Supply Chain 4.0

Como o 5G vai modelar o futuro da cadeia de abastecimento

Logística: o futuro pode estar na automação e na robótica

No final de 2020, a empresa de logística Ice Mobility começou a testar uma nova solução privada de ‘edge computing’ móvel em 5G criada pela Verizon e Microsoft Azure nos Estados Unidos. A tecnologia 5G e MEC (Multi-access Edge Computing) foi implementada on-site com o desígnio de ajudar a Ice Mobility no empacotamento de produtos com a assistência de visão por computador. Segundo explicou a Verizon, a possibilidade de compilar dados em tempo-real sobre erros no empacotamento permitiram à empresa poupar 15% a 30% no tempo de processamento e melhorar a garantia de qualidade on-site.

“Isto é só o princípio”, disse o CEO da Ice Mobility, Mike Mohr, no anúncio da parceria. A solução, que fornece dados automatizados em tempo real, “permitirá lançar novos produtos exclusivos com poupança de custos, mantendo os padrões mais elevados de execução, aumentando significativamente o rendimento e reduzindo os custos.”

Uma solução deste tipo e implementada em larga escala só é possível devido às características únicas e disruptivas do 5G, a nova geração móvel que está em grande expansão nos Estados Unidos, Ásia e algumas partes da Europa.

Aqui ao lado, no Porto de Barcelona, a Vodafone fez uma parceria com a IBM e Mobile World Capital Barcelona para o projeto-piloto “5G Maritime”, cujo objetivo é gerir o fluxo de barcos e navios que atracam no porto diariamente. São cerca de 9 mil por ano, alguns dos quais com dimensões até 400 metros, e o projeto faz uso de sensores de movimento e imagens para localizar cada embarcação em tempo real e com enorme precisão. Além de 5G, a plataforma recorre a Inteligência Artificial e MEC para que os operadores possam analisar imagens das câmaras espalhadas pelo porto, cruzadas com informação instantânea sobre a proa, popa e movimento das embarcações. Como resultado, é mais fácil dar assistência remota à navegação, permitindo gerir as operações de entrada e da doca de forma mais segura e sustentável.

Estes são dois exemplos de como o 5G está a ser testado para concretizar a visão de uma cadeia de abastecimento e logística digitalizada. Embora o processo esteja muito atrasado em Portugal, o que está a ser feito nos mercados mais avançados oferece uma imagem interessante da disrupção que o 5G irá representar em praticamente todos os sectores, do consumo à indústria. Os investimentos e a adesão à tecnologia foram interrompidos pela pandemia de Covid-19, mas os constrangimentos provocados pela emergência de saúde pública mostraram a urgência de acelerar a sua adoção. Num mundo digitalizado, com modelos de trabalho híbrido e cada vez mais funções automatizadas, a fiabilidade e capacidade das redes são fundamentais.

É nesse contexto que se antecipa uma transformação significativa das cadeias de abastecimento em todo o mundo. Ao contrário das gerações móveis anteriores, o 5G não é uma evolução que oferece simplesmente maior velocidade e capacidade. Esta rede móvel é fundamentalmente diferente e tem características únicas, que a diferenciam do 3G e 4G. A sua aplicação no contexto empresarial tem de ser pensada de forma diferente: não é apenas uma questão de as empresas fazerem upgrade para débitos mais elevados.

No sector da logística, o 5G irá fornecer maior transparência, visibilidade e eficiência em toda a cadeia, tornando possível rastrear o movimento de bens e informação em qualquer parte do mundo e em tempo real. Esta cadeia de abastecimento digital dependerá de uma conectividade permanente e de ponta a ponta, o que só é possível com 5G, que permite a monitorização de dez vezes mais dispositivos a uma velocidade e com uma fiabilidade sem precedentes.

