Circularidade

Transição para o rPET ganha força, mas custos e logística travam Portugal

Transição para o rPET ganha força, mas custos e logística travam Portugal Image generator/ChatGPT

A transição para materiais mais sustentáveis está a ganhar ritmo em Portugal e o rPET tornou-se uma das peças centrais deste movimento, impulsionado por metas europeias cada vez mais exigentes e por uma pressão crescente para reduzir o impacto ambiental das embalagens.

É já claro que o tema deixou de ser apenas técnico para se tornar estratégico, obrigando a indústria nacional e internacional a lidar não só com novas oportunidades, mas também com novos desafios.

Para Nuno Aguiar, Diretor Técnico da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (APIP), em entrevista à REVISTA SUSTENTÁVEL, a principal barreira que dificulta a adoção generalizada do rPET em Portugal é “claramente económica”.

Nuno Aguiar, Diretor Técnico da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (APIP)

Segundo o responsável, “o rPET continua a apresentar custos significativamente superiores ao PET virgem, muito por efeito das exigências regulatórias, da volatilidade dos mercados e da escassez de material para aplicações de contacto alimentar”.

Nuno Aguiar enfatiza ainda que existem igualmente desafios tecnológicos, que estão relacionados com a variabilidade do material recolhido e com a necessidade de processos eficientes de triagem, “onde o investimento em tecnologias avançadas de reciclagem mecânica e química continuará a ser igualmente requerido”.

Já do lado regulatório, “é preciso maior harmonização e clareza nos procedimentos europeus de aprovação de processos de reciclagem de grau alimentar, para acelerar a confiança do mercado e reduzir custos adicionais de conformidade”, explicou o Diretor Técnico da APIP.

O rPET continua a apresentar custos significativamente superiores ao PET virgem, muito por efeito das exigências regulatórias, da volatilidade dos mercados e da escassez de material para aplicações de contacto alimentar.

Portugal está preparado para produzir o rPET que o mercado exige?
Uma das questões centrais nesta transição é perceber até que ponto a indústria portuguesa está preparada para acompanhar o ritmo das metas europeias e das exigências das marcas. Afinal, qual é a capacidade efetiva da indústria nacional para produzir rPET de grau alimentar e responder à procura crescente?

De acordo com Nuno Aguiar, “a capacidade de reciclagem nacional para produzir rPET com qualidade adequada a aplicações alimentares existe, mas ainda é insuficiente para acompanhar a procura crescente de todas as marcas”.

O responsável explica-nos que “existe um desfasamento entre a procura acelerada, impulsionada por metas europeias, e a oferta doméstica, limitada pela quantidade e qualidade do material recolhido e a preços que permitam ser competitivos no mercado”.

No entanto, realça ainda que “a própria logística, bem como os custos associados ao envio de desperdícios de processo para aterro constituem fatores adicionais que afetam a competitividade e previsibilidade quanto à atividade de algumas empresas recicladoras”.

Apesar disso, o Diretor Técnico da APIP avança que existem investimentos em andamento que poderão reforçar gradualmente a capacidade instalada ou compensar eventuais perdas resultantes dos fatores referidos.

Indústria portuguesa e o rPET
Questionado sobre de que forma olha a Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos para o impacto das empresas portuguesas que estão a dar prioridade ao rPET nas suas embalagens, Nuno Aguiar enfatiza que as empresas que incorporam rPET estão, acima de tudo, a responder às metas definidas pela Diretiva dos Plásticos de Uso Único (SUP) e pelo Regulamento de Embalagens e Resíduos de Embalagens (PPWR). No entanto, explica-nos o Diretor Técnico da APIP, acabam por se deparar com custos mais altos.

Ainda assim, o compromisso das empresas portuguesas com o plástico reciclado “tem um impacto positivo na cadeia de valor ao reforçar a transição para a economia circular”, enfatizou.

A capacidade de reciclagem nacional para produzir rPET com qualidade adequada a aplicações alimentares existe, mas ainda é insuficiente para acompanhar a procura crescente de todas as marcas.

Políticas públicas e incentivos para reforçar a transição
Nuno Aguiar defende que um dos instrumentos mais eficazes nesta transição é a implementação do sistema de depósito e retorno (SDR), atualmente em desenvolvimento a nível nacional e cuja entrada em funcionamento está prevista para o segundo trimestre de 2026, que deverá aumentar as taxas de recolha, melhorar a qualidade do material recuperado e ampliar a disponibilidade de PET adequado à reciclagem.

“Acreditamos que uma maior qualidade e disponibilidade de resíduos PET no mercado contribuirá naturalmente para uma redução do preço, aumento do rendimento do processo, e maior incorporação de rPET em novas aplicações”, sublinhando que, em complemento, são necessárias políticas que combinem estabilidade regulatória com incentivos económicos e fiscais, garantindo um apoio adicional decisivo ao setor.

