar todos os efeitos positivos referidos, num determinado território, de um sistema de transportes adequados, é necessário assegurar a multimodalidade (todos os modos: Infraestruturas e comunicações) e Passageiros (transporte regular, táxis, escolar, flexível, e outras soluções de mobilidade, bem como com a logística e o transporte de mercadorias) e ter em conta os interesses e expectativas de investidores; profissionais/ utilizadores/ utentes/ consumidores e/ou cidadãos; e contribuintes.
Apenas se conseguirá uma plena coesão social e valorização territorial, uma qualidade do serviço público de transporte, um saudável ambiente concorrencial e uma adequada proteção dos direitos e interesses dos consumidores e utentes.