Num contexto em que o setor HORECA apresenta uma taxa de reciclagem de embalagens de vidro de apenas 35%, a iniciativa “A Tip For Nature” destaca-se como um exemplo de inovação e compromisso ambiental. Este projeto-piloto, promovido pela Associação dos Industriais de Vidro de Embalagem (AIVE), em parceria com a cadeia The Editory Collection Hotels, conseguiu alcançar resultados surpreendentes no canal HORECA.
Combinando formação, campanhas de sensibilização e envolvimento direto das equipas, o projeto demonstrou que é possível transformar comportamentos e atingir uma taxa média de reciclagem de 80% nas unidades hoteleiras envolvidas — um marco que supera significativamente a média nacional.
Para conhecer em detalhe esta iniciativa, a Revista Sustentável conversou com Beatriz Freitas, Secretária-Geral da AIVE, que revelou os passos que conduziram aos resultados alcançados, os principais desafios do projeto e o potencial de replicação deste modelo noutras realidades.
Em que consiste o projeto-piloto “A Tip For Nature”, por que nasceu e qual o seu objetivo?
O projeto-piloto “A Tip For Nature” é uma iniciativa da AIVE, em parceria com a cadeia The Editory Collection Hotels, financiada pela FEVE (European Container Glass Federation) e com o apoio da Plataforma Vidro+ e da AHRESP.
Lançado no final de 2023, o projeto pretendia comprovar o impacto da comunicação no aumento da taxa de reciclagem de embalagens de vidro no canal HORECA, setor onde apenas cerca de 35% das embalagens de vidro usadas são recicladas, apesar do elevado consumo de produtos embalados em vidro.
O objetivo principal passou por promover mudanças de comportamento através de ações de comunicação online e offline, bem como de formação, testando o impacto dessas intervenções na melhoria dos níveis de reciclagem numa cadeia de hotel piloto.

Beatriz Freitas, Secretária-Geral da AIVE
O que contribuiu para que fosse alcançada uma taxa média de reciclagem de embalagens de vidro de 80% nas respetivas unidades hoteleiras?
A combinação de formação direcionada, campanhas de comunicação digital internas e externas, e o envolvimento ativo dos colaboradores foram fundamentais para alcançar uma taxa média de reciclagem de 80% nas nove unidades hoteleiras do grupo. Este projeto conseguiu uma melhoria do conhecimento sobre a reciclagem do vidro e a redução de equívocos sobre as regras de separação que, em conjunto, contribuíram significativamente para este resultado muito positivo.
Como principais resultados, destaco uma maior sensibilização e confiança, uma vez que houve um aumento significativo tanto na frequência de informações sobre reciclagem, quanto na confiança dos colaboradores em relação às melhores práticas de reciclagem, indicando que os esforços de comunicação e educação foram bem-sucedidos. A confiança dos colaboradores na reciclagem adequada de vidro, aumentou de 84% para 98%.
Além disso, destaca-se também o aumento do conhecimento sobre reciclagem de vidro, tendo sido registada uma mudança notável para uma melhor compreensão dos benefícios ambientais da reciclagem de vidro, especialmente na sua vantagem ao reduzir o consumo de matérias-primas e o uso de energia. O número de colaboradores que sabe agora que o vidro é infinitamente reciclável aumentou de 50% para 60%. Para além disso, 62% (em comparação com 44% em 2023) já sabem que reciclar vidro evita o consumo de matérias-primas, poupa energia e reduz as emissões.
A par disso, também os equívocos sobre a reciclagem de vidro diminuíram de 41% para 25% e a percentagem de colaboradores que passou a reciclar sempre as embalagens de vidro aumentou de 61% para 79%.
Num ano, a taxa média de reciclagem aumentou 12 pontos percentuais, o que se traduziu num crescimento que superou as expectativas. Se fosse possível este resultado a nível nacional, Portugal passaria a cumprir as metas de reciclagem!
Se fosse possível este resultado a nível nacional, Portugal passaria a cumprir as metas de reciclagem!
Que tipo de formação foi dada aos colaboradores e como foi adaptada à rotina hoteleira?
A formação incluiu webinars, newsletters, toolkits de boas práticas disponíveis na intranet e materiais visuais. Além disso, foi ainda criada uma página de Linkedin direcionada especificamente aos profissionais do setor HORECA com atualização regular sobre os resultados e evolução do projeto, dicas, testemunhos, celebrações e campanhas call to action.
Estas ações foram concebidas para se integrarem facilmente na rotina diária dos colaboradores, garantindo que a informação fosse acessível e aplicável no contexto específico de cada unidade hoteleira, sem interferir com o normal funcionamento das operações.
Quais foram os maiores desafios enfrentados durante o projeto e como foram ultrapassados?
Os principais desafios prenderam-se por um lado, com a necessidade de ajustar as práticas de separação das embalagens de vidro ao ritmo intenso das operações hoteleiras, evitando tornar este hábito demasiado difícil ou complexo de cumprir para os colaboradores.
Por outro lado, a implementação de um sistema de métricas, comum a todas as unidades, que permitisse comparar o vidro separado para reciclagem, com o vidro “consumido”, o que só foi possível com o empenho e sentido de organização dos nossos parceiros Editory.
Estes desafios foram superados através do empenho e foco de toda a cadeia hierárquica do grupo hoteleiro, uma comunicação contínua, materiais informativos práticos e formação repetida e adaptada aos horários dos colaboradores.
