Capital Natural

Há um projeto em Estarreja que quer transformar cidadãos em ‘guardiões’ do património natural

Direitos Reservados // Câmara Municipal de Estarreja

Num momento em que a sustentabilidade deixou de ser uma opção para se tornar uma urgência, Estarreja destaca-se com uma abordagem inovadora à preservação do seu património natural. O município está a apostar num modelo de desenvolvimento ambiental que coloca os cidadãos no centro da decisão, promovendo soluções que nascem do território e para o território.

O projeto-piloto “ECO – Estarreja Colaborativa e Orientadora” é um reflexo dessa visão. Integrado na iniciativa europeia TRANS-lighthouses, coordenado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, o ECO alia participação comunitária, educação ambiental e Soluções baseadas na Natureza, com o objetivo de construir uma estratégia resiliente e partilhada para a gestão dos recursos naturais locais.

Para conhecer melhor esta iniciativa, os seus desafios, conquistas e ambições futuras, conversámos com Isabel Simões Pinto, Vereadora do Ambiente da Câmara Municipal de Estarreja, que destacou a importância de envolver os cidadãos na proteção da natureza e de preservar o capital natural como base para um território mais equilibrado, resiliente e sustentável.

Isabel Simões Pinto e Maria da Graça Carvalho, Ministra do Ambiente e Energia

– No que consiste o projeto-piloto “ECO – Estarreja Colaborativa e Orientadora”, porque nasceu e qual o seu objetivo?
O ECO surge da estratégia municipal de valorizar e proteger os valores naturais concelhios, através da criação de um projeto de cariz ambiental que integra e envolve toda a população, enquadrado no TRANS-lighthouses, projeto europeu coordenado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, e focado nas Soluções baseadas na Natureza (SbN), com ênfase na sua dimensão social.

Este caso-piloto, perfeitamente alinhado com a estratégia municipal, tem como objetivo co-criar uma estratégia de preservação e promoção do património natural do concelho, e assume o desafio de unir áreas como a Conservação de Natureza, Gestão do Território, Participação Pública e Governança de SbN.

De uma forma global, pretende-se com este projeto conciliar diferentes interesses, visões e perspetivas para o território de Estarreja, construindo de forma colaborativa com a comunidade uma estratégia equilibrada e resiliente em termos de ambiente.

– Como está a ser gerida a participação da comunidade neste projeto e que ações participativas estão a desenvolver?
O ECO assenta num processo participativo dividido em quatro fases: Co-Diagnóstico, Co-Desenho, Co-Implementação e Monitorização/Avaliação.

A primeira fase, de Co-Diagnóstico, decorreu nos primeiros meses de 2025, e foi composta por oito sessões participativas, seis das quais dinamizadas nas várias freguesias ou localidades do concelho, uma sessão concelhia, com um foco mais institucional, e uma sessão interna, direcionada a funcionários das mais diversas áreas de atuação do município.

No decorrer das sessões os participantes foram convidados a analisar o património natural do concelho numa abordagem cronológica de passado, presente e futuro, identificando as principais forças e constrangimentos, e propondo potenciais estratégias e ações a implementar.

As sessões foram mediadas pela equipa da oficina, uma associação com bastante know-how em projetos de participação pública, e que ficou responsável por compilar as propostas recolhidas nas diferentes sessões em formato de relatório. Estas propostas serão agora alvo de priorização, seleção, e detalhe na fase de Co-Desenho, cuja sessão pública decorreu no passado dia 28 de junho.

Em paralelo, e de forma a garantir a participação dos jovens em idade escolar, foi co-criada, com os docentes dos Agrupamentos de Escolas de Estarreja e Pardilhó, uma metodologia específica para este grupo, e desenvolvido o projeto “ECO – A Tua Voz pela Natureza de Estarreja”.

O objetivo passa por co-criar e co-implementar SbN com os alunos de duas turmas de 8.º e duas de 11.º ano, com metodologias específicas e enquadradas nos conteúdos programáticos das várias disciplinas dos níveis de ensino envolvidos, de forma bastante inovadora e transformadora. Os projetos foram desenvolvidos por grupos de trabalho ao longo do ano letivo de 2024/2025, tendo sido apresentados, discutidos e votados em cada turma, resultando na eleição de um projeto-turma que será alvo de implementação no ano letivo de 2025/26, com o envolvimento dos alunos.

Pretende-se com este projeto conciliar diferentes interesses, visões e perspetivas para o território de Estarreja, construindo de forma colaborativa com a comunidade uma estratégia equilibrada e resiliente em termos de ambiente.

