Supply Chain

Vacinação: Operação logística com sentido de missão

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Face à missão primordial de inocular toda a população o mais rapidamente possível, Portugal montou uma complexa e sofisticada operação de distribuição logística, com uma dimensão tecnológica sem precedentes. A LOGÌSTICA & TRANSPORTES HOJE testemunhou no SUCH, polo logístico que integra a task force do Plano de Vacinação Contra a Covid-19, o esforço hercúleo que uma equipa multidisciplinar faz diariamente para dar resposta a esta corrida contra o tempo.

[Trabalho desenvolvido para a versão impressa da Logística&Transportes edição nº153]

São 8h10 da manhã do dia 12 de julho. A pontualidade britânica da Pfizer nas entregas de lotes de vacinas que faz, às segundas-feiras, no polo logístico do SUCH – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, falha pela primeira vez, mas nem por isso a complexa operação de recolha, armazenamento e distribuição daquele que é hoje um recurso precioso, protegido por uma equipa de milhares de profissionais ao longo de toda a cadeia do processo, fica comprometida.

Neste dia, Portugal recebeu um total de 355 680 doses da Comirnaty, a vacina da farmacêutica americana desenvolvida pela empresa alemã BioNTech. Segundo o coordenador do projeto logístico de vacinação do SUCH, que acompanhou a reportagem LOGÌSTICA & TRANSPORTES HOJE às instalações em Arazede (concelho de Montemor-o-Velho), normalmente o polo logístico recebe quase o dobro dos 59 280 frascos que chegaram nessa manhã. Como aconteceu na segunda-feira anterior, véspera do recorde do número de vacinas contra a Covid-19 administradas em Portugal: 154600 doses inoculadas num só dia.

O enorme esforço que tem vindo a ser feito nesta fase massiva da vacinação contra a Covid-19 para aumentar o número de inoculações diárias, que “ultrapassou os 120 mil na média dos últimos sete dias”, como reporta, à data, Carlos Branco, parte, antes de mais, do trabalho de distribuição logística que o SUCH desenvolve com todas as tipologias de vacinas. E, diferenças à parte entre Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen no que toca a dias e horários de entrega (por vezes ao domingo ou às 4h00 da manhã) ou número de doses recebidas, todas elas são expedidas “assim que possível”, depois de chegarem ao polo tecnológico da task force do Plano de Vacinação Contra a Covid-19.

No caso das vacinas da Pfizer recebidas a 12 de julho, provenientes da Alemanha, cerca de 23 mil frascos seguiram, às 14 horas do mesmo dia, para a região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT). Como explica Carlos Branco, uma vez que são distribuídas no próprio dia, depois de rastreadas estas doses entram imediatamente em processo de descongelação (não passando pelas arcas de armazenamento), ao mesmo tempo que a equipa logística do SUCH prepara as encomendas para seguirem essa tarde para LVT. Os restantes frascos são armazenados para serem distribuídos nos próximos dias. Como avança o coordenador logístico do SUCH: “já temos em sistema 38550 frascos para entregar amanhã (13 de julho) nas regiões centro e norte, incluindo 24 067 da Pfizer.” Estas duas grandes expedições contribuem para a missão primordial da Plano de “inocular toda a população portuguesa o mais rapidamente possível”.

O processo de gestão operacional é meticuloso: depois de recolhidas as caixas (denominadas pizzabox, pelo seu formato) da carrinha de transporte, o primeiro passo é desligar os dataloggers instalados em cada uma delas para rastrear a temperatura das vacinas durante o percurso. A Pfizer está em contacto com estes dispositivos e valida então que todo o sistema de transporte decorreu de forma correta, enviando, em questão de minutos, emails de “libertação” da encomenda. O que permite iniciar os processos de descongelação e/ou entrada em arca de armazenamento, a -80 º C, destas vacinas – sendo os requisitos de frio distintos para as restantes marcas (ver tabela).