Mais que uma evolução 

O responsável do Vodafone 5G Hub em Portugal, Pedro Santos, chamou-lhe um “canivete suíço” da tecnologia. A nova geração móvel permite criar novos serviços pela combinação de características diferenciadoras que possui. Primeiro: taxas de transmissão de dados a velocidades estonteantes, até 10 gigabits por segundo, o que é 100 vezes melhor que o 4G. Isto é, claro, num cenário ideal. Mas mesmo com velocidades inferiores ao máximo potencial, o 5G é ainda um salto tremendo, capaz de trazer melhorias significativas de produtividade.

Segundo: conexões ultra fiáveis, equiparáveis à solidez das ligações com fios. Só esta garantia – 99,999% – permitirá construir em cima da tecnologia soluções de âmbito crítico.

Terceiro: muito baixa latência, tão baixa quanto menos de 1 milisegundo. É uma melhoria incrível comparada com os 200 milisegundos do 4G, algo essencial para suportar conexões sem atraso em aplicações como cirurgia remota e condução autónoma.

A quarta característica, mMTC (Massive Machine Type Communication) é algo particularmente importante na logística, porque se refere ao suporte de densidades de dispositivos muito elevadas. Com todo o tipo de sensores e dispositivos conectados à Internet das Coisas (IoT), é necessário suportar as suas conexões e escalar a dimensão do parque com facilidade. O 5G cobre um milhão de dispositivos por quilómetro quadrado, dez vezes mais que o 4G.

E com todos estes aspetos, é importante que a nova geração também seja muito mais eficiente em termos de consumo energético. A estimativa é de que consumirá apenas 10% da energia consumida por equipamentos e dispositivos 4G. Ao mesmo tempo, permite uma implementação mais rápida e com isso diminui o prazo de lançamento de novos serviços.

A virtualização e “fatiamento” (slicing) das redes também contribuem para a sua natureza distinta, oferecendo a possibilidade de usar a mesma infraestrutura física para suportar casos de uso diferentes. Vamos entrar num cenário em que o mundo físico e digital se conjugam e os dispositivos da Indústria 4.0 e Internet das Coisas comunicam entre si de forma constante, independentemente de qualquer fronteira geográfica. É a cadeia de abastecimento hiper-conectada.

O futuro da logística segundo o 5G

Num estudo recente publicado no International Journal of Logistics, Ianire Taboada e Himanshu Shee concluem que o 5G “pode reduzir custos, melhorar a qualidade, aumentar a eficiência da entrega e tornar a cadeia de abastecimento flexível e com capacidade de resposta, e ajudar os serviços ao cliente a melhorarem o desempenho sustentável das empresas.” Na pesquisa, os autores enquadram o 5G como “uma tecnologia inovadora com capacidade para aumentar o fluxo de informação da cadeia de abastecimento, algo que é percebido como sendo uma melhoria significativa no planeamento.”

Os resultados deste tipo de estudos apontam para uma mudança estrutural num sector que tem experimentado enormes desafios, em especial no último ano e meio, com as exigências derivadas da pandemia – aumento exponencial do comércio eletrónico, procura por entregas ultrarrápidas, escassez de produtos e componentes e constrangimentos no trabalho de armazém, entre outros.

Com 5G, o movimento de bens ao nível mais micro será monitorizado e analisado em tempo real, desde os armazéns e centros de distribuição até ao destino final. Todos os modos de transporte serão rastreados, incluindo drones e veículos autónomos. As torres de controlo terão sistemas de inteligência artificial a auxiliar nas decisões, com analítica avançada a permitir passos instantâneos. O movimento de qualquer bem em qualquer parte será monitorizado.

Tudo isto tem repercussões ao nível das operações em armazém e o seu transporte, efetivamente digitalizando a cadeia de abastecimento: a chegada do 5G vai simplificar as operações logísticas.

