Portos

Quebra em Sines afeta resultados

Porto de