Com os modelos convencionais de transporte de mercadorias a mostrarem-se esgotados no que ao seu impacto ambiental diz respeito, a transformação da logística e distribuição passa não só pela otimização de rotas ou redução de redundância, mas também por uma migração para novas tecnologias de mobilidade. A eletrificação é o caminho possível e provável, mas ainda há constrangimentos para uma transição verde que é urgente. Vejamos como está a ‘acelerar’ o segmento.
Durante os últimos anos temos assistido ao eclodir, sem precedentes, de novas tecnologias. Quer seja por integração de novas valências, por transformação de anteriores, a verdade é que o mundo se tem apressado a descobrir caminhos tecnológicos para um futuro que hoje já nos bate à porta.
A mobilidade tem sido um dos setores mais afetados por esta nova tendência de disrupção via tecnologia. Com o petróleo a ‘esgotar-se’, com o planeta carregado de gases nocivos à existência de vida, a descarbonização acelerou em vários sentidos. Se o gás foi a primeira escolha ‘natural’, hoje a eletricidade, como ‘combustível’, fez também já o seu percurso.
Primeiro investindo na mobilidade de pequena escala, olhando para o indivíduo, depois para a grande escala, com toda a mobilidade a ser ‘migrada’ para este âmbito, começam a surgir, de forma consistente, alternativas aos combustíveis puramente fósseis.
Porém, na transição para esta nova forma de mobilidade, há ainda desafios, alguns que serão ultrapassados com o tempo, mas outros que, no entender de vários responsáveis de empresas que ouvimos, precisam de ser atacados no imediato, sobretudo com a oferta massificada e com mais baixo custo.
Ouvindo a Volvo Trucks, percebemos que os esforços para chegar a soluções elétricas começaram há uma década, com a marca sueca, com presença em Portugal via Auto Sueco, a disponibilizar já várias soluções para os seus clientes. “A primeira experiência da marca com a eletrificação de pesados de mercadorias ocorreu já em 2011 com a apresentação e comercialização do Volvo FE Híbrido. Neste momento contamos já com a produção em série, desde 2019, de dois modelos totalmente elétricos, o FL 4×2 Elétrico, de 16 toneladas, e o FE 6×2 Elétrico de 27 toneladas. No final do ano juntar-se-á uma versão FE 4×2 de 19 toneladas”, começa por explicar Hugo Luzia, Gestor de Engenharia de Produto Volvo – Auto Sueco Portugal.
“No início do próximo ano teremos o início da comercialização da restante gama, com os novos Volvo FH, FM e FMX totalmente elétricos. Ficaremos assim com a mais ampla gama de viaturas pesadas totalmente elétricas, com foco na distribuição urbana e regional, recolha de resíduos sólidos urbanos, construção urbana e transporte de médio curso, com pesos brutos das 16 às 44 toneladas”, acrescenta.
Em declarações à LOGÌSTICA&TRANSPORTES HOJE, este responsável lembra, contudo, que para uma eficaz migração é preciso, como nos dirão também outros interlocutores, conciliação de esforços. Isto porque, quando questionado sobre se as soluções elétricas já são competitivas face a semelhantes a diesel, Luzia defende que “este ponto está fortemente condicionado por eventuais políticas de incentivos à migração para tecnologias alternativas”, assumindo mesmo que “o atual custo inicial do investimento poderá afastar muitos dos potenciais clientes”, admitindo, contudo, que “a massificação trará naturais evoluções na diminuição dos custos de produção destas viaturas”, lembrando também que “temos assistido a um aumento quase exponencial da capacidade das baterias, permitindo assim maior autonomia para estas viaturas, tornando as soluções mais atrativas do ponto de vista operacional para os nossos clientes”.
A mesma visão é partilhada, em grande parte, pela MAN. À procura de soluções elétricas, a construtora assume que ainda é cedo para se poder pensar, a breve trecho, para uma transição completa de frotas. No entanto, o trabalho da marca continua na busca das melhores soluções.
