Com uma nova ‘cultura de consumo’ imposta pelo contexto de pandemia, a proximidade das plataformas logísticas aos grandes centros urbanos tornou-se tendência crescente, mas a inovação tecnológica e a automação da logística será igualmente um dos temas a que teremos de dar maior relevância no médio prazo.
Pedro Figueiras, Associate Director Industrial & Logistics da Savills Portugal, entrevistado pela Logística e Transportes Hoje, aborda o que considera ser algum atraso estrutural de Portugal, por exemplo, face a Espanha, mas perspetiva, fruto de uma maior pressão sobre o preço dos espaços logísticos, o nascimento de unidades tecnologicamente mais avançadas e propiciadoras de um maior nível de automação.
O espaço é, como o sabemos, um recurso finito. Como tem vindo, na vossa ótica, a crescer este segmento e o que poderia ter sido, até aqui, melhor trabalhado?
Na verdade não posso apontar nada que pudesse ter sido melhor trabalhado, porque foram as condições do país que assim o ditaram. Vivemos alguns anos, após o resgate financeiro de que o país foi alvo, num clima de alguma depressão económica e faltavam, no nosso entender, promotores especializados que desapareceram na última crise. Faltava também que as rendas tivessem uma pressão no sentido de subir, fatores que se estão a conjugar agora e, por isso, só agora surge esta necessidade. Diria que, neste momento, todos os fatores são favoráveis. Vemos que começa a haver alguma pressão, no sentido positivo, de que as rendas subam, porque há maior procura, de facto. O ano de 2020 voltou a ser um ano de crescimento no que toca a absorção de área. Os promotores especializados em logística olharam para o nosso mercado e quiseram entrar, estando nós, por exemplo, neste momento a trabalhar com vários deles. Neste momento, as rendas já viabilizam a construção de novo produto, já se torna economicamente viável.
A oferta, como já o referiram num dos vossos documentos de análise, é nesta altura inferior à procura. Estamos a esgotar o espaço disponível para este tipo de infraestrutura ou há capacidade para expandir a oferta?
Para responder a isso é preciso contextualizar um pouco a questão. No fundo, estamos a esgotar o stock disponível, mas sobretudo pela própria especificação de stock. Há stock disponível no mercado mas não tem as especificações que o operador precisa, algo que motivaria um operador a mudar para uma nova unidade. Ou seja, para mudar para uma nova unidade esta tem de ter maior qualidade e garantir operações mais eficientes. Se não temos construções mais modernas e com especificações mais evoluídas, não há incentivo à mudança. Não existindo oferta no mercado, não há movimentação. Com a criação de nova oferta vemos que os operadores já olham para o nosso mercado e pensam em mudar centros logísticos, por via dessa eficiência.
“Olhamos para Madrid e vemos grandes plataformas logísticas a nascer nos últimos anos, vemos todos os dias anúncios de novos investimentos a acontecerem, e Portugal está um pouco atrás, mas começamos a aproximar-nos”
Mas um país como Portugal pode ser competitivo, por exemplo, face a um país como Espanha no que concerne às ‘exigências’ que os operadores logísticos requerem?
De facto, na perspetiva logística, nunca nos podemos desenquadrar da Ibéria. Espanha é um mercado bem mais maduro e diria que a tendência que estamos a viver agora em Portugal já teve início há algum tempo em Espanha. Olhamos para Madrid e vemos grandes plataformas logísticas a nascer nos últimos anos, vemos todos os dias anúncios de novos investimentos a acontecerem, e Portugal está um pouco atrás, mas começamos a aproximar-nos. Temos, contudo, de ter a consciência que, numa perspetiva de cadeia de abastecimento, se calhar grandes plataformas de market acess ao mercado continuam a estar mais baseadas em Espanha e depois temos plataformas de distribuição regional e local já no last-mile. Contudo, acho que estamos a assistir a uma mudança de paradigma, que, no fundo, possivelmente, não se materializará no próximo ano, mas que se afirmará nos próximos anos ou a médio longo prazo. Por um lado, temos uma vantagem que é a nossa posição Atlântica. Se conjugarmos vários fatores como o alargamento do canal do Panamá, a expansão do Porto de Sines para um nível de capacidade francamente superior, a poder competir perfeitamente com alguns dos portos mais significativos da Europa, sendo o primeiro porto de águas profundas para quem vem da Ásia, tendo também interesse dos mercados brasileiros, via Sines, mudará um pouco o paradigma da logística em Portugal e este setor tenderá a crescer mais.