Desafios logísticos
Antes de olhar para soluções, importa compreender onde se concentram os principais obstáculos no terreno. A recolha, a triagem e a valorização dos plásticos que dão origem ao rPET continuam a enfrentar falhas estruturais que condicionam toda a cadeia. Perante este cenário, o responsável da APIP acredita que “os principais desafios continuam a ser a quantidade e a pureza do fluxo recolhido. Persistem fluxos significativos de material reciclável que ainda acabam na recolha indiferenciada e em estações de Tratamento Mecânico e biológico (TMB), muitas vezes sem recuperação e encaminhados para aterro ou valorização energética”.

Na sua ótica, “este desperdício de potencial reciclável reduz a disponibilidade de PET para reciclagem e contribui para a pressão sobre os preços”, defendendo a necessidade de “avanços na melhoria da separação na origem e um sistema mais eficiente de recolha, como o SDR”.

Em paralelo, o Diretor Técnico enfatizou também a importância da implementação de sistemas mais transparentes e rastreáveis, aliada à aplicação de princípios de proximidade e autossuficiência que encurtam as cadeias de abastecimento, o que ajudará a reduzir a pegada ambiental e a garantir um fluxo de material reciclável mais estável e eficiente.

Como é avaliado o enquadramento das diretivas europeias neste domínio?
Na sua perspetiva, a legislação europeia em matéria de economia circular, nomeadamente a Diretiva SUP e PPWR, trouxeram “metas ambiciosas” e, ao mesmo tempo, “efeitos colaterais”. Segundo Nuno Aguiar, “estes instrumentos são importantes motores de inovação, mas é fundamental que sejam aplicados com coerência e base científica, evitando medidas desproporcionadas que possam penalizar materiais com elevada reciclabilidade”.

“A imposição de níveis obrigatórios de reciclado e a introdução de taxas sobre plástico (como se verifica em Espanha) geraram especulação e aumentos significativos. Em alguns mercados, isso levou à substituição do rPET por outras alternativas, não por razões ambientais, mas por razões económicas, o que contraria o objetivo inicial”, avançou o responsável.

Para o Diretor Técnico da APIP, “é essencial garantir estabilidade, proporcionalidade e coerência regulatória para evitar distorções de mercado. O equilíbrio entre ambição ambiental e competitividade industrial é essencial”.

rPET: Uma solução a longo prazo
Nuno Aguiar acredita que o rPET é “claramente uma solução de longo prazo dentro da economia circular dos plásticos”. E continua: “é um material altamente reciclável, seguro, versátil e amplamente aceite pelas marcas e consumidores, pelo que continuará a ser um material-chave no setor das embalagens e no atual e futuro sistema de recolha e reciclagem”.

No que toca a novas inovações tecnológicas, o responsável da APIP defendeu que a evolução tem de começar, desde logo, no ecodesign das embalagens, garantindo que são completamente recicláveis e compatíveis com as tecnologias de reciclagem existentes.

Segundo o Diretor Técnico da Associação, “nos últimos anos, surgiram embalagens ‘aparentemente mais sustentáveis’, mas que, na prática, contaminam as fileiras que antes funcionavam com elevada eficiência”. Na sua ótica, a tecnologia de reciclagem continua a evoluir, com novas soluções de triagem, descontaminação e digitalização dos processos, “mas o sucesso depende em muito da consistência no design e do alinhamento ao longo da cadeia”.

Nos últimos anos, surgiram embalagens ‘aparentemente mais sustentáveis’, mas que, na prática, contaminam as fileiras que antes funcionavam com elevada eficiência”.

Marcas consolidam aposta no rPET à boleia das metas europeias
A adoção do rPET por parte das marcas portuguesas tem vindo igualmente a ganhar tração. Um exemplo recente é a Água Serra da Estrela, que passou a utilizar exclusivamente rPET no corpo das suas garrafas em todos os formatos, evidenciando como o setor começa a alinhar inovação, sustentabilidade e cumprimento das metas europeias.

Em entrevista à REVISTA SUSTENTÁVEL, Mariana Aragão, Marketing Manager da Sumol Compal – Águas e Cervejas, detentora da marca, explicou-nos que esta decisão “nasceu de um compromisso profundo com a preservação ambiental e com a origem que representa a nossa marca: a nascente da Serra da Estrela”.

Mariana Aragão, Marketing Manager da Sumol Compal – Águas e Cervejas

A responsável acrescentou ainda que a marca reconhece a importância de reduzir o seu impacto ambiental, sublinhando que “é nosso dever reduzir ao máximo o impacto das embalagens que usamos e dai surgiu o desafio de usar plástico 100% reciclado em todas as nossas embalagens”.

A decisão e os desafios
Questionada se a decisão foi impulsionada por convicções ambientais ou por antecipação de tendências e regulação europeia, Mariana Aragão refere que “ambos os fatores estiveram presentes”. Segundo a responsável, por um lado, esteve presente a “convicção ambiental, com um compromisso estruturado com a preservação da Serra da Estrela”. Por outro, a marca antecipou-se à Diretiva SUP, levando assim a que a adoção do 100% rPET reflita “uma estratégia voluntária de liderança responsável no setor”.