O apoio da gestão de cada unidade e o envolvimento direto das equipas foram cruciais para o sucesso do projeto.
O apoio da gestão de cada unidade e o envolvimento direto das equipas foram cruciais para o sucesso do projeto.
Qual o impacto estimado, em termos de redução de emissões ou consumo energético, da reciclagem dos mais de 17.000 kgs de embalagens de vidro recolhidas?
Em termos estimativos, a reciclagem de 17.000 kgs de vidro representa uma poupança energética de cerca de 14.000 kWh, o equivalente ao consumo médio de energia elétrica de aproximadamente quatro lares portugueses durante um ano.
Adicionalmente, esta reciclagem permitiu evitar a emissão de cerca de 5.000 kgs de CO₂, contribuindo para a redução da pegada de carbono e para os objetivos de neutralidade climática do setor.
A reciclagem de 17.000 kgs de vidro representa uma poupança energética de cerca de 14.000 kWh, o equivalente ao consumo médio de energia elétrica de aproximadamente quatro lares portugueses durante um ano.
A iniciativa será estendida a outros grupos hoteleiros em Portugal?
Sim, gostaríamos que fosse uma realidade, embora não dependa de nós. Com estes resultados tão positivos, está comprovada a eficácia do projeto e a possibilidade de ser escalado e replicado, uma vez que pode ser facilmente adaptado à realidade de diferentes unidades HORECA, com soluções de formação e comunicação ajustadas a cada contexto.
O projeto pode também ser aplicado a outros setores além do canal HORECA?
Embora o projeto tenha sido desenhado para o canal HORECA, os princípios de sensibilização, formação e comunicação digital podem facilmente ser aplicados a outros setores.
Está comprovada a eficácia do projeto e a possibilidade de ser escalado e replicado, uma vez que pode ser facilmente adaptado à realidade de diferentes unidades HORECA.
O canal HORECA tem bastante ‘potencial inexplorado’ no que toca à reciclagem de vidro. Na vossa perspetiva, o que deveria mudar para que mais vidro fosse encaminhado para a reciclagem?
É fundamental investir na formação contínua dos colaboradores, apostar na sensibilização das vantagens associadas à reciclagem das embalagens de vidro, garantir acessibilidade e contentorização adaptada às necessidades dos estabelecimentos Horeca. Além disso, é necessário reforçar a articulação entre os operadores de gestão de resíduos e os estabelecimentos HORECA, promovendo recolhas regulares e informação clara, mas acompanhadas de um aumento da fiscalização e aplicação de penalizações por comportamentos de não separação neste canal.
De que forma o exemplo do projeto “A Tip For Nature” pode vir a influenciar políticas públicas sobre a gestão de resíduos no setor privado, nomeadamente o vidro?
O sucesso do projeto demonstra que campanhas de sensibilização bem estruturadas têm impacto real, levando a que, por exemplo, exista um reforço a obrigatoriedade de separação de resíduos nos estabelecimentos comerciais e de restauração e sejam definidas metas de separação específicas para o canal HORECA.
O sucesso do projeto demonstra que campanhas de sensibilização bem estruturadas têm impacto real.
Que papel podem ter as tecnologias emergentes na otimização da recolha e separação de vidro, não só no canal HORECA, mas também noutros setores?
A inteligência artificial e outras tecnologias emergentes têm vindo a desempenhar um papel cada vez mais relevante na otimização dos sistemas de gestão de resíduos. De acordo com a European Environment Agency (EEA), estas ferramentas permitem, por exemplo, a monitorização em tempo real da quantidade e qualidade dos resíduos, a previsão de volumes de recolha e a definição das frequências necessária de rotas, que se tornam assim como mais eficientes, reduzindo custos e emissões.
Por outro lado, a utilização de sensores inteligentes e algoritmos de machine learning têm sido aplicados em unidades de tratamento de vidro automatizadas, permitindo uma separação mais precisa e eficaz dos materiais recicláveis, como o vidro — uma abordagem destacada em relatórios da FEVE e da Glass Alliance Europe.
Estas tecnologias emergentes são fundamentais para garantir a evolução dos sistemas de recolha e tratamento de resíduos, tanto no canal HORECA, como nos lares dos cidadãos, contribuindo para o cumprimento das metas nacionais e europeias em matéria de economia circular e neutralidade carbónica.
Portugal continua a enfrentar vários obstáculos estruturais que dificultam a recolha seletiva de vidro e o cumprimento das metas europeias.
Portugal continua a enfrentar dificuldades na recolha seletiva de vidro. Que obstáculos estruturais precisam de ser superados para melhorar os níveis de reciclagem e atingir as metas europeias?
Portugal continua a enfrentar vários obstáculos estruturais que dificultam a recolha seletiva de vidro e o cumprimento das metas europeias. Entre os principais desafios está a necessidade de reforçar a recolha por parte dos prestadores de serviço municipais, com uma melhor adaptação à sazonalidade nas épocas de produção de resíduos mais elevadas; desenvolver soluções de recolha adaptadas ao canal Horeca e a locais de difícil acesso, mas com alta concentração de vidro; incluir mais estabelecimentos HORECA na recolha porta-a-porta e naturalmente, criar um de serviço de apoio ao cliente, ainda inexistente.
Para ultrapassar estas barreiras, é essencial investir em infraestruturas modernas, melhorar a articulação entre os sistemas municipais e privados de gestão de resíduos e reforçar as campanhas de sensibilização e educação ambiental, garantindo que todos compreendem a importância da separação correta das embalagens de vidro.

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