A indústria da moda ainda está longe de alcançar a sustentabilidade necessária para enfrentar a crise climática. Segundo um relatório recente da Bain & Company, 89% do valor de mercado do setor não está no caminho certo para cumprir as metas ambientais estabelecidas para 2030.
De acordo com a análise, a moda é responsável por cerca de 2% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) e apenas 11% das marcas e empresas do setor demonstram avanços concretos rumo às metas ambientais.
No relatório, a Bain & Company utilizou uma curva de custo marginal de redução (MACC) para avaliar as oportunidades de descarbonização da indústria da moda em relação ao retorno sobre o investimento (ROI). A análise considerou separadamente o retalho de moda e o setor de luxo, permitindo identificar as medidas mais eficazes para reduzir emissões com base no custo e no impacto ambiental.
As MACCs foram construídas a partir de dados públicos agregados, com foco em metas de curto prazo. O modelo também projetou o crescimento das emissões até 2030, alinhando-se com as expectativas de expansão do mercado no mesmo período.
“A jornada de descarbonização da moda e do luxo é complexa. O que fizemos foi dividir em prioridades imediatas e ações de longo prazo que as empresas podem aproveitar para reduzir o impacto carbónico e ainda manter o valor comercial”, afirmou João Valadares, partner da Bain & Company.
E continua: “a curto prazo, concluímos que a IA pode melhorar a previsão da procura e reduzir as devoluções no comércio eletrónico – duas áreas em que a ineficiência gera emissões e diminuição das margens. Mas o maior desafio reside em transformar o desempenho num hábito. Isso significa tratar a descarbonização não como uma iniciativa isolada, mas como uma disciplina empresarial integrada no fornecimento, na cadeia de abastecimento, na gestão de inventário e na estratégia de produto”.
O estudo destacou também que uma alavanca essencial para a descarbonização da indústria da moda está na cadeia de fornecimento. A adoção de materiais reciclados representa um passo inicial relevante, mas ainda limitado frente ao desafio climático.
A maior oportunidade de impacto, segundo o relatório, está em transformar os métodos de produção dos fornecedores, incentivando práticas com menor intensidade de emissões.
No setor de luxo, a durabilidade dos produtos e o menor impacto por uso já fazem parte do modelo de negócio das marcas. No entanto, o relatório aponta que reduzir a sobreprodução e incentivar a revenda são alavancas estratégicas para avançar na agenda de sustentabilidade.
Apesar das elevadas margens brutas, que muitas vezes levam as marcas a manter stocks elevados para evitar ruturas, essa prática tem um custo crescente. O excesso de stock não vendido compromete a rentabilidade e gera impactos ambientais significativos, que estão cada vez mais sob escrutínio regulatório, sobretudo na Europa.
O relatório recomenda assim o uso da inteligência artificial (IA) como ferramenta estratégica para combater a sobreprodução e otimizar a gestão de inventário.
Atualmente, cerca de 60% das marcas de vestuário já utilizam ou estão a testar previsões de vendas baseadas em IA, o que permite antecipar com mais precisão as preferências dos consumidores, incluindo estilos, tamanhos e variações por região geográfica.
Segundo o relatório, cerca de metade das marcas já utiliza a IA para fazer uma alocação de stock mais precisa, garantindo que os produtos certos estejam nos locais certos, no momento certo.
Além disso, a IA está a viabilizar novos modelos de produção, com marcas a testar formatos sob encomenda e sob medida, que reduzem drasticamente o desperdício ao produzir apenas o que é realmente necessário.
O relatório concluiu que o mercado de artigos em segunda mão continua a representar uma “alavanca de descarbonização” com retorno financeiro negativo para a maioria das marcas. A baixa rentabilidade desse segmento deve-se, em grande parte, ao fato de que a maioria das vendas ocorre em plataformas terceirizadas, fora do controlo direto das marcas.
Além disso, os benefícios ambientais do mercado de revenda só se concretizam quando há uma substituição real dos artigos novos pelos usados, ou seja, é necessário que o aumento nas vendas de segunda mão venha acompanhado de uma redução na produção de novos produtos.