“É do conhecimento geral que o Grupo VW é um dos grupos que mais investe na eletrificação de viaturas, a MAN como parte integrante deste grupo não é diferente. A MAN foi a primeira marca a disponibilizar viaturas pesadas elétricas, mais concretamente o eTGM de 26 toneladas. Neste momento, já existem unidades a trabalhar em diversos países e Portugal, muito em breve, juntar-se-á. Em relação a comerciais ligeiros, a MAN disponibiliza desde 2019 um furgão elétrico, o eTGE. No presente, já temos alguns eTGE a circular em Portugal – somos inclusive os pioneiros, em Portugal, a ter uma Ambulância elétrica”, explica-nos Luís Lemos, Sales and Marketing Director Trucks and Vans na MAN Truck & Bus PT, lembrando que falta ainda escala para que elétricos possam competir, em igualdade, com viaturas a diesel.
“A verdade é que no setor dos pesados ainda nem sequer estamos na fase de ter propostas pouco competitivas, pois efetivamente as soluções existentes são muito residuais face às reais necessidades do setor. No futuro, a existência de ofertas competitivas estará diretamente ligada à disponibilidade de uma maior oferta de produtos e soluções que levará com certeza a uma maior procura. Conjugados estes dois fatores, o mercado ajustar-se-á com propostas mais competitivas”, elabora Luís Lemos, considerando, ainda que será necessário continuar a investir em tecnologia e depois escalada.
“O progresso tecnológico em viaturas elétricas está de modo direto ligado à evolução tecnológica das baterias. O maior custo está nas baterias e depois na eficiência energética dos motores. Para se conseguir baixar o custo das viaturas elétricas tem de se conseguir produzir melhor baterias e a um menor custo. A produção em massa destas viaturas irá acelerar não só o desenvolvimento das baterias como o seu próprio custo. É normal que assim aconteça, pois aconteceu o mesmo com as viaturas a diesel no início da sua comercialização”, atira.
Mais infraestrutura? Sim, mas com colaboração de todos
Durante os últimos meses temos ouvido, mais comumente que o esperado, vozes de diversos setores a pedirem mais investimento em infraestrutura. Se por um lado o transporte elétrico individual já surge com algum nível maturidade, por outro, no segmento de longo curso e transporte de carga, o desafio é ainda grande.
Neste sentido, marcas e empresas de energia têm firmado, um pouco por todo o mundo, parcerias estratégicas para trilharem juntas um caminho. Esta é também uma perspetiva partilhada por alguns dos intervenientes que ouvimos.
“Precisamos de mais infraestrutura, sim, este é de facto um dos desafios para a adoção de qualquer tipo de tecnologia alternativa. Temos já hoje o exemplo do Gás Natural Liquefeito que, ainda que permita poupanças muito grande em termos de custos operacionais, obriga, devido ao reduzido número de postos e fraca dispersão geográfica, a um planeamento muito rigoroso das rotas para que o combustível não falte”, começa por explicar Luzia. “O mesmo se passará no caso da mobilidade elétrica, sendo a principal preocupação a rapidez do carregamento por forma a não colidir com os limites legais de tempos de condução”, adianta ainda, lembrando, contudo, que “obviamente as empresas terão também de assegurar que a infraestrutura elétrica das suas instalações permitirá acomodar a solução de carregamento que seja eventualmente necessária (carregamento rápido ou lento)”.
“Tudo está interligado, claro que são necessários mais postos de abastecimento, mas, por outro lado, também são necessárias mais viaturas. Isto é como a história do ovo e da galinha. Certo é que já temos bastantes viaturas elétricas a circular e também é verdade que a disponibilidade de postos de abastecimento é muito maior que no passado. Tem de ser um passo conjunto entre os fabricantes e os fornecedores de energia elétrica”, sintetiza Luís Lemos.