Para iniciar esses processos são criadas e colocadas etiquetas em cada pizzabox (regra geral, cinco por caixa, com 195 frascos cada, que contém individualmente seis doses da vacina, no caso da Pfizer), cujos dados são registados no sistema informático do SUCH, o qual reúne informação detalhada sobre temperaturas registadas pelos dataloggers, horários de descongelação ou de entrada em arca, lotes, quantidades em stock nas câmaras de frio, etc. De sublinhar que essa informação, além de permitir ao SUCH “fazer o controlo total do processo de expedição”, como nota o seu coordenador logístico, pode ser consultada em qualquer parte do mundo por quem dispõe das passwords de acesso ao portal, utilizado pelas várias entidades envolvidas no plano de vacinação.

@Rodrigo Cabrita

Prever a imprevisibilidade

As vacinas entregues no SUCH chegam de diferentes proveniências, a nível internacional, e são distribuídas nas várias regiões do país, incluindo expedição para as ilhas (à exceção das vacinas da Pfizer, que são entregues diretamente nos Açores e Madeira), de forma organizada por dias preferenciais de entrega por zonas: às segundas e quintas feiras nas Administrações Regionais de Saúde (ARS) de LVT, Alentejo e Algarve; às terças e sextas na ARS Centro e na ARS Norte; e às quartas feiras em regime livre, para abastecer qualquer local do país que tenha urgência em receber novas doses para suprir necessidades de agendamento. Isto em teoria. Porque, segundo relata Carlos Branco nos conta, na mesma segunda-feira em que a LOGÌSTICA & TRANSPORTES HOJE se deslocou ao polo logístico de Arazede (dia de LVT, Alentejo e Algarve) “saiu um carro às 8h00 da manhã para o centro-norte, para distribuir nas zonas de Espinho, Aveiro e Ílhavo”. E estes episódios são frequentes.

De acordo com o responsável, como entrámos na fase de Casa Aberta (modalidade que não requer agendamento prévio), “muitas vezes os centros de vacinação nem sabem ao certo de quantas vacinas vão precisar e, por isso, pedem urgências”. Outras vezes, “não conseguem controlar os stocks de que necessitam, ou não fazem as requisições atempadamente” em função do número total de pessoas que estão convocadas para vacinar – através de auto-agendamento ou agendamento presencial -, e “faltam vacinas”, pelo que acabam por pedi-las “de um dia para o outro”. Acresce que muitas vezes têm requisitos de entrega em determinados horários, que implicam viagens noturnas ou trabalho preparatório de madrugada e aos fins de semana, por exemplo. Ciente da necessidade de dar resposta a estes pedidos para que nenhum cidadão atrase o seu esquema de vacinação, o SUCH “tenta garantir essas entregas, mas nem sempre é possível”.

O que está estipulado é que o registo de expedições fique fechado 48 horas antes da data de entrega, momento em que o sistema aciona automaticamente o cut-off da encomenda. Mas, na prática, ocorrem diariamente pedidos telefónicos e por email de um número acrescido de vacinas, face à requisição inicial, ou mesmo de entregas que não estavam previstas. Ou seja, “o cut-off é furado, por necessidades de última hora”, o que, como sublinha Carlos Branco, provoca constrangimentos logísticos de várias ordens: a equipa da noite começa a trabalhar às 22 horas e ainda não tem o plano mestre (documento que regista, ao final da tarde, toda a informação relativa às entregas que serão realizadas no dia seguinte) por causa dessas alterações. Esta situação causa transtorno e atrasos, gerando “situações de grande stress” já que, por exemplo, sempre que são aceites encomendas depois do cut-off, é necessário voltar a imprimir todas as etiquetas de rastreio, uma vez que as mesmas têm uma ordem sequencial relativamente a rotas e pontos de entrega, o que implica também reabrir todas as caixas para substituição destas etiquetas. Neste contexto, a equipa não tem as devidas condições temporais para preparar todos os procedimentos técnicos requeridos, fato que, necessariamente, “aumenta o risco de erros”.

Na véspera desta reportagem, por exemplo, às 21 horas a equipa ainda estava a afinar algumas encomendas, a nível de plano mestre, definição de rotas, disponibilização de veículos e de motoristas ou registo no sistema informático. E “é assim quase todos os dias”, o que obriga a uma enorme flexibilidade de trabalho, que implica “estar sempre online, a qualquer hora do dia e da noite, incluindo aos fins-de-semana. Porque, tratando-se de vacinas para combater a pandemia, não vamos dizer não”.

