CP, Fertagus, Metro de Lisboa, Carris, Scotturb são alguns dos 20 operadores de transporte público na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Se contarmos com bicicletas, TVDE’s, carsharing, trotinetes, motos, o número de modos de transporte possível ascende aos 30. Perceber como esta oferta se pode integrar e criar sinergias, de forma a melhorar a mobilidade, torna-se difícil. As aplicações de mobilidade urbana são um primeiro passo para a solução.
Numa viagem do Saldanha até o Caís do Sodré, muitos tomariam como a rota mais óbvia apanhar o metro e fazer a troca de linha na Alameda. No entanto, este nem sempre é o trajeto mais rápido. Dependendo da hora do dia, pode ser mais rápido ir de bicicleta à Alameda e aí apanhar o metro ou, até mesmo, fazer todo o percurso só de bicicleta ou trotinete. Em certos momentos, um autocarro direto até pode ser a melhor opção. Mas para saber isto, nem sempre é fácil. É como solução para este problema que as aplicações de mobilidade urbana surgem. Assentes no conceito Mobility as a Service (MaaS), estas aplicações, que podem ser móveis, na web ou até ter suportes físicos nas estações, querem facilitar o processo de planificação, agendamento e pagamento de múltiplos tipos de serviços de mobilidade.
Num mercado ainda embrionário, são várias as soluções que habitam o território português, muitas delas ainda apenas com aplicabilidade limitada no que toca ao planeamento de rotas na Área Metropolitana de Lisboa e ainda não se antecipa uma solução dominadora. Para Pedro Marques, CMO and Global Sales Expansion na TOMI, uma solução interativa de comunicação e informação urbana disponível através de suporte físico nas cidades, “normalmente quando existem várias, haverá sempre uma que será mais cedo ou mais tarde a predominante porque penso que não há espaço para tantas, a não ser que exista uma grande diferenciação”.
A este nível, Paulo Ferreira dos Santos, fundador e CEO da Ubirider, empresa criadora da solução de mobilidade Pick Hub, acredita que existe espaço para crescimento. No caso da sua aplicação, o responsável nota que, em comparação com soluções como a da Moovit e a CityMapper, “que são muito vocacionadas para crescer cidade da cidade”, a Pick Hub foi “desenhada para funcionar de qualquer lugar para qualquer lugar”, permitindo funcionar no urbano, interurbano e no suburbano.
“Se eu tiver carro e for do Porto a Lisboa, quando chegar, a aplicação pode apresentar um parque de estacionamento. Se eu tiver um carro elétrico, pode indicar onde é que está um carregador e depois fazer o Park&Ride com outros meios de mobilidade. A ideia é combinar as várias opções”, exemplificou.
Os desafios a ultrapassar
Jorge Bandeira, investigador no Centro de Tecnologia Mecânica e Automação da Universidade de Aveiro, acredita que “cada vez mais existe necessidade da população para conhecer as ofertas que estão disponíveis. Há uma falha a nível nacional ou pelo menos fora dos grandes centros urbanos de Lisboa e do Porto no fornecimento da informação à população sobre quais as ofertas de transporte público”, mesmo que seja apenas numa perspetiva de horário tabelado. É nesse âmbito que o investigador colabora nos projetos CISMOB (Cooperative information Platform for Low Carbon and Sustainable Mobility), que pretende, a partir das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), auxiliar na eficiência das infraestruturas de transporte e que teve uma ação piloto em Coimbra e Cantanhede, e PriMaaS (Prioritizing low carbon mobility services for improving accessibility of citizens), que pretende promover a integração dos modos tradicionais de transporte coletivo com os pessoais e inovadores. De forma a alcançar os objetivos deste último, os parceiros do projeto realizaram um estudo para identificar as barreiras à implementação das plataformas MaaS.
“A nível nacional existem quatro desafios, além ainda do que se passa noutros países e todos relacionados com a fragmentação. Primeiro, o uso do solo – a forma como as nossas cidades estão organizadas e os territórios à volta deles muito dispersos”, explica Jorge Bandeira.
O responsável aponta ainda como desafio a fragmentação ao nível das infraestruturas e serviços, no qual “ainda vemos, por exemplo, que ao nível da mobilidade suave [forma de mobilidade que faz uso unicamente de meios físicos do ser humano] temos uma série de ciclovias que não vão ter a lado nenhum ou que são interrompidas no meio das cidades”. A fragmentação dos dados, uma vez que “algumas empresas têm algum receio em partilhar a informação e não existe essa cultura de partilha”, e a fragmentação de políticas são as outras duas barreiras.