É nosso dever reduzir ao máximo o impacto das embalagens que usamos e dai surgiu o desafio de usar plástico 100% reciclado em todas as nossas embalagens.

A Marketing Manager da Sumol Compal – Águas e Cervejas referiu ainda que os desafios enfrentados pela marca foram “inerentes a qualquer projeto de mudança de embalagens”. Neste caso, “com o desafio acrescido de procurement junto dos nossos fornecedores de matéria-prima 100% de plástico reciclado. Para além disso, foram realizados os habituais testes de sopragem, industriais e logísticos para assegurar os standards de qualidade que o consumidor espera”.

Que reduções foram alcançadas?
A Água Serra da Estrela alcançou uma redução “bastante significativa”, sublinhou a responsável da marca, avançando que o seu fornecedor estimou uma redução na ordem dos 77%, considerando o ciclo de vida de uma embalagem de 33cl em PET 0% e 100% rPET.

Em paralelo, e apesar de existir há vários anos um garrafão da marca de 6 L com 100% rPET e restantes capacidades com um mínimo de 25%, a marca deixou de usar, no total, 1130 toneladas de plástico virgem por ano, substituindo-as por plástico reciclado.

Além da redução de emissões, a marca registou também impactos no custo de produção, uma vez que o rPET “ainda tem um preço mais elevado e maior volatilidade de mercado”.

Para equilibrar este aumento de custo com sustentabilidade e competitividade, “atuámos em várias frentes: otimizámos processos internos, ajustámos a estrutura de margens, e comunicámos ao consumidor o valor acrescido da escolha sustentável. Esse posicionamento reforçou a perceção de qualidade e responsabilidade, o que permitiu manter a competitividade sem sacrificar demasiado o preço”, explicou Mariana Aragão.

Questionada sobre se a disponibilidade de rPET de grau alimentar foi um constrangimento no processo, a responsável da Sumol Compal – Águas e Cervejas, referiu que, “em Portugal e mesmo na Europa, a cadeia de abastecimento de rPET de grau alimentar ainda está a desenvolver-se, mas trabalhamos com fornecedores certificados que garantem rastreabilidade e que asseguram que o material reciclado cumpre as normas exigidas. Para além disso, destacamos o elevado preço do rPET decorrente do aumento da procura”.

E de que forma a marca garante a rastreabilidade e a segurança alimentar das garrafas 100% recicladas? A especialista explicou-nos que a marca utiliza várias medidas, nomeadamente o facto de trabalhar exclusivamente com fornecedores certificados que cumprem regulamentos de contacto alimentar, assim como a realização de auditorias regulares e testes de qualidade nas garrafas: análise de migrações, resistência, integridade do rótulo e selo, etc.

Além disso, a marca avançou igualmente que mantêm registos completos das matérias-primas, fornecimentos, números de lote e histórico de produção, uma vez que, desta forma, é garantido que “cada garrafa vem de um processo controlado e seguro”.

O consumidor é um elemento absolutamente decisivo da cadeia: sem colocar corretamente os resíduos nos sistemas de recolha, não há reciclagem eficiente nem incorporação de reciclado.

O papel educativo das marcas na perceção do consumidor
Questionados sobre se as marcas e as associações do setor assumem hoje um papel mais educativo na forma como o público entende o plástico reciclado, tanto Nuno Aguiar como Mariana Aragão reconhecem que a comunicação tornou-se numa componente estratégica.

Para o Diretor Técnico da APIP, as marcas e associações têm, de facto, “um papel importante na educação do público”. No entanto, “a questão central não é apenas compreender o plástico reciclado, mas sim a necessidade de alteração de comportamentos”.

Na sua ótica, “o consumidor é um elemento absolutamente decisivo da cadeia: sem colocar corretamente os resíduos nos sistemas de recolha, não há reciclagem eficiente nem incorporação de reciclado.

Assim, o responsável defendeu que uma comunicação “transparente e baseada em evidência científica” é crucial para corrigir perceções erradas sobre o plástico e reforçar a confiança no plástico reciclado, pois um consumidor informado tende a aderir mais aos sistemas de recolha, contribuindo diretamente para o aumento da circularidade do plástico.

Já Mariana Aragão enfatiza que a marca Água Serra da Estrela tem procurado sensibilizar os consumidores para a importância da sustentabilidade através do programa ‘Para Que Nunca Acabe’, “que inclui uma forte componente educativa e de mobilização social”.

A Marketing Manager da Sumol Compal – Águas e Cervejas explica ainda que, “embora não haja uma menção direta ao papel de associações do setor, o envolvimento da marca em ações de consciencialização sugere uma perceção clara de que o setor tem, de facto, um papel educativo crescente”.

 

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