– Que tipo de “Soluções baseadas na Natureza” podem vir a ser implementadas no concelho de Estarreja?
As propostas recolhidas na Fase de Co-Diagnóstico foram muitas e muito diversas, e foram alvo de seleção, discussão e delineamento na fase de Co-Desenho. Foram apresentadas ideias com objetivos tão distintos como a implementação de trilhos, criação de novos espaços verdes urbanos, definição de áreas dedicadas à conservação de natureza, requalificação de linhas de água, interligação entre agricultura/silvicultura e biodiversidade, entre muitas outras, que poderão ser construídas em conjunto de forma a obter o resultado final.

Na iniciativa desenvolvida nas escolas já houve seleção dos projetos-turma e que incluem, de forma resumida, a implementação de estruturas de desporto e lazer em contacto com a natureza, a potencial implementação de hortas urbanas comunitárias, e a requalificação das ruínas de um moinho e área envolvente para conservação da biodiversidade e usufruto do espaço.

– Que desafios têm encontrado na implementação da iniciativa?
O ECO é um projeto inovador e assenta numa nova forma de governança, de participação colaborativa na criação e implementação de políticas públicas, o que implica um envolvimento direto e ativo de diversos atores sociais no processo – como cidadãos, associações e organizações da sociedade civil, universidades e outras instituições públicas e privadas.

Esta abordagem valoriza a cocriação, a corresponsabilização e o diálogo permanente entre a comunidade e a autarquia e, como tal, é muito exigente e o principal desafio tem sido a mobilização das pessoas e instituições para participarem nas diversas sessões.

Os resultados alcançados até ao momento foram bastante positivos, fruto do esforço aplicado na mobilização da atores-chave por parte da equipa técnica responsável do projeto. Por outro lado, sendo um projeto transformador e pioneiro, que pretende dar voz e autoridade à comunidade na gestão ativa do território, através da implementação de SbN que respondam a desafios concretos da população, que impactam diretamente nas suas vidas, por vezes causa alguma desconfiança e apreensão.

Contudo, no decorrer das sessões participativas, foi fácil perceber o entusiasmo e a alma com que assumiram o desafio e se envolveram no projeto, mas o desafio é permanente, porque o difícil é conseguir que se mantenham ligadas e verdadeiramente envolvidas no processo de cocriação e co-implementação das soluções baseadas na natureza.

O ECO é um projeto inovador e assenta numa nova forma de governança, de participação colaborativa na criação e implementação de políticas públicas, o que implica um envolvimento direto e ativo de diversos atores sociais no processo.

– Como será monitorizado o impacto das soluções implementadas no território?
No âmbito do TRANS-lighthouses, e respondendo às necessidades da dimensão de investigação do projeto, e de forma a comunicar à Comissão Europeia os impactos alcançados pelo projeto, serão utilizados diversos indicadores, distribuídos pelas dimensões social, económica, relação entre o ser humano e a natureza e governança.

Os resultados deste projeto deverão constituir-se como verdadeiros “faróis” de transformação das formas de governança colaborativa, conferindo maior eficácia às políticas públicas e gerando maior legitimidade e confiança nas instituições e no poder político.

Em Estarreja, 26% do território é abrangido pelo Sítio Rede Natura 2000 da Ria de Aveiro, classificado como Zona de Proteção Especial para Aves e Zona Especial de Conservação.

– Que espécies ou habitats estão identificados como prioritários em Estarreja?
Em Estarreja, 26% do território é abrangido pelo Sítio Rede Natura 2000 da Ria de Aveiro, classificado como Zona de Proteção Especial para Aves e Zona Especial de Conservação.

No concelho, esta área conhecida por Baixo Vouga Lagunar traduz-se não só nos habitats aquáticos da Ria, mas também nas áreas de transição para ambientes terrestres. Aqui, surgem os sapais (baixo, médio e alto), intimamente ligados aos juncais e caniçais. Estas áreas são importantíssimas tanto pelas espécies que albergam, como também pelos serviços de ecossistemas que asseguram ao nível da qualidade ambiental de toda a região da Ria de Aveiro.

A interface entre estes habitats naturais e algumas áreas de cultivo, como por exemplo os arrozais, as valas que os alimentam, ou até o singular Bocage (agro-ecossistema único que pode ser encontrado no Baixo Vouga Lagunar), também cria condições para a ocorrência de diversas espécies de fauna e flora.

Não obstante, fora da área Rede Natura 2000, a montante, encontram-se vários locais, mais fragmentados e isolados, com grande interesse de conservação.

Estes, normalmente associados a linhas de água doce ou a pequenas manchas de floresta nativa, assumem-se como últimos redutos para espécies de fauna e flora que dificilmente são encontradas noutros locais do concelho ou até da região.

