Mobilidade

Transição energética: A mobilidade está a mudar, mas as emissões nem tanto

Transição energética: A mobilidade está a mudar, mas as emissões nem tanto iStock

Empresas apostam no renting, reforçam infraestruturas de carregamento e diversificam soluções de mobilidade. Mas falta ambição na descarbonização, e o mercado de usados a diesel continua a crescer. Os dados do Barómetro Automóvel e de Mobilidade 2025 mostram avanços — e contradições.

A mobilidade nas empresas portuguesas está a evoluir para formas mais diversas e, em alguns casos, mais sustentáveis. Segundo o Barómetro Automóvel e de Mobilidade 2025, promovido pelo Arval Mobility Observatory, 79% das empresas já implementaram ou planeiam implementar, nos próximos três anos, pelo menos, uma política de mobilidade alternativa ao uso exclusivo do carro da empresa. Renting (contrato de aluguer de veículos que inclui serviços adicionais), car sharing (partilha de carro), transportes públicos, apoio ao uso de viatura própria ou plafonds de mobilidade ganham terreno, mas a transição está longe de ser linear.

O renting destaca-se como solução de financiamento preferencial: atualmente, 23% das empresas financiam as suas frotas com esta modalidade, mas 34% já indicam que esta será a escolha na próxima renovação. O recurso a viaturas usadas é também expressivo – 45% das empresas já utilizam veículos que não eram novos no momento da aquisição ou aluguer. Estas viaturas são sobretudo utilizadas como carros de serviço, viaturas partilhadas por vários colaboradores ou como benefício para trabalhadores que anteriormente não tinham acesso a carro da empresa.

A utilização de usados representa, no entanto, um ponto crítico da estratégia de transição energética. Segundo Roberto Gaspar, da ANECRA (Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel), a importação de carros usados duplicou nos últimos anos, sendo metade das unidades importadas a gasóleo. “O nosso parque automóvel não só não está a reduzir a idade, como até está a aumentar”, afirma. E por isso, para o responsável, centrar o discurso exclusivamente na eletrificação está a produzir o efeito contrário: “Se nós fossemos medir as emissões de há quatro, cinco anos, no seu global, e hoje, veríamos que não estamos a construir nada de positivo nesta altura”, aponta.

Roberto Gaspar, da ANECRA (Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel)

O potencial dos e-fuels
E é com base nestes dados que a associação defende que se deve olhar também para outras opções de descarbonização, como os combustíveis sintéticos. “Se fossem utilizados, poderíamos usar exatamente os mesmos carros, ou praticamente quase todos, aproveitando a capacidade instalada que já existe”, diz Roberto Gaspar, explicando ainda que a ANECRA integra a plataforma nacional que defende estas alternativas e, paralelamente, tem ainda investido na formação de técnicos especializados. “Somos uma entidade certificada pela DGERT e temos feito formação muito específica para viaturas elétricas”, sublinha. Nesta senda, a associação defende também um sistema de credenciação que permita aos consumidores identificar oficinas aptas a trabalhar com estes veículos. “O setor da reparação representa mais de dois terços do pós-venda em Portugal. Se não formarmos técnicos e não garantirmos segurança, a transição será travada por quem tem de manter os veículos em circulação”, alerta.

No entanto, e no que diz respeito à eletrificação, os sinais são ambíguos. A infraestrutura cresce – 47% das empresas já instalaram ou pretendem instalar carregadores nas suas instalações e 51% apoiam a instalação em casa dos colaboradores -, mas a maior parte dos encargos continua a recair sobre os condutores, com 58% dos casos a reportar não ter qualquer apoio. Apenas 9% das empresas reembolsam totalmente os custos de carregamento, muito abaixo da média europeia (21%).

Por seu turno, José Pedro Pinto, da empresa mentora do estudo – a Arval, sublinha que “há um foco muito grande das empresas na infraestrutura de carregamento, com investimentos interessantes”, mas reconhece que as escolhas ainda assentam sobretudo em critérios funcionais. A eficiência energética é o fator mais valorizado (37%), seguida do conforto em viagens longas (30%) e da conectividade dos sistemas. A autonomia – frequentemente apontada como uma limitação – surge mencionada por apenas 20% das empresas.

