Transição energética

Cientistas defendem edifícios que armazenem energia como “pilhas gigantes”

Cientistas defendem edifícios que armazenem energia como “pilhas gigantes” iStock

Os edifícios consomem 40% da energia e aproximadamente 63% perde-se de forma ineficaz, alertaram investigadores que estudam novas soluções para transformar habitações em “pilhas gigantes”, capazes de armazenar e devolver calor de forma eficiente, reduzindo custos e emissões.

Luís A. Pérez-Maqueda, investigador do Instituto de Ciência dos Materiais de Sevilha (ICMS-CSIC), citado no El País, sublinhou a urgência de promover edifícios sustentáveis que funcionem como grandes acumuladores de energia ou que imitem a eficiência da natureza.

O investigador enfatizou ainda que, após a construção, metade do consumo de energia de uma habitação é gasto para garantir um ambiente confortável.

“Num mundo ideal, um edifício não perderia temperatura, mas, de forma realista, a capacidade de construção enfrenta sempre problemas, nomeadamente pontes térmicas, fugas de ar nas condutas, desempenho dos materiais e detalhes das juntas, que acabam por provocar perdas”, explicou Rhythm Osan, investigador da Universidade Drexel (EUA) e coautor de um estudo sobre materiais de construção com capacidade de termorregulação, citada no El País.

Para Rhythm Osan, “o maior desafio são paredes, janelas e tetos”. As equipas que trabalham com Pérez-Maqueda no ICMS estão a investigar nessa direção, com o objetivo de transformar os edifícios em verdadeiras pilhas capazes de captar calor e devolvê-lo quando necessário.

“Armazená-lo como estratégia é muito interessante em processos de construção e industriais. As baterias são caras e requerem materiais ou elementos estratégicos difíceis de obter, enquanto o armazenamento de calor é mais barato”, referem os investigadores.

Já Fengyin Du, da Universidade do Sudeste (Nanjing, China), publicou uma investigação em que desenvolveu um “cimento superfrio” com cristais à base de sulfoaluminato de cálcio hidratado. “Funciona como um espelho e um radiador, conseguindo refletir a luz solar e enviar o calor para o exterior. Desta forma, um edifício pode manter-se mais fresco sem recurso a ar condicionado nem a eletricidade”, explicou o cientista, acrescentando que a temperatura pode baixar 5,4 graus em relação ao ambiente envolvente.

As investigações do instituto espanhol vão além da simples reflexão do calor, que em condições de inverno seria contraproducente.

“Armazenamos em gamas muito variadas de temperaturas. É possível armazenar calor recorrendo às mudanças de fase: todos os processos físicos e químicos implicam uma troca de calor. Fisicamente, para fundir um material é necessário fornecê-lo e, quando cristaliza, liberta-o. Quimicamente, há muitas reações reversíveis que, numa determinada direção, absorvem calor e, na direção contrária, o libertam. Com estes processos é possível encontrar soluções para amplas gamas de temperatura”, sublinharam os investigadores do Instituto de Ciência dos Materiais de Sevilha.

Estes compostos que tiram partido das mudanças de fase já começam a ser comercializados e incorporados em materiais de construção, de modo a armazenar o excesso de calor quando disponível e libertá-lo quando necessário. O ICMS estuda não apenas este comportamento, mas também os ciclos: o tempo necessário para completar o processo, a forma de o ativar de forma controlada e o número de vezes que pode ser repetido sem perder eficácia. Além disso, o calor libertado pode ainda ser aproveitado para aquecer água ou gerar energia.

Amir Farnam, investigador principal do trabalho da Drexel e responsável pelo Laboratório de Materiais Avançados de Infraestruturas (AIM, na sigla em inglês), estuda também as mudanças de fase para desenvolver compostos capazes de derreter o gelo, bem como outros que se autorreparam através da incorporação de bactérias que produzem carbonato de cálcio ou de polímeros que reforçam as estruturas.

Para enfrentar as variações de temperatura, a equipa desta universidade inspirou-se no corpo humano e nas orelhas de elefantes ou lebres, aplicando princípios da biomimética.

“Veja como o nosso sistema circulatório é usado para regular a temperatura. Quando está calor, o sangue flui para a superfície: podemos ficar um pouco vermelhos na cara e começar a transpirar através das glândulas, o que nos arrefece por um processo de mudança de fase — a evaporação do suor. Este é um processo natural muito eficaz que quisemos replicar em materiais de construção”, explicou Amir Farnam.

Outra linha de investigação procura compensar o impacto ambiental associado à produção de materiais de construção. Só ao cimento é atribuído até 9% das emissões globais de gases com efeito de estufa (GEE). Cientistas de materiais e engenheiros da Universidade da Pensilvânia uniram esforços para desenvolver um betão com biominerais (fósseis de algas microscópicas), capaz de captar até 142% mais CO₂ do que as misturas convencionais e de reduzir a quantidade de cimento necessária sem comprometer a resistência do material.

Apesar de as investigações neste setor se multiplicarem, o tempo passa sem que as suas aplicações se generalizem. É Luís A. Pérez-Maqueda quem aponta algumas razões possíveis.

“Aumentar o custo da habitação na situação atual é complexo. É também necessário ter em conta os ciclos, já que um material de construção deve funcionar, pelo menos, durante 20 anos. Os critérios económicos são importantes. Além disso, é uma questão de espaço. Vivemos em apartamentos com metros quadrados limitados”, explicou, adiantando que a isto se soma ainda a falta de formação em alguns setores para aplicar os avanços na construção.

Ainda assim, o investigador mostra-se otimista e dá como exemplo os painéis solares, que começam a ser comuns em muitas habitações. Na sua ótica, “é preciso tempo. As soluções vão sendo implementadas. O custo energético é cada vez mais elevado e qualquer alternativa que reduza a fatura e o tempo de amortização dos investimentos ajuda”.

 

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