Dirige o departamento de Computação Móvel e Urbana do Centro de Computação Gráfica que tem nas questões relacionadas com a tecnologia ao serviço da mobilidade o seu ponto central. Por isso, João Moutinho, Head of Development in Urban and Mobile Computing, admite à LOGÍSTICA&TRANSPORTES HOJE, no âmbito da 2.ª edição do MOB Lab Congress, que decorrerá no próximo dia 16 de maio, na Fundação Dr. António Cupertino Miranda, no Porto, que “não é possível dissociar a mobilidade, da necessidade das ferramentas tecnológicas e de soluções que terão de ser criadas no futuro”.
O UMC “Urban and Mobile Computing” é o domínio intrinsecamente ligado à Computação Móvel e Urbana, posicionando-se como uma área emergente, que pretende proporcionar às pessoas experiências novas e mais completas, na sua vivência do espaço urbano, através de novas aplicações computacionais. Para João Moutinho, diretor do departamento, “é importante referir que o mais importante componente associado à abordagem da mobilidade como um todo é o planeamento urbano”.
Como diretor do departamento de Computação Móvel e Urbana, que pretende proporcionar às pessoas experiências novas e mais completas, na sua vivência do espaço urbano, através de novas aplicações computacionais, que papel podem ter estas aplicações ao nível da mobilidade urbana e regional?
As tecnologias de informação e comunicação têm sido um dos principais fatores que têm contribuído para o desenvolvimento da sociedade. Todos reconhecemos a computação móvel como sendo um dos aspetos mais visíveis, presentes e habilitadores de um mundo conectado em que tudo passa a ser possível de forma ubíqua e perversiva. Com um crescimento espantoso, o smartphone, está já presente em 65% das mãos das pessoas da Europa e Estados Unidos (68% em Portugal e 82% nos Emirados Árabes Unidos, por exemplo).
Em contexto urbano, onde o nível de utilização de tecnologia é tipicamente maior, é muito provável que todos tenham um equipamento deste tipo. Mesmo os cidadãos mais séniores, considerados muitas vezes como infoexcluídos, aderem a estas interfaces digitais com um crescimento muito assinalável. Arrisco-me, por isso, a dizer que o smartphone (ou um dispositivo pessoal de computação móvel de funções semelhantes que possa surgir) será uma ferramenta indispensável para o usufruto da mobilidade no futuro. É muito por isso que o CCG, através do seu Departamento de Computação Móvel e Urbana, que dirijo, tem tido um papel cada vez crescente no suporte do uso destas tecnologias em contextos de mobilidade nos territórios.
Num cenário de mobilidade que se expressará pela necessidade de deslocação de cada pessoa entre uma localização de partida e uma de destino, facilmente se percebe que a utilização de um dispositivo deste tipo pode permitir, de uma forma muito simples e prática, definir estas variáveis: o GPS do equipamento pode fornecer a posição atual e o destino pode ser introduzido por uma morada, um ponto num mapa ou mesmo pela introdução de texto que caracterize o destino (uma loja ou mesmo uma pessoa que esteja a partilhar a sua localização de forma dinâmica).
O mesmo equipamento, ligado à Internet dos Transportes, pode computar face ao atual cenário, preferências ou mesmo limitações (considerando a acessibilidade) qual a melhor forma de deslocação tendo em consideração o que é melhor para a cidade, para o ambiente, para a otimização dos recursos ou consideração a minimização de custos (económicos ou temporais) do viajante. A utilização destes dispositivos pode ainda possibilitar a utilização de publicidade no meio de transporte ou mesmo estratégias de ludificação da viagem (especialmente facilitados pela condução autónoma) que poderão sustentar modelos de negócio associados à mobilidade. Tal modelo irá permitir minimizar custos para o utilizador e tornar a experiência mais apelativa, contribuindo para uma potencial adesão massificada que poderá contribuir para criar sustentabilidade no uso do transporte.