Outras situações inesperadas prendem-se com episódios pontuais, como o despiste de uma carrinha de transporte (conseguindo-se recuperar a larga maioria dos frascos de vacinas que seguiam para distribuição); uma entrega de urgência no aeroporto militar de Figo Maduro, com destino aos Açores (e que obrigou a despertar alguns membros da equipa de madrugada); ou o desvio do transporte de vacinas que se destinavam, na fase inicial de vacinação, a algum lar de idosos que, em pleno trânsito, anuncia um surto (sendo a encomenda desviada para outro destino, requerendo uma ginástica logística que tenha em atenção a manutenção das condições de temperatura, face à alteração da rota).

Numa operação desta dimensão, e em permanente dinâmica de alteração de planos, esta imprevisibilidade é incontornável, apesar de todo o planeamento que foi feito desde o início de dezembro do ano passado, quase um mês antes da primeira distribuição das vacinas, a 26 de dezembro (dia em que Portugal recebeu o primeiro lote da Pfizer). “Todos os cenários foram previstos”, de possíveis falhas a soluções e planos de emergência, garante Carlos Branco.

E, embora o arranque das operações se tenha pautado por um trabalho minucioso que incluiu determinar com precisão o tempo de preparação das encomendas, os requisitos de segurança na receção, rastreio, registo e distribuição das mesmas e os procedimentos de controlo da logística de frio, entre outros parâmetros, dada a incerteza de inúmeros fatores (nomeadamente as especificações de armazenamento e transporte de cada tipologia de vacina) e a dependência face ao número de doses que iria ser disponibilizado ao país a cada momento, “tudo foram desafios”, desabafa o coordenador logístico do SUCH.

Tudo menos a dedicação a nível de capital humano: “começámos do zero e construímos um processo tão robusto que temos, à distância de um clique [e com recurso a filtros que permitem visualizações rápidas e intuitivas nos dashboards], informações detalhadas sobre quantidades e locais de entrega, número de lotes e marcas ou horários em tempo real”. Todo o processo foi extremamente complexo, mas “motivar as pessoas para este projeto não foi nada desafiante, porque estamos todos muito motivados para este projeto e, no caso do SUCH, esse era já o espírito da empresa, uma vez que integramos o SNS e trabalhamos há muitos anos neste tipo de apoio aos hospitais, em muitas outras áreas”.


@Rodrigo Cabrita

 


@Rodrigo Cabrita

Logística de ponta em tempo real

A Sala de Situação do SUCH, que integra coordenadores gerais, de armazém, equipamentos, transportes e segurança, representantes Kaizen (que apoia o planeamento estratégico desde o início das operações), e responsáveis farmacêuticos e das forças de segurança e militares, acompanha não só os processos de receção e distribuição logística do dia, através de painéis de controlo que fornecem, em tempo real, a georreferenciação das carrinhas, rotas, monitorização de temperaturas e todos os outros detalhes da operação em curso, como estas situações imprevistas.

Em contacto permanente com a Sala de Situação do Ministério da Saúde, em Lisboa (que, adicionalmente ao plano geral de vacinação, coordena a fase seguinte, de registo das inoculações), esta equipa multidisciplinar organiza ainda as expedições dos dias seguintes, as entradas, saídas e cancelamentos de encomendas, o reforço de quantidades e muitos outros parâmetros. Esta unidade de controlo gere também a linha de apoio Covid, através da qual todas as entidades envolvidas no processo recolhem informações sobre as entregas.

Como comenta Carlos Branco, “a estruturação logística é estratégica” para a execução atempada e segura do plano de vacinação contra a Covid-19. E o SUCH “dá uma resposta adequada” aos muitos desafios que se colocam. Desde logo, o polo logístico da task force está estrategicamente situado, permitindo uma acessibilidade rápida à rede de autoestradas (através da A1 e da A17 e daí para todo o país), e garantindo assim que todas as capitais de distrito possam ser abastecidas num período inferior a quatro horas. O edifício dispõe de uma área destinada às operações logísticas de cerca de 2300 m2 cobertos e é provido de vários cais de carga e descarga cobertos.