Para ultrapassar estes desafios, o projeto quer aumentar “o grau de confiança entre os diversos stakeholders e, com base também na evidência de outras realidades europeias, ir, a pouco e pouco, convencendo os vários atores de que a cultura de partilha só os beneficia enquanto potenciadora do aumento de mercado”.
A barreira da falta de dados é uma das mais apontadas pelos entrevistados. Miguel Mósca, Smart Cities Consultant na Bable, empresa que disponibiliza uma plataforma aberta de Smart City e serviços de consultoria na área, considera que um dos desafios é “existir o acesso aos dados de cada plataforma. Se eu tiver dados em tempo real das scooters, mas não tiver do metro, é um desafio”. Aliado a isso, “para existir este tipo de plataformas multimodais, é necessário existir uma digitalização prévia, isto é, que os dados já estejam acessíveis online”.
Pedro Marques da TOMI nota que a introdução destes dados “representa um trabalho que é, às vezes, um bocadinho talvez mais manual, quando falamos de carreiras digamos do estilo tradicional”.
No caso específico da Ubirider, Paulo Ferreira dos Santos exemplifica que estamos perante essa barreira na AMP. “No Porto, embora sejamos do Porto, nunca conseguimos ter acesso à informação básica que teoricamente até seria informação aberta/open data que nos permitisse sequer fazer um teste”, diz. O responsável informa ainda que tentou abrir uma linha de contacto com os Transportes Intermodais do Porto (TIP), mas sem receber qualquer tipo de resposta. Tal levou-os a Lisboa, e a serem acolhidos pela Fertagus, que lhes deu as condições para desenvolver o serviço. Nesse caso, a digitalização não foi tanto um problema porque a linha de comboio já utilizava o standard da Google, General Transit Feed Specification. “O GTFS é um ficheiro que representa digitalmente qualquer operação de transportes coletivos, por exemplo, onde é que estão as paragens, quais são as rotas e quais são os horários”, explica. É a partir desse standard que muitas aplicações de mobilidade constroem os seus serviços.
Os dados no centro da operação
Os dados são o ponto fulcral destas aplicações. Sem eles, não consegue fornecer-se informação aos utilizadores sobre os modos de transporte. Do lado inverso, não se consegue informar os operadores de transporte e os governos locais sobre informação que pode otimizar a mobilidade urbana, com base nos dados dos utilizadores. No caso da TOMI, com base nos dados recolhidos, são produzidos relatórios mensais que permitem saber quais os destinos mais procurados por cada cidade. Por exemplo, no mês de dezembro, a Baixa-Chiado, Sete Rios e Telheiras foram os mais procurados em Lisboa. Conseguem ainda determinar a “quantidade de pessoas que utilizam o modo de transportes e também conseguimos saber onde é que as pessoas circulam mais a pé”, explica Pedro Marques.
Já a Ubirider foi desenvolvida de forma a que “tudo o que acontece nas apps em termos de utilização é partilhado em tempo real com os operadores que nos permitem vender bilhetes ou com as cidades que nos permitem lá funcionar”. Paulo Ferreira Santos explica que se distingue assim de competidores como o CityMapper e a Moovit, uma vez que estes só possibilitam aos operadores e autoridades locais “saber o que é que se passou numa perspetiva histórica”. O CEO informa ainda que, através da solução Pick Hub, pode saber-se, por exemplo, “que os utilizadores evitam uma determinada passagem. Quando vão de um sítio para o outro, seguindo a mesma lógica que era preciso apanhar ali naquela paragem, saber que as pessoas preferem fazer um percurso a pé maior para não ir àquela paragem. E então depois isso é informação para a cidade tentar perceber o que é que se passa com aquela paragem.”
“Conseguimos saber também, conhecendo os percursos, e isto é um aspeto importantíssimo, se o transporte público é competitivo em relação ao carro. Qual é o aspeto mais motivador para uma pessoa poder largar o carro? É chegar mais rápido a algum lado”, considera.
Com base neste tipo de dados, de forma geral, Miguel Mósca da Bable nota que é possível “informar a autoridade local que faz sentido fazer uma ciclovia de ponto A para ponto B, de forma que o cidadão não perca tempo em ziguezagues nos transportes públicos”. Entre outras vantagens deste tipo de aplicações, o especialista nota que, “para os operadores, torna-se mais barato apostar nestes serviços que criar uma plataforma in-house”.
O impacto na população
A caracterização dos dados de mobilidade do cidadão é uma das principais vantagens deste tipo de aplicações e dos serviços MaaS no geral, no entender de Jorge Bandeira da Universidade de Aveiro. “Quais são os padrões de utilização em termos de origem e destino das cidades. Com base nisso obviamente podemos ajustar e melhorar a oferta. É do interesse também dos operadores de serviço de mobilidade conhecerem e ajustarem-se à procura. E isso pode ser feito de uma forma interativa e automática”.
Outro dos impactos possíveis “é, no fundo, o aumento da qualidade de vida da população. Por um lado, os fundos que são alocados a financiar os transportes públicos da cidade se calhar são mais facilmente recuperados, se houver um maior nível de eficiência no serviço”, acrescenta. “Existindo também mais população a usar os transportes públicos e os modos suaves, com certeza também a qualidade de vida das cidades aumenta. Acho que é uma solução em que ficam todos a ganhar: autoridades e cidadãos”, conclui o investigador.
No entanto, Jorge Bandeira nota que, no âmbito dos MaaS, pode correr-se o risco de “existir uma fuga dos transportes públicos para, por exemplo, para sistemas de ride-sharing”, caso os transportes públicos não sejam a espinha dorsal. “Não está garantido que são os utilizadores do carro individual que mudam para o MaaS”, declara.
Uma única aplicação: impossível ou não?
O futuro deste tipo de aplicações é atualmente incerto. Se fossem os consumidores europeus a decidir, resumir-se-ia a apenas uma. De acordo com um estudo do Observatório da Federação Internacional do Automóvel, 69,5% dos consumidores acolhe bem a oportunidade de haver apenas uma aplicação para reservar todos os transportes de que necessita.
No entender da TOMI, essa visão não deverá ter as operadoras de transporte como origem, uma vez que “não têm estado muito vocacionadas, para já, em fazer um grande desenvolvimento de software e de estarem no mundo digital acelerado. Não é que não possam fazer uma aplicação. Mas, neste momento, aquilo que tem sido a tendência é haver alguém que faça essa integração e que vá falar com várias entidades”.
Aliado a isso, Pedro Marques considera que “se não houver uma relevância eficaz para os utilizadores naquele contexto específico, é muito difícil uma aplicação sobreviver a longo prazo. Terá sempre que ir adicionando coisas adicionais que interessem às pessoas”, que podem passar, por exemplo, por aceder a podcasts.
O MaaS e a cidade inteligente
O futuro pode passar também por auxiliar a transição das cidades para smart cities. “Esta mobilidade é parte essencial do conceito, é um pilar básico de qualquer cidade inteligente. Porque é que há transportes públicos? Porque é o acesso a oportunidades. Ou seja, é uma forma de minimizar a diferença de rendimentos”, explica Paulo Ferreira Santos da Ubirider.
“Há estudos do Parlamento britânico que demonstram que a mobilidade é responsável pelo crescimento económico. Nós aprendemos isso à força de uma forma negativa: aquilo que levou à crise econômica da Covid-19 foi que reduzimos a mobilidade a zero, portanto se não há mobilidade, há menos atividade económica. Aqueles sítios ou as cidades que investem em boa mobilidade são cidades bem desenvolvidas”, defende.
Com estas aplicações, o conceito de smart cities aproxima-se da realidade, uma vez que “imagine, o que é eu poder pegar na minha agenda e dizer que vou ter consigo e isto indicar-me o meu trajeto e rentabilizar melhor o meu tempo. Usar toda esta informação que permita às pessoas viverem melhor”.
No entender do investigador Jorge Bandeira, “além destas aplicações de oferta de integração de vários modos, podemos passar ainda para um novo nível, que é a integração no conceito da smart cities e conseguirmos, por exemplo, que exista uma integração entre os edifícios inteligentes. À medida que quando sairmos um edifício, a aplicação detetar que estamos a sair e dá-nos diretamente a oferta de transportes disponíveis”.
APLICAÇÕES DISPONÍVEIS EM PORTUGAL
Conheça algumas das aplicações atualmente disponíveis no mercado português: