Entre as atribuições do IMT está o apoio ao Governo na implementação e avaliação de políticas para os setores da mobilidade. Foi, precisamente, sobre a importância da mobilidade urbana, seus desafios e compromissos com o ambiente que a LOGÍSTICA&TRANSPORTES HOJE falou com Eduardo Feio, Presidente do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), no âmbito da 2.ª edição do MOB Lab Congress, que decorrerá no próximo dia 16 de maio, na Fundação Dr. António Cupertino Miranda, no Porto.
O transporte faz parte do dia-a-dia de um país. Gerir esses transportes e fazer com que o impacto dos mesmos seja minimizado, em todas as vertentes, é um processo complexo e que, muitas vezes, depende da participação dos próprios utilizadores.
De acordo com Eduardo Feio, Presidente do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), “as verdadeiras forças disruptivas na mobilidade têm ocorrido através de plataformas que interligam a oferta e a procura”.
A emergência da economia partilhada no setor dos transportes reflete-se em serviços como o car-sharing, o ride-sharing e bike-sharing. Com que rapidez é que estas tendências transformarão a mobilidade urbana?
A conveniência dos serviços (os utilizadores têm que ter acesso aos serviços sempre que deles necessitarem) e a confiança nos pagamentos (maioritariamente efetuados por via eletrónica) são elementos fundamentais para determinar a rapidez da adesão à mobilidade partilhada.
Os serviços de car-sharing, ride-sharing ou bike-sharing já são uma realidade atualmente e alguns impactos começam a ser percetíveis. Por exemplo, se os passageiros que se deslocam em bicicletas partilhadas, no eixo central de Lisboa, utilizassem veículos individuais, estariam a contribuir para agravar os problemas de congestionamento (cerca de 370 mil veículos entram diariamente na capital).
Importa salientar que, em 2030 mais de metade da população mundial serão consumidores de classe média (56%) e estarão a viver nos grandes centros urbanos (59,5%). As projeções mostram que a urbanização associada ao crescimento da população mundial poderá trazer mais 2,5 mil milhões de pessoas para as populações urbanizadas em 2050 – situação não compaginável com a utilização do transporte individual (a intensa utilização do automóvel é a causa dos elevados custos de congestionamento, que representam mais de 110 mil milhões de euros por ano na Europa e contribuiu para uma sinistralidade de perto de 26 mil mortos em acidentes rodoviários na EU, em 2013).
Os desafios da mobilidade partilhada poderão trazer o aumento das fusões e aquisições, alianças e joint-ventures como forma de redefinição de novas colaborações?
O desenvolvimento e a gestão de soluções de mobilidade partilhada são processos multifacetados que exigem competências de áreas técnicas distintas, como o fabrico de automóveis, as telecomunicações, a gestão de big data ou a gestão de frotas de transporte. A concretização de alianças e joint-ventures, entre entidades destas e outras áreas, tem sido uma das respostas encontrada para responder a esse desafio da exigência de competências distintas.
Neste contexto, fabricantes de automóveis, operadores de telecomunicações, gestores de infraestruturas rodoviárias, entre outros, têm vindo a promover uma evolução dos seus modelos de negócio no sentido de incluírem novos serviços e soluções de mobilidade multimodal, integrando competências diversas (por exemplo, apps de gestores de concessões rodoviárias que disponibilizam serviços de ride-sharing, estacionamento, etc.) muitas vezes atuando em novos nichos de mercado.
Este novo paradigma na mobilidade poderá trazer, igualmente, novos modelos de negócios adaptados às novas exigências? De que tipo?
A utilização de automatização e de sistemas cooperativos de transportes inteligentes (SCTI) têm levado à emergência de novas abordagens e serviços, de que são exemplos os táxis partilhados ou sistemas de boleias partilhadas, que juntam pessoas com rotas de deslocação coincidentes, encontro esse que é proporcionado por plataformas informáticas. Estas opções de viagem permitem melhorar as taxas de ocupação dos veículos, reduzindo assim as emissões por passageiro-quilómetro.
A mobilidade partilhada constitui um complemento imprescindível do transporte público quando falamos, por exemplo, de um novo conceito promissor, que é o da “Mobilidade como um serviço” (“Mobility as a service” ou MaaS). Trata-se de uma combinação de serviços geridos através de uma plataforma informática comum, que permite ao utilizador usufruir do serviço parametrizado para a sua necessidade concreta e proceder ao pagamento de uma única conta.
Estamos a assistir a uma alteração de paradigma, o da propriedade do veículo para o da utilização do veículo (MaaS).
No setor do transporte de mercadorias, o conceito de mobilidade partilhada não está muito desenvolvido, mas existem já na Europa diversos exemplos que permitem aos utilizadores partilhar veículos de mercadorias urbanos, tais como veículos comerciais ligeiros ou bicicletas de carga. Importa sublinhar que, no setor do transporte de mercadorias, as necessidades concretas de transporte ocasional são já normalmente satisfeitas pelo transporte público ou por soluções logísticas bastante eficazes. Substituir o transporte particular de mercadorias, especialmente em casos de subutilização da capacidade de carga dos veículos pelas empresas proprietárias, poderia constituir uma opção interessante, a explorar através de sistemas de mobilidade partilhada.