A nível de adequação das infraestruturas existentes para obedecer aos critérios definidos para esta operação hercúlea, o polo foi dotado de equipamentos específicos, nomeadamente de vigilância e controlo de acessos, gerador com capacidades ajustadas às necessidades, redundância dos equipamentos de produção de frio e monitorização de temperaturas dos equipamentos de frio, entre muitos outros.

No que respeita a câmaras de conservação, o SUCH tem seis arcas de -80.º (quatro em atividade e duas de redundância); três câmaras de congelação de -20º (duas em funcionamento e uma de redundância) e duas câmaras de refrigeração de temperaturas entre 2.º e 8.º graus, com 200 m2 cada (uma em funcionamento e a outra de suporte de redundância).

Na área destinada à logística, encontra-se instalada uma zona refrigerada para armazenagem de medicamentos em frio positivo (2º a 8º C) com uma área útil na ordem dos 200 m2 e uma volumetria na ordem dos 1000 m3. A capacidade de armazenagem é de 168 europaletes, o que equivale a cerca de 19 300 000 doses de vacina. Adjacente a esta zona, está instalada uma zona de congelação (-20ºC) com uma área útil na ordem dos 41 m2 e uma volumetria na ordem dos 205 m3, cuja capacidade de armazenagem é de 30 europaletes, ou seja, cerca de 3 450 000 doses de vacina.

Em compartimento climatizado encontram-se instaladas quatro arcas ultracongeladoras para armazenamento de medicamentos a- 80ºC, tendo cada uma delas uma volumetria útil de 729 litros, o que perfaz uma capacidade de armazenagem total de 2 916 m3. A capacidade de armazenagem de vacinas em ultracongelação é de 1 260 000 doses. Estão ainda disponíveis mais duas arcas ultracongeladoras, caso seja necessário reforçar a capacidade de armazenamento.

No que respeita ao transporte das vacinas, o SUCH dispõe de sete viaturas dedicadas em exclusivo à operação da distribuição diária, cinco (de 3 m3) em circuito diário e duas viaturas (de 6 m3) de suporte. Todas as viaturas estão dotadas de equipamentos que garantem na cabine de carga uma temperatura controlada entre os 2º e os 25ºC, com capacidade de refrigeração e aquecimento e munidas de um termógrafo certificado que faz o registo das temperaturas de cada transporte. Todas estão ainda equipadas com um sistema de geolocalização integrado, o que permite a total monitorização em tempo real da posição, velocidade, temperatura do interior da cabine de carga e nível de combustível, através de plataforma online dedicada.

Finalmente, e como referido, cada volume a transportar está equipado com um datalogger de rastreabilidade de posição (geolocalização) e temperatura, desde o momento da saída do polo logístico de armazenagem até ao ponto de entrega, ou seja, ao centro de vacinação.

O SUCH é ainda responsável por todo o processo de distribuição dos materiais necessários à correta administração das vacinas contra a Covid-19, como contentores para preservação das vacinas, gelo seco, seringas, gazes, algodão, álcool, pensos e caixotes de resíduos.

Residual é o desperdício de vacinas em Portugal, comparativamente a outros países, assegura o coordenador do projeto logístico de vacinação. Sublinhando que à data de 12 de julho o SUCH rececionou 11 000 425 doses (entregando mais de dez milhões aos centros de vacinação), Carlos Branco refere um “rácio de sucesso brutal”, considerando que apenas se registaram cerca de 14 mil inutilizações, devidas a problemas de avarias dos sistemas de frio, trovoadas que fizeram disparar os quadros elétricos deixando as câmaras sem frio ou, pontualmente, erros humanos relacionados com o esquecimento de manter as embalagens de vacinas refrigeradas.

Salientando que a instalação de dataloggers de rastreio das temperaturas proporciona um cuidado adicional – e não vinculativo, segundo as especificações do Infarmed – em todas as fases do transporte, impedindo eventuais riscos na abertura de portas para retirar uma encomenda, o especialista em operações na área da saúde garante que a segurança das vacinas contra a Convid-19 é máxima.

Tal como é máximo o empenho de todas as entidades que integram o plano de vacinação em fazer chegar aos braços dos cidadãos “cada uma destas preciosas vacinas”, como se pode comprovar através da entrevista e reportagem na Sala de Situação do MS que integram também este Especial.


@Rodrigo Cabrita


@Rodrigo Cabrita

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