Todos os benefícios que referi, são de especial importância para os territórios peri-urbanos. Embora, seja um problema de menor dimensão no que concerne a número de utilizadores (com tendência decrescente face à migração para as zonas urbanas), o número de quilómetros percorridos no total é, por vezes, superior e os compromissos de frequência, disponibilidade, acessibilidade, sustentabilidade e conforto, são, por isso, um problema difícil de resolver.
Nestas regiões, as novas possibilidades da mobilidade como serviço (MaaS), flexível ou não flexível, partilhado ou não, serão ferramentas indispensáveis para criar mobilidade capaz de minimizar o êxodo das pessoas para as cidades. Estaremos, desta forma, a resolver também o problema da mobilidade das zonas urbanas e, com isso, a evitar os seus problemas de capacidade. Para que isto aconteça, a computação será imprescindível, já que irá permitir ao utilizador de serviços de mobilidade sinalizar a sua vontade de viajar entre uma origem e um destino e irá funcionar como habilitador de um serviço que muitas vezes não está disponível em zonas menos urbanas.
A título de exemplo: uma pessoa da periferia de uma cidade, poderá usar o seu smartphone e sinalizar que precisa de se deslocar entre a sua localização e a cidade. Uma “inteligência central” irá desta forma registar essa vontade e escolher qual a melhor maneira de assegurar essa viagem (segundo um conjunto de critérios ponderados: custo, duração da viagem, conforto, etc.) e oferecer a contratação desses serviços ao utilizador. Sendo “central” irá dispor de todas as informações (horários, carreiras, localizações, informações de trânsito, vontade de deslocações semelhantes por parte de outros utilizadores, etc.) e irá fornecer a “melhor” opção a esse cidadão.
Que exigências possuem áreas como cidades, logística, veículos, turismo? Cada área tem a sua especificidade ou trabalha-se para todas elas em conjunto?
Cada área possui especificidades muito concretas e diferentes que necessitam por vezes abordagens muito diferentes. Sabemos, por exemplo, que o transporte de mercadorias não tem uma coexistência muito desejável com o turismo. É também visível que o transporte individual motorizado cria problemas de mobilidade para os modos suaves normalmente associados ao turismo.
Olhando para as unidades de gestão do território, por exemplo, em Câmaras Municipais, vemos que estas áreas correspondem a diferentes divisões ou pelouros. Lamentavelmente, mas felizmente com exceções, a articulação das partes nem sempre funciona da melhor forma para assegurar mobilidade a todos de forma inclusiva e sustentável.
Por isso mesmo, a abordagem deverá ser conjunta. As vias e os canais de transporte são muitas vezes os mesmos e o interesse de uma mobilidade eficaz é comum a todos os agentes envolvidos. Só de forma conjunta será possível articular as diversas variáveis do problema de otimização associado à mobilidade do território urbano (aquele que mais precisa de articulação entre estas áreas).
Um órgão de gestão de mobilidade deverá ponderar as diversidades do cenário que compõe a área geográfica de influência (a sua área de ação e as vizinhas) e ponderar os vários parâmetros para poder definir planos de mobilidade realmente adaptados. Por exemplo, uma cidade histórica, com aposta no turismo, deverá ter um peso maior em privilegiar a mobilidade por modos suaves em detrimento da circulação automóvel. Por outro lado, uma cidade portuária poderá desejar dar maior peso na mobilidade associada à logística que à circulação automóvel.
Contudo, é importante referir que o mais importante componente associado à abordagem da mobilidade como um todo é o planeamento urbano. Só assim será possível lidar com os vários desafios sem ter de privilegiar diferentes áreas em detrimento de outras. Um território devidamente planeado, tem desafios bastante mais comportáveis e fáceis de resolver.
Quando se fala atualmente em mobilidade utilizam-se termos ou definições como IA, IoT, Big Data, Blockchain, Robótica, entre outros. Estamos num setor cada vez mais tecnológico? Que papel terá esta revolução tecnológica no futuro da mobilidade?
