O confinamento, aliado ao encerramento dos estabelecimentos comerciais, levou a um acumular de contentores cheios de mercadorias que não se conseguiram escoar. Deveriam ter regressado, vazios, ao ponto de origem, mas tal não aconteceu. O resultado foi um aumento – em alguns casos de 600% – do preço dos contentores vazios.
O transporte marítimo vive de um frágil equilíbrio entre contentores vazios e cheios, que navegam por entre as várias rotas. É a circulação desses contentores que permite que o comércio internacional se faça e se mantenham equilibrados os preços dos contentores. Ou mantinham. Porque desde o início da pandemia de Covid-19 e as consequentes restrições económicas e humanas verifica-se um desequilíbrio na circulação desses mesmos contentores.
No início houve um acumular de contentores vazios na Europa que não conseguiam regressar à China – principal fornecedor mundial. Depois foi o inverso. Atualmente o transporte marítimo (a circulação, pelo menos) já normalizou (ou está perto disso) mas o problema é outro. Com o confinamento registado em diversos países o comércio parou. Por completo. Há lojas fechadas há um ano. E embora tenha havido uma transferência para o comércio eletrónico isso não compensou a perda registada pelo encerramento de espaços físicos.
Para percebermos a gravidade da situação, basta pensar que as compras de retalhistas são planeadas com um ano de antecedência. E que agora as grandes marcas deveriam estar a planear (e encomendar) a produção do próximo ano. Acontece que, em muitos casos, ainda têm toda (ou quase toda) a coleção (no caso do vestuário, por exemplo) do ano passado armazenada, sem conseguir escoar a mesma. Há contentores que estão cheios de produtos que deveriam estar nas lojas ou até mesmo nas casas dos consumidores. E tudo isto está a provocar um desequilíbrio no normal trânsito dos contentores e, consequentemente, no valor dos mesmos.
Esta é, contudo, uma explicação algo simplista da situação. Porque, como explicou à LOGÍSTICA&TRANSPORTES HOJE José Luís Cacho, presidente da Associação dos Portos de Portugal (APP), o reajuste inicial, originado pelo travão do comércio internacional, foi feito maioritariamente com duas ações: layup de alguns navios e antecipação de docagens obrigatórias, ou seja, o número de navios disponível para o tráfego de carga contentorizada diminuiu bastante. É certo que, desde essa altura, o comércio tem vindo a recuperar, “com especial destaque para a China”, que não só voltou aos seus níveis normais de produção como conseguiu aumentar as exportações. Acontece que – e esse é um dos problemas – “tanto na Europa, como nos Estados Unidos, continuam a existir muitas limitações operacionais que criam constrangimentos à atividade logística, obrigando a ciclos de entrega/recolha de mercadoria mais longos, com maior período de utilização dos contentores”.
E há ainda uma outra questão que teve grande influência na questão do envio contentorizado. José Luís Cacho chama a atenção para o facto de que houve uma “diminuição muito significativa nos voos comerciais de passageiros, o que cria muitas dificuldades na carga que normalmente é transportada por avião, parte dessa carga passou a procurar também o transporte marítimo”. Qual o resultado desta combinação? “Estes constrangimentos na atividade logística, aliados à menor oferta disponível por parte dos armadores, cria dificuldades ao nível da disponibilidade de contentores vazios, necessários para acompanhar a recuperação económica já sentida em grande parte dos países”, constata o presidente da APP, que acrescenta que o “aumento da procura por espaço nos navios que fazem as rotas transatlânticas, não está a ser acompanhado por um aumento da disponibilidade por parte dos armadores, criando pressão e aumentando o preço dos fretes para níveis históricos”.
E o caos gerou… aumentos de 600% nos preços
Sara Monte e Freitas, partner da Expense Reduction Analysts, refere que a situação esteve relativamente tranquila até outubro do ano passado, altura em que houve um “colapso brutal”. Não que o problema só tenha surgido nessa altura, mas foi nessa data que o acumulado atingiu um ponto inaceitável. Foi o acumulado dos estivadores, dos transportadores, do armazenamento local dos portos… inclusive empresas que abriram insolvência. Tudo junto teve como reflexo o colapso do segmento no final do ano passado. Derivado, em grande parte, na opinião de Sara Monte e Freitas, do não consumo. “Tudo aquilo que importo e não coloco nas lojas vai ter de ficar nalgum lado”, refere. Ou fica num armazém ou num contentor parado na alfândega. Com o comércio parado os contentores, cheios, ficaram parados, nalgum sítio.
O resultado foi o aumento brutal do preço dos contentores. Aumentos que chegaram a ser de 600%, no caso de Shangai para Portugal, por exemplo. São valores nunca vistos, afirma a partner da Expense Reduction Analysts. Chega-se ao cúmulo de, mesmo admitindo pagar valores exorbitantes, não se conseguir arranjar contentores vazios.
Há ainda outro problema relacionado com a escassez dos contentores: a manutenção dos mesmos. O que leva a haver menos navios, porque as empresas têm receio de comprar novos navios (dada a instabilidade económica mundial). Dito por outras palavras: tudo o que está relacionado com o transporte marítimo parou. “E tudo isto gera menos trânsito, faz com que menos navios circulem e menos contentores existam, porque não há esse investimento no negócio”, constata Sara Monte e Freitas.
Lisboa, ou mais precisamente a atividade do Porto de Lisboa, é um bom exemplo. Como refere José Luís Cacho, parte da operação de carga contentorizada do porto “é feita com a reposição de contentores vazios, maioritariamente vindos de dois destinos, ilhas (Madeira e Açores) e África, e que são depois utilizados pelas empresas para o envio de mercadoria. Esta é uma situação que cria alguma dificuldade, não ao porto em si, mas às empresas que necessitam destes contentores para efetuarem as suas exportações/importações, diminuindo os tráfegos neste segmento de carga”.
Também Sines sentiu “ligeiras flutuações no volume de tráfego, direta e indiretamente ligadas à pandemia”. No entanto o presidente da APP afirma que a “forma como o mercado Chinês, maioritariamente exportador, reagiu nos primeiros meses e a consequente resposta dos mercados Europeu e Americano, foram a principal causa dessas flutuações em Sines, uma vez que este porto faz a ligação entre estes três importantes mercados”.
A importância de uma saudável navegação do transporte marítimo foi, mais uma vez, revelada pela questão do cargueiro encalhado no canal do Suez. Durante uma semana a livre circulação naquela que é uma das artérias marítimas mais importantes do mundo foi impedida, o que colocou em espera centenas de outros navios. Algo aparentemente simples (e inofensivo) colocou em causa o comércio mundial que já atravessava dificuldades pela escassez de contentores vazios.
O certo é que o desequilíbrio no envio contentorizado já vem do ano passado e ainda irá continuar. Sara Monte e Freitas acredita que antes de setembro a situação não regressará à normalidade. Porque, antes de tudo, “é preciso consumir”. O que, dada a ainda estabilidade no que confere aos valores da pandemia e consequente estado de confinamento, coloca uma grande questão sobre em que data é que isso acontecerá. “Tudo vai desbloquear no dia em que as pessoas poderem consumir”, contata Sara Monte e Freitas, acrescentando que este consumo terá de ser consumo na loja, no restaurante, no café. Basicamente quando a liberdade de circulação e a liberdade comercial for restaurada.
A data apontada – setembro – assenta num pressuposto de que, nessa altura, o processo de vacinação estará (mais) massificado e que permitirá a livre circulação das pessoas e a abertura do comércio.