José Pedro Pinto, da Arval

Já no que à própria Arval diz respeito, José Pedro Pinto garante que a empresa está alinhada com objetivos concretos de descarbonização. “Estamos convencidos de que vamos atingir a meta de reduzir em 30% as nossas emissões até ao final de 2025″, afirma, recordando que a Arval alcançou um ano antes do previsto o objetivo de ter 30% da sua frota eletrificada, tanto em Portugal como no grupo. “A sustentabilidade é um dos pilares estratégicos da Arval. E o próximo plano estratégico vai seguramente elevar a fasquia das metas”.

A empresa aposta ainda na capacitação das empresas e dos condutores, uma vez que “há muita margem de melhoria nos comportamentos de condução. E é impressionante o nível de poupança que se pode conseguir”, destaca José Pedro Pinto, destacando que a Arval disponibiliza formação específica para condutores, ferramentas digitais para apoiar a escolha de veículos e apoio à instalação de carregadores. “As empresas querem fazer este caminho, mas precisam de confiança, e também de estabilidade nos apoios públicos e fiscais”, refere.

Desafios da eletrificação
No terreno, as dificuldades operacionais persistem, sobretudo em frotas mais exigentes. David Pereira, Innovation & Services Director na DPD Portugal, aponta a infraestrutura pública como um obstáculo. “A oferta pública não é opção para nós. Os carregadores não estão disponíveis e, muitas vezes, as carrinhas nem sequer cabem nos espaços de carregamento”, lamentou, explicando que para colmatar esta lacuna a empresa implementou a política de “uma viatura, um carregador” e já instalou 300 pontos de carregamento próprios.

A frota elétrica da DPD deverá atingir 35% a 40% do total até ao final do ano, mas a expansão tem limites, uma vez que a empresa já não possui mais espaço nem mais capacidade elétrica nos seus armazéns para instalar mais carregadores. “A partir de agora temos de alterar ramais e postos de transformação, o que representa investimentos muito elevados”, apontou David Pereira, frisando que para tal seria necessário envolver outras entidades públicas.

David Pereira, Innovation & Services Director na DPD Portugal

Apesar dos constrangimentos, a evolução da tecnologia começa a dar resposta. “As primeiras carrinhas que comprámos tinham 100 a 120 km de autonomia. Agora já conseguimos 330 km com as mais recentes”, explica. “Começa agora a parte mais difícil. Mas, como costumamos dizer, se fosse fácil, não era para nós”. A empresa quer chegar aos 90% de eletrificação da frota até 2030 — meta assumida sem depender de apoios públicos. “Até agora, com quase 300 viaturas e 300 carregadores, não tivemos qualquer apoio”.

O contexto económico também pesa, já que, admite David Pereira, “de uma forma geral, os clientes não querem pagar”. E, lembra que a empresa opera num mercado muito competitivo e sensível ao preço, onde constantemente “andamos a discutir ao cêntimo”. Ainda assim, há exceções e existem clientes que optam pela DPD “porque os seus parceiros também têm de ser sustentáveis”.

Mobilidade empresarial está a mudar
A descarbonização, para já, avança devagar. Apenas 7% das empresas portuguesas têm objetivos concretos de eliminação ou redução de emissões de CO₂ nas suas frotas, cerca de 32% encontra-se em fase de avaliação e metade ainda não definiu qualquer plano. Há um descompasso entre a velocidade da inovação tecnológica e o ritmo da sua adoção – muitas vezes travada por falta de incentivos ou por prioridades financeiras mais imediatas.

Mesmo assim, há sinais de mudança. A mobilidade empresarial começa a ser encarada como um tema estratégico de recursos humanos e reputação. Entre as soluções adotadas estão o reembolso de despesas com transportes públicos, plafonds de mobilidade, apoio ao uso da viatura própria e aluguer de curta ou média duração. O car sharing já é uma realidade em 17% das empresas e poderá chegar a 30% nos próximos três anos. Outras soluções — como bike sharing (6%), bike leasing (8%), ride sharing (7%) e scooters (5%) — registam ainda valores modestos, mas começam a integrar as opções oferecidas aos colaboradores.

No entanto, as motivações estão menos centradas na redução de emissões e mais na valorização da imagem da empresa, uma vez que 43% dos inquiridos no Barómetro apontam a responsabilidade social como principal razão para implementar estas políticas, 41% querem melhorar a atratividade da organização e 40% utilizam-nas como ferramentas de recrutamento e retenção de talento, o que significa que a mobilidade começa a ser uma extensão da cultura empresarial. Mas, para que a transição energética e a descarbonização sejam mais do que uma questão de reputação, falta ainda ligar discurso e prática — e transformar metas em medidas. Já que, tal como apontou David Pereira, “2030 já aí está — são só mais uns anos”.

 

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