A tecnologia só por si não tem valor a não ser para os que as desenvolvem como desafio técnico ou científico. O grande desafio de um Centro de Interface Tecnológico como o CCG é o de valorizar o conhecimento conseguindo que o mesmo seja aplicado e útil para a sociedade em geral (cidades, indústria, etc.). No contexto da mobilidade, o racional é o mesmo. Um dos principais desafios da sociedade, em termos gerais, é a mobilidade sustentável. É um dos fatores que está a contribuir mais significativamente para os problemas ambientais que assolam o nosso planeta.
A grande maioria das vezes isto acontece porque cada um pensa por si, cada pessoa, cada empresa, cada município, cada país, etc.. Acha-se que as coisas vivem desligadas e não relacionadas: “Eu uso o meu carro para viajar porque não sei se há alguém que quer ir à mesma hora para o mesmo local que vou” ou “eu uso o meu carro porque não sei a que horas é o comboio ou nem sei que autocarro me pode depois ligar ao meu destino”. Estas citações de exemplo, mostram pessoas não informadas e desligadas de um conhecimento comum. A revolução tecnológica acontece quando tudo se liga, tudo fica conectado para um bem/propósito comum. Aí a figura de uma “inteligência central”, mas ao mesmo tempo distribuída para efeitos de segurança e de otimização de recursos, pode realmente ajudar todos e individualmente cada um de nós.
Esta enorme quantidade de dados gerada irá, sem dúvida, contribuir para a sustentabilidade de tudo melhorando a eficiência dos processos. São enormes os desafios computacionais ou técnicos que se adivinham. Serão também enormes os desafios de segurança que se irão impor num futuro digital e conectado. Num contexto de mobilidade, a “cybersegurança”, será também crucial. As consequências de qualquer forma de “terrorismo digital” podem ser muito negativas e atirar para a idade da pedra os esforços em curso. Tal é particularmente visível no contexto de carros conectados, cooperativos e automatizados. Com o advento das comunicações de baixa latência e alto débito de informação (o denominado 5G) a realidade de um veículo conectado e autónomo está mais próxima. No CCG estamos já a colaborar nos primeiros testes que se realizam nesta área e estamos muito otimistas que os próximos anos serão de mudança.
Estas ferramentas articular-se-ão como um todo e irão ser o futuro da resolução dos problemas que criámos de sustentabilidade ambiental. Só assim poderemos ter um planeta de recursos finitos a servir de lar para uma população crescente em número e em exigências de conforto.
É possível pensar-se a mobilidade sem a questão tecnológica e as soluções que ainda estão para surgir? Isto torna a questão da mobilidade cada vez mais interessante e desafiante para as chamadas “tecnológicas”?
Não é possível dissociar a mobilidade, da necessidade das ferramentas tecnológicas e de soluções que terão de ser criadas no futuro. O desafio da mobilidade é crescente nos seus vários constituintes: mais meios de transporte, mais necessidades de mobilidade, mais pessoas, mais disparidade geográfica, menos espaço disponível nas cidades etc.. Só a tecnologia nos poderá permitir lidar com estes desafios crescentes de forma completa e capaz. Só um mundo conectado, de forma segura, poderá alimentar um sistema capaz de lidar com as variáveis que irão permitir a existência de uma mobilidade sustentável.
Os “donos do mundo” passarão a ser os detentores da informação e os detentores das comunidades. As “tecnológicas” passarão a ser o combustível da economia e o mundo passa a ser um local diferente: nem pior, nem melhor, só diferente. Não será por isso um mundo mais impessoal ou menos social. A tecnologia pode ser ferramenta para aproximar pessoas ou diminuir fossos de desigualdade social. A tecnologia pode até diminuir as necessidades de mobilidade e desta forma contribuir para a solução do problema. Tomemos, por exemplo, aplicações como: a teleassistência com realidade aumentada, as teleconferências, e-learning, etc. Quantas toneladas de CO2 já terão sido evitadas de emitir no mundo com estas tecnologias que já são uma realidade? Quantas mais não surgirão no futuro?
Com o aparecimento destas possibilidades tecnológicas emergentes cria-se um novo mundo de possibilidades. Novas empresas, novos modelos de negócio e novos paradigmas e mais ferramentas de mobilidade. O futuro está já aqui e será sem dúvida muito interessante.