A maioria dos portugueses reconhece a importância das questões ambientais, mas não as coloca entre as suas principais prioridades do dia a dia.
A conclusão é do estudo “Clima de Mudança: Perceções sobre os Desafios Ambientais em Portugal”, encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian à IPSOS Apeme, que revelou que as alterações climáticas surgem apenas em 10.º lugar numa lista de 18 temas, ficando atrás de preocupações como os cuidados de saúde, a pobreza e a desigualdade social.
Para Filipa Dias, investigadora da IPSOS Apeme e autora do estudo, “a adesão a um modo de vida mais sustentável não se faz por decreto, pelo que se é essencial educar, não é menos importante demonstrar que essas mudanças necessárias são benéficas, antes de mais, para as pessoas”.
E continua: “nesse propósito, o espaço público tem de ser ‘montra’ dessas alternativas, em proximidade, e garantir que a nova realidade que se ambiciona é positiva para os portugueses. Para dar um exemplo, não basta promover os transportes públicos, importa assegurar que são uma alternativa de confiança para os compromissos diários das pessoas ou que o traçado das ciclovias ‘entende’ e protege quem anda de bicicleta”.
O espaço público é maioritariamente percecionado como pouco exemplar em termos de práticas ambientais, com apenas 21% dos inquiridos a considerarem que reflete compromissos sustentáveis, enquanto 65% defenderam que “o espaço público deve liderar pelo exemplo na adoção de práticas mais sustentáveis”.
Segundo o estudo, a perceção de que a sustentabilidade implica um esforço financeiro adicional continua a ser uma barreira importante — 52% dos participantes afirmam não adotar mais comportamentos ambientais por envolverem custos acrescidos.
Nesse sentido, medidas de incentivo, como benefícios financeiros ou recompensas, mostram-se mais eficazes para promover mudanças de comportamento do que abordagens baseadas na penalização. Entre os mais jovens, os níveis de envolvimento com a causa ambiental são os mais baixos: a faixa etária dos 18 aos 24 anos é a menos ativa nesse domínio, em comparação com grupos mais velhos.
Os vários perfis
Com base nas respostas recolhidas e na relação de cada inquirido com o meio ambiente, o estudo identificou cinco perfis distintos de cidadãos.
Os Entusiastas (25%) são proativos, motivados e já incorporaram práticas sustentáveis no dia a dia. Os Esforçados (27%) mostram-se comprometidos com a causa, mas sentem frustração perante a falta de apoio coletivo. Os Recetivos (25%) revelam interesse, embora mantenham hábitos pouco consistentes e os Ocupados (15%), que têm um envolvimento limitado, sobretudo devido às exigências da vida quotidiana. Por fim, os Desinteressados (8%) representam o grupo que demonstra ausência total de interesse ou envolvimento com questões ambientais.
De acordo com a investigação, uma análise mais detalhada dos dados revelou que o perfil dos Entusiastas é predominantemente composto por cidadãos entre os 45 e os 60 anos, que representam 60% deste grupo. Em contraste, apenas 13% dos jovens entre os 18 e os 24 anos enquadram-se neste perfil. Neste escalão etário, é o segmento dos Desinteressados que reúne a maior proporção, refletindo uma preocupação mais acentuada com questões como o aumento do custo de vida e o desemprego, em detrimento da sustentabilidade ambiental.
O estudo conclui ainda que, de acordo com os perfis identificados, os jovens demonstram um menor envolvimento com a comunidade, ou seja, participam menos em iniciativas locais e revelam uma menor predisposição para adotar rotinas sustentáveis no seu dia a dia.
Principais preocupações e obstáculos à adoção de comportamentos sustentáveis
A maioria dos portugueses reconhece a importância dos desafios ambientais (71%) e concorda que, se não se agir agora contra as alterações climáticas, estará a falhar-se com as gerações futuras. Apesar disso, estas preocupações não ocupam lugar de destaque no dia a dia: numa lista de 18 temas, as alterações climáticas aparecem apenas em 10.º lugar, atrás de questões como cuidados de saúde, pobreza, desigualdade social e corrupção. As ameaças ao ambiente em geral surgem ainda mais abaixo, no 14.º lugar. Além disso, 83% dos inquiridos admite que poderia fazer mais pelo ambiente.
Os principais obstáculos à adoção de comportamentos sustentáveis passam pelos custos associados e pela falta de alternativas acessíveis. Cerca de metade dos inquiridos considera que medidas de incentivo, como benefícios financeiros ou recompensas, são mais eficazes para promover mudanças do que penalizações, como multas ou impostos.
No que diz respeito às Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA), 41% dos inquiridos afirmou que estas dependem exclusivamente de trabalho voluntário, e apenas 24% considera que comunicam bem o seu trabalho.
Apesar da baixa participação dos cidadãos nestas organizações, o seu papel é amplamente reconhecido. Os resultados mostram que as ONGA mais bem preparadas, com a sustentabilidade no centro da sua missão e maior proximidade com as comunidades, têm potencial para liderar a mudança, mobilizando autarquias, empresas, escolas, meios de comunicação e cidadãos para uma transição conjunta e sistémica.
Para Cristina Casalinho, Administradora da Fundação Calouste Gulbenkian, as “alterações climáticas, oceano, biodiversidade ou economia circular são temas cruciais para o futuro da vida humana na Terra, criando importantes desafios ao nível de mudança de comportamentos de cidadãos, autoridades, empresas e organizações da sociedade civil. Por isso, importa investir na produção de conhecimento sobre as perceções dominantes e adotar abordagens que mobilizem toda a sociedade para a transição, com a consciência de que tem de ser justa, buscando soluções ambiental, social e economicamente eficientes, ou seja, sustentáveis”.