As diferentes opções de mobilidade partilhada, de passageiros ou de mercadorias, com recurso aos tipos de veículos mais diversos, motorizados ou não, devem integrar explicitamente os instrumentos de planeamento, nos diferentes níveis de administração territorial, muito particularmente ao nível das cidades.
A existência de uma política clara em prol da descarbonização da economia constitui, per se, uma alavanca para a inovação, para a criatividade e para a competitividade das empresas e, concomitantemente para novos modelos de negócio. A orientação, que se tem verificado, dos investimentos públicos para uma economia descarbonizada cria o enquadramento necessário para que o setor privado continue a inovar e a apresentar produtos e serviços em resposta às novas exigências.
O conceito de Rede de Mobilidade Multimodal Integrada pode constituir uma alternativa à existente situação de dicotomia transporte público versus transporte privado, satisfazendo assim necessidades decorrentes de alterações demográficas, preferências e novas tecnologias.
As verdadeiras forças disruptivas na mobilidade têm ocorrido através de plataformas que interligam a oferta e a procura. Os clientes procuram serviços de mobilidade a pedido e estão satisfeitos com a possibilidade de partilha desse serviço para reduzir o seu custo.
Os veículos conectados, autónomos, elétricos e partilhados são elementos fundamentais para o futuro da mobilidade. Os modelos de negócios que consigam combinar estas vertentes a par de uma maior integração com os serviços de transportes colectivos suportados, no referido conceito de Rede de Mobilidade Multimodal Integrada, serão seguramente negócios adaptados aos novos tempos.
Será através da mobilidade partilhada que poderá ser potenciado o cumprimento dos acordos de descarbonização?
Portugal assumiu em 2016 o compromisso de atingir a neutralidade carbónica até 2050, ou seja, o de alcançar um balanço neutro entre as emissões de gases com efeito de estufa e o sequestro de carbono.
Atingir a neutralidade carbónica em 2050 exige, em Portugal, uma redução de emissões superior a 85% em relação às emissões de 2005 e uma capacidade de sequestro de carbono de 12 milhões de toneladas, a qual é superior à atual capacidade. Ou seja, passar de 68 para 12 Mt CO2.
Os setores da mobilidade e dos transportes apresentam-se como cruciais para o alcance do objetivo proposto.
O Plano Nacional de Investimento (PNI) consagra a descarbonização da economia como uma das áreas estruturantes, contemplando mais de 66% do investimento em áreas que contribuem para os objetivos do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC). O PNI evidencia assim uma aposta de Portugal em infraestruturas sustentáveis, colocando a descarbonização da economia também no centro da visão de desenvolvimento para o país.
A mobilidade partilhada contribuirá para o cumprimento dos acordos de descarbonização, mas deve ser vista apenas como uma das ferramentas a mobilizar para fomentar a descarbonização dos transportes e da economia em geral.
A mobilidade partilhada pode encarar-se na perspetiva da “economia circular”, que pretende aumentar a utilização dos produtos e dos recursos reduzindo o desperdício. A substituição da “posse do automóvel” pela utilização do automóvel, em comum com um conjunto de diferentes utilizadores, significa a maximização do uso do automóvel, ou seja, o aproveitamento máximo desse recurso.
A Economia Circular constitui um dos pilares do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050), o qual visa concretizar o objetivo assumido pelo Governo Português de atingir a neutralidade carbónica até 2050, em linha com os objetivos do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) e com o Acordo de Paris.
São reconhecidas as vantagens em termos de custos para o utilizador de veículo individual, e também, no que respeita à economia de espaço público, uma vez que os carros particulares estão cerca de 95% do seu tempo estacionados.
Fica igualmente minorado o incentivo ao uso do automóvel, que é normalmente associado à posse de um veículo individual.
A mobilidade partilhada representa um importante contributo para a disseminação da mobilidade elétrica, pois o recurso a este tipo de oferta permite contornar os problemas da falta de autonomia dos veículos elétricos, adequando o tipo de motorização às características de cada deslocação concreta.
A descarbonização da mobilidade não se esgota na promoção da mobilidade partilhada. Uma aposta continuada no transporte público, que altere os padrões de mobilidade dos portugueses e inverta as tendências de anos recentes, é certamente uma das mais importantes medidas de descarbonização e de eficiência energética, bem como da redução dos congestionamentos nas infraestruturas rodoviárias e da afectação do espaço público das cidades ao automóvel individual.
O Programa de Apoio à Redução dos Tarifários (PART) e o recente lançamento dos concursos para o Metro de Lisboa, para a CP e para a aquisição de novas embarcações para a Transtejo, o apoio à descarbonização das frotas de transportes públicos, de diferentes operadores rodoviários de passageiros, apoiada pelo POSEUR, com a aquisição de 750 autocarros limpos, dos quais 159 elétricos, demonstram a atual na promoção do transporte público.