Amit Gautam, presidente da tecnológica Innover e membro do Conselho de Tecnologia da Forbes, indicou que há já operações de logística de grande porte com “enorme sucesso” na implementação de 5G. Um exemplo é o Porto de Livorno, um dos mais importantes da costa italiana, que atrai cerca de 7 mil embarcações por ano. Neste caso, o Porto assinou uma parceria com os suecos da Ericsson para criar uma rede 5G privada que resolvesse os maiores problemas operacionais – gestão de grandes volumes de carga, simplificação do processo e integração da força de trabalho espalhada em múltiplas localizações.

O grosso das operações passou a ser feito por veículos autónomos, controlados remotamente através da nuvem e computação distribuída. Poupanças anuais? 2,51 mil milhões de euros por ano. Impacto na sustentabilidade? Redução das emissões de carbono em 8%.

“Com 5G, as empresas de logística conseguem etiquetar, rastrear e registar todas as remessas automaticamente, o que endereça uma série de problemas tais como carga perdida, contentores extraviados, contrafação e contrabando e, no geral, processos manuais ineficientes”, sublinhou Gautam.

Outro dos impactos que a nova geração móvel terão no sector passa pela reformulação da gestão do inventário dentro dos armazéns. As empresas poderão gerir os produtos de forma mais transparente e eficaz, através da utilização de veículos autónomos, a otimização de processos críticos e a possibilidade de executar tarefas de controlo e manutenção remotamente.

Um exemplo disto vem de Inglaterra, com a experiência do supermercado online Ocado. Com o intuito de otimizar o processamento e entrega de bens através de robótica, a Ocado substituiu a sua rede Wi-Fi por uma rede 5G e reportou enormes ganhos de eficiência – por exemplo, a possibilidade de completar uma encomenda de 50 produtos em menos de cinco minutos.

Um aspeto adicional relevante na forma como o 5G modelará o futuro da cadeia de abastecimento é a modernização da gestão de frotas. A nova geração móvel permitirá ter respostas em tempo real no controlo de veículos autónomos, por exemplo, evitando colisões e fornecendo informações exatas sobre a sua localização e estado.

É aqui que a baixa latência se torna essencial: sem essa condição não é possível confiar nos parâmetros de segurança necessários para ter veículos autónomos a circular. Os veículos autónomos que estão a testar 5G demonstram um reforço da segurança em relação a veículos controlados por humanos. Além disso, garantem comunicações seguras entre veículos, essenciais em tudo desde camiões autónomos a frotas robóticas em armazém. O potencial de poupanças no longo prazo, disse Gautam, é de milhares de milhões.

Há que referir também como o 5G dá potência a aplicações de realidade aumentada no contexto da indústria e logística. Em Portugal, a NOS tem um projeto com recurso aos óculos inteligentes da Vuzix no seu armazém, que tem grandes dimensões e milhões de produtos, onde foi instalada uma rede 5G de teste. A operadora implementou a solução de realidade aumentada para que os operadores que utilizam os óculos possam identificar e recolher objetos no armazém de forma mais rápida e com maior eficácia, dispensado a utilização de papel e localizando de imediato as referências para recolha. O resultado é poupança de tempo, minimização das deslocações dos operadores e redução do erro humano.

O que se segue? 

A boa notícia é que o 5G será uma realidade a nível mundial. O estudo “Mobile Economy 2021” da associação GSMA, que representa mais de mil empresas do sector das telecomunicações a nível mundial, prevê que 40% da população global terá acesso a 5G em 2025. O relatório aponta para a China, Coreia do Sul e Estados Unidos como líderes na disponibilização da nova geração móvel.

A má notícia é que a sua implementação não é homogénea e as expectativas mais otimistas apontam para que estejamos ainda a dois anos de atingir uma cobertura significativa em mercados-chave, como o dos Estados Unidos.

Em Portugal, sucessivos adiamentos e reformulações das regras do leilão de frequências estão a ditar um atraso relevante em relação aos pares europeus, o que adiará os investimentos das empresas em soluções inovadoras. Mas a situação vai ser eventualmente resolvida e o futuro acabará por se apresentar – das torres de controlo à porta dos armazéns.

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