Por outro lado, também não podemos dissociar todo o interesse neste tipo de espaços do contexto de pandemia que vivemos durante praticamente o último ano… Não teme que, possivelmente, este interesse desvaneça com o tempo?
Claro que não podemos descurar o impacto da pandemia no Mundo e Portugal não é alheio, de todo, a isso. Porém, a pandemia acabou por reforçar a vontade dos blocos económicos se virarem mais para dentro. Isto traduz-se no quê? Já o vemos todos os dias, no que toca ao bloco económico europeu, com alguns exemplos, no sentido de um movimento de reindustrialização. Os esforços políticos e económicos serão muito orientados nesse sentido, porque as fragilidades na cadeia de abastecimento ficaram a descoberto com a pandemia. Vemos muitas multinacionais que têm grande parte da sua base produtiva na Ásia com problemas de stocks por via de toda a cadeia de valor que é necessária à manufaturação dos seus produtos… Temos vários fabricantes que dependem de fornecedores asiáticos a viver, ainda, algumas ruturas de stock e a viver essa dificuldade. Se juntarmos a isto a vontade política de o nosso vetor de crescimento passar, em certa medida, por um processo de reindustrialização, e igualmente a vontade do consumidor que, de forma crescente, procura mais diversidade, mais conveniência e flexibilidade… A diversidade e as alterações dos padrões de consumo fazem com que as unidades industriais tenham de estar cada vez mais próximas do consumidor. Repare, se eu vou produzir na Ásia e me demora dois meses a cá chegar, já não falando do custo de transporte, perde-se a oportunidade e alguma flexibilidade em responder a mudanças de mercado. Se juntarmos a isto um nível crescente de automação na indústria, quanto mais automação introduzirmos mais viável é termos mais indústria cá.
“Acredito que nos próximos anos vamos ver muito mais automação, porque é o consumidor que a vai puxar. O consumidor cada vez mais quer comprar e quer receber no momento seguinte”
Mas sente o país preparado para dar o salto que é necessário no âmbito da automação? Não sente que estamos a ficar algo atrasados?
Sinto que estamos um pouco atrás e isto poderá explicar-se pelos mais diversos fatores. Mas pensemos que quanto maior o custo da mão de obra, maior o interesse na aposta em automação. O ponto em que a automação traz benefício está intrinsecamente ligado ao custo do trabalho. Se tirarmos este fator fora, de facto, noutros países já vemos níveis de automação superiores. Isto pode explicar-se por alguns fatores: 1) a capacidade de investimento a adicionar à questão do custo do trabalho; 2) o custo do trabalho, porque a maior necessidade de automação vem da necessidade, sobretudo, de entregar rápido e entregar rápido está ligado ao e-commerce; 3) a infraestrutura dos imóveis. A automação exige imóveis com especificações mais avançadas. Acredito que nos próximos anos vamos ver muito mais automação, porque é o consumidor que a vai puxar. O consumidor cada vez mais quer comprar e quer receber no momento seguinte.
Que mudanças perspetiva neste sentido?
Voltamos à questão da indústria. O advento da indústria 4.0, que já é passado no sentido de inovação e é hoje o novo standard, permite a flexibilidade de eu não ter de produzir lotes de milhares de peças. Eu posso produzir um lote que tem as mais variadas referências com um nível de customização interessante. Num exercício mais extremo, hoje o consumidor de uma palete de dez cores, pede-me preto e branco. Daqui a três semanas, pede-me amarelo e azul e eles entram-me no top de vendas. Se eu produzir isto a muitos milhares de quilómetros de distância, demoro dois meses a responder. Se eu conseguir produzir em proximidade, no dia a seguir ou no próximo estou a produzir o que o mercado me pede sem a ineficiência de estar a produzir a dois meses de distância, e a produzir o que o mercado não queria ou estar a dar ao mercado aquilo que o mercado não queria. Isto pode replicar-se para quase qualquer indústria. Agora, óbvio, quanto mais alto o valor acrescentado de uma indústria, mais fácil a sua deslocação para a proximidade. Produtos de pouco valor acrescentado, que estejam muito comoditizados é muito mais difícil. Vejamos, o grupo Inditex já o fez há muito tempo quando tinha, e tem, muita produção muito próxima. Imaginemos isto mais orientado para a eletrónica de consumo ou a quase tudo o que consumimos. A automação permitirá tirar o fator competitivo, em termos de custo do trabalho de outras geografias e isto permite-nos estar mais próximo do consumidor. O custo de transporte diminui e a rapidez de chegada ao mercado aumenta.