Exatamente por estarem referenciados diversos valores naturais no nosso território, uma biodiversidade que requer a criação de sinergias entre diversas entidades para garantir a sua preservação, no passado dia 5 de junho, Dia Mundial do Ambiente, através de um projeto pioneiro na Região de Aveiro, formalizámos um acordo de parceria  entre a Câmara Municipal, a empresa Bondalti, a Associação Florestal do Baixo Vouga e a União de Freguesias de Canelas e Fermelã – que define os moldes da Implementação e Gestão da Micro-Reserva do Vale do Rio Cabrão.

– Porque consideram importante envolver os cidadãos na criação de soluções para a preservação do património natural?
As comunidades locais têm um impacto direto nos valores naturais do concelho, algo que é reforçado pelo caráter privado de grande parte do território. Ao criar um espaço onde se promove o diálogo e o trabalho colaborativo, e onde se reúnem áreas de interesse e conhecimento tão diferentes como a Conservação, Agricultura, Silvicultura, Turismo, Cultura, Desporto, Ciências Sociais, entre outros, assim como a perspetiva de quem vive no território, e por exemplo dos jovens e dos idosos, acreditamos poder construir estratégias completas e multidisciplinares, que poderão tornar-se ferramentas úteis na gestão do território, e na conciliação entre a ação do homem, em diversas áreas, e a natureza.

As comunidades locais têm um impacto direto nos valores naturais do concelho, algo que é reforçado pelo caráter privado de grande parte do território.

– Acreditam que este projeto pode ser um impulso para outros projetos semelhantes em outras partes do território nacional?
Sem dúvida! Incluir quem conhece, vive e trabalha no território ao longo de todo o processo de definição e implementação de medidas de proteção do ambiente e da natureza pode trazer vastos benefícios, não só para a gestão do território, mas também na promoção da cidadania ativa, participação e consciencialização da população em temáticas ambientais, permitindo reforçar a relação entre o ser humano e a natureza.

Pretende-se que este projeto implementado a pequena escala, tenha grandes impactos, e funcione como um farol (lighthouse), servindo de base ou inspiração para outras iniciativas, de maior ou menor dimensão, com usufruto de importantes lições aprendidas no final do mesmo. Esse é o objetivo da Comissão Europeia.

– Quais os próximos passos para este projeto?
A fase de Co-Desenho onde, no passado dia 28 de junho, foram priorizadas e selecionadas as estratégias a adotar, assim como definidas ao detalhe as ações práticas a implementar.

Esta fase decorreu o Centro de Negócios do Eco-Parque Empresarial de Estarreja, numa única sessão participativa, com o envolvimento de todos os interessados. Quanto à implementação das ações selecionadas – a fase que se seguirá -, pretendemos que assente também no envolvimento dos atores-chave locais, com participação ativa e possibilidade, inclusivamente, de assumir alguma responsabilidade no processo.

Os projetos-turma criados pelos alunos serão também alvo de trabalho colaborativo e implementação a partir do início do próximo ano letivo.

A preservação do património natural local, e a manutenção da saúde dos ecossistemas naturais, traz diversos benefícios às comunidades locais, inclusivamente económicos.

– Qual consideram ser a melhor forma de conjugar a preservação do património natural com o desenvolvimento económico local e como aplicam no vosso território?
A preservação do património natural local, e a manutenção da saúde dos ecossistemas naturais, traz diversos benefícios às comunidades locais, inclusivamente económicos.

Desta forma, qualquer plano de desenvolvimento económico local deve assegurar uma relação saudável e um equilíbrio com a natureza, garantindo que se podem obter benefícios dos dois lados. Além disso, os valores naturais abrem portas a novas oportunidades de valorização económica local como o turismo de natureza, a valorização de produtos endógenos, e a melhoria da qualidade de vida e da atratividade do território.

– Qual consideram ser o papel das autarquias em projetos de proteção da natureza?
Cada vez mais as autarquias dispõem de ferramentas legais para proteger e potenciar os seus valores naturais e biodiversidade, e, portanto, a sua responsabilidade neste âmbito tem vindo a crescer.

A promoção e implementação de iniciativas e projetos de cariz ambiental, a aplicação de instrumentos de gestão territorial específicos e o desenvolvimento de programas de educação ambiental integrados são alguns exemplos de ações que os municípios têm a possibilidade de desenvolver, sempre sem esquecer o envolvimento da comunidade nos mesmos, e a sensibilização e educação para os valores singulares de cada território, algo que acreditamos ser essencial no desenvolvimento sustentável do país.

 

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