Em termos de operadores, ouvindo a Luís Simões, percebemos que serão ainda muitos os entraves à eletrificação de frotas. Contudo, o mais premente, parece ser uma aposta sustentada também numa rede de abastecimento que permita olhar para as alternativas disponíveis e tomar opções.
“Sim, naturalmente partilhamos essa visão [de falta de infraestrutura] e é uma questão muito importante para a viabilidade do nosso negócio. Consideramos que é necessário massificar as infraestruturas para que seja possível abastecer os nossos veículos em qualquer ponto da Península Ibérica – e, neste momento, tal só se consegue unicamente para os veículos a gasóleo e, em alguns pontos, para GNL”, explica Fernanda Simões, Administradora-Delegada dos TI, Luís Simões.
Operadores ‘suspiram’ por alternativas viáveis
Se do lado dos construtores a perspetiva de aposta em novas tecnologias parece um ponto de partida consensual, por outro lado, no ângulo dos operadores como a Luís Simões, a passagem para frotas completamente eletrificadas parece um cenário ainda distante no tempo e no espaço.
Como já vimos, se por um lado se reclama por mais infraestrutura, por outro, quer pelo lado dos custos quer pela parca capacidade e autonomia, as opções elétricas em camiões ainda não são uma alternativa viável.
“Na Luís Simões entendemos o caminho da transição energética do transporte é longo e tem de ser suportado por processos eficientes e de grande domínio do consumo de energia. Consideramos, por exemplo, que alterar a frota para veículos elétricos ainda não é o presente”, começa por explicar-nos Fernanda Simões, considerando ainda que, por agora, o mais exequível é otimizar.
“Entendemos que o primeiro passo é a procura da eficiência na nossa frota e no trabalho que fazemos com os nossos parceiros de transporte. As soluções tecnológicas têm de estar focadas nos serviços a prestar aos clientes e, nesse sentido e como dizia, há ainda muito caminho a percorrer – literal e figurativamente. A alteração da tecnologia tem de ser acompanhada de uma análise mais global e não apenas focada nas emissões”, explica à LOGÌSTICA&TRANSPORTES HOJE.
“No presente, soluções de eficiência no transporte como os Gigaliners podem minimizar os impactos ambientais e suportar a sustentabilidade do processo de mudança”, explica-nos a administradora do operador, lembrando que esta é uma aposta que começou em 2014 e foi pioneira na Península Ibérica. “A introdução destes veículos reduziu as emissões de dióxido de carbono em cerca de 30% por tonelada transportada, representando uma redução anual de aproximadamente 144 toneladas de emissões de CO2e. Na última década reduzimos as emissões de GEE da nossa frota em mais de 16%, em relação aos níveis registados em 2007. Recentemente anunciámos a aquisição de mais veículos deste género para reforçar a nossa frota em Portugal”, explica.
Porém, é no lado das soluções procuradas e nas encontradas que a balança mais pesa quando equacionada na transição completa de frota. Se o preço é ainda um ‘entrave’ para muitos construtores, a limitada oferta lembra que a tecnologia ‘verde’ ainda precisa de escala e… opções.
“Mais do que o investimento, e em linha do que dizia acima, o que nos preocupa mais é a disponibilização de soluções – e, neste caso específico, de soluções eficazes e viáveis para camiões e veículos pesados. A disponibilidade de veículos elétricos no mercado ainda não contempla os camiões de 24 toneladas, o que inviabiliza a exequibilidade dos nossos investimentos neste sentido, pois naturalmente não conseguimos assegurar o serviço aos nossos clientes”, acrescenta Fernanda Simões.
“Naturalmente o investimento necessário também poderá ser um entrave para várias empresas, porque a eletrificação das frotas ainda representa um custo bastante elevado – que acreditamos que venha a descer nos próximos anos, com a sua massificação. O caminho da sustentabilidade é longo e nem sempre é fácil, e para muitas organizações pode também ser difícil saber por onde começar ou com que parceiros se alinhar, o que também consideramos que possa representar um desafio neste processo”, sintetiza para concluir.