Circularidade

Projeto português quer transformar a história em motor de sustentabilidade para o setor têxtil

Projeto português quer transformar a história em motor de sustentabilidade para o setor têxtil Direitos Reservados

A investigadora Paula Nabais, da NOVA FCT, recebeu uma bolsa ERC Starting no valor de 1,49 milhões de euros para desenvolver o projeto SCARLET, uma investigação de cinco anos que vai recuperar técnicas de tingimento têxtil dos séculos XV a XVIII e transformá-las em soluções sustentáveis para a indústria contemporânea.

O projeto combina história e ciência para criar alternativas aos corantes sintéticos, valorizando recursos locais e visando reduzir a pegada ecológica do setor. A iniciativa integra ainda a criação de uma plataforma online que vai disponibilizar receitas, dados e protocolos para empresas, artistas e artesãos aplicarem estas soluções.

Em entrevista à REVISTA SUSTENTÁVEL, Paula Nabais revelou como tradição e inovação podem caminhar juntas e explica de que forma o projeto pretende valorizar a lã e projetar a produção têxtil portuguesa no mercado global.

Direitos Reservados// Paula Nabais, investigadora da NOVA FCT

De que forma o projeto SCARLET pode revolucionar a indústria têxtil contemporânea?
O projeto SCARLET pretende recuperar receitas históricas de corantes naturais e validá-las cientificamente, criando métodos reprodutíveis, sustentáveis e de baixo impacto ambiental. Isto significa oferecer à comunidade têxtil alternativas aos corantes sintéticos, enquanto valoriza recursos locais e promove uma nova ligação entre história, arte e ciência.

O que significa, para si e para a NOVA FCT, a atribuição desta bolsa ERC Starting?
A atribuição desta bolsa ERC Starting é um enorme reconhecimento do trabalho que tenho vindo a desenvolver e, ao mesmo tempo, uma oportunidade única para consolidar a minha linha de investigação.

Para a NOVA FCT, representa o reforço da sua posição internacional em ciência do património e a confirmação de que é possível fazer investigação de excelência em Portugal.

A atribuição desta bolsa ERC Starting é um enorme reconhecimento do trabalho que tenho vindo a desenvolver e, ao mesmo tempo, uma oportunidade única para consolidar a minha linha de investigação.

Que técnicas de tingimento têxtil históricas vão ser estudadas e reconstruídas no âmbito do projeto?
O projeto SCARLET vai focar-se nas receitas históricas dos séculos XV a XVIII, em particular nos processos para obter as três cores primárias: vermelho, amarelo e azul.

A partir destas, será possível criar toda a paleta cromática. Este projeto permitirá interpretar os tratados e receituários deixados pelos mestres tintureiros, reconstruir as técnicas de tingimento e estudá-las com técnicas analíticas.

Qual a relevância cultural e científica de recuperar receitas de tingimento dos séculos XV a XVIII?
Recuperar receitas de tingimento dos séculos XV a XVIII é culturalmente relevante porque nos permite estudar um património imaterial que marcou profundamente a identidade europeia, desde a indústria às tradições artesanais.

Do ponto de vista científico, permite compreender melhor os materiais e técnicas do passado, ao mesmo tempo, abre novas perspetivas para soluções sustentáveis.

O projeto SCARLET vai focar-se nas receitas históricas dos séculos XV a XVIII, em particular nos processos para obter as três cores primárias: vermelho, amarelo e azul.

Como será feita a reconstrução e adaptação das receitas históricas para poderem ser aplicadas de forma prática na indústria de hoje?
As receitas serão primeiro interpretadas a partir dos tratados históricos e depois reconstruídas em laboratório. De seguida, serão analisadas cientificamente para avaliar a estabilidade e reprodutibilidade. Só depois dessa validação poderão ser adaptadas para protocolos simplificados para a comunidade têxtil.

Quais os maiores desafios que prevê enfrentar na investigação e adaptação destas técnicas históricas ao contexto atual?
Um dos maiores desafios será a tradução das receitas históricas, muitas vezes escritas em linguagens ambíguas ou com ingredientes desconhecidos, ou cuja pureza variou significativamente.

Outro desafio é garantir que as reconstruções sejam reprodutíveis e compatíveis com os padrões científicos atuais. Esta adaptação implica equilibrar tradição e inovação, transformando práticas passadas em protocolos que sejam, ao mesmo tempo, sustentáveis, eficazes e aplicáveis pela comunidade têxtil.

O projeto poderá igualmente abrir caminho para aplicação em outros materiais têxteis, como o algodão ou o linho?
Sim, sem dúvida. Embora o foco inicial seja a lã, os resultados deste projeto vão criar metodologias e protocolos que podem ser adaptados a outros materiais, como o algodão ou o linho.

Embora o foco inicial seja a lã, os resultados deste projeto vão criar metodologias e protocolos que podem ser adaptados a outros materiais, como o algodão ou o linho.

Quais os principais desafios ambientais que o setor têxtil enfrenta hoje e como o projeto SCARLET pretende responder-lhes?
O setor têxtil enfrenta hoje enormes desafios ambientais, desde o consumo excessivo à poluição.

O SCARLET pretende procurar soluções para estes problemas ao recuperar receitas históricas de corantes naturais, validando-as cientificamente e adaptando-as em protocolos de baixo impacto, reprodutíveis e sustentáveis. Assim, oferece alternativas credíveis à comunidade têxtil, valorizando recursos naturais e práticas mais responsáveis.

Que papel terá a plataforma online na difusão do conhecimento e na capacitação de empresas, artistas e outros agentes do setor?
A plataforma online é o grande objetivo do projeto SCARLET. Vai disponibilizar receitas de tingimento com corantes naturais, dados científicos e protocolos adaptados, de forma aberta e acessível.

Além disso, oferecerá ferramentas práticas para aplicar técnicas sustentáveis, pretendendo ser um repositório científico de referência. Em suma, a plataforma vai transformar o conhecimento histórico em recursos úteis e aplicáveis para toda a comunidade têxtil.

 Qual é o potencial da lã portuguesa (Merino, Bordaleira e Churra) e porque considera importante valorizá-la no contexto do projeto?
A lã portuguesa tem um enorme potencial pela sua qualidade e diversidade. No entanto, continua a ser pouco valorizada face a outras fibras. No SCARLET, estudá-la e aplicá-la no contexto de receitas históricas significa não só recuperar técnicas tradicionais, mas também dar novo valor económico e cultural a um recurso local e sustentável.

Assim, a investigação contribui para reforçar a identidade do património têxtil português e para apoiar produtores e territórios que mantêm viva esta herança.

A investigação contribui para reforçar a identidade do património têxtil português e para apoiar produtores e territórios que mantêm viva esta herança.

Que impacto espera que esta investigação tenha na revitalização do setor têxtil nacional e no reconhecimento internacional da produção portuguesa?
Espero que, a longo prazo, o SCARLET contribua para revitalizar o setor têxtil nacional ao mostrar que o nosso património pode ser motor de inovação sustentável.

Ao recuperar e validar receitas históricas com base científica, testadas em lãs portuguesas, damos à comunidade têxtil ferramentas únicas para se diferenciarem no mercado global, apostando em qualidade, autenticidade e baixo impacto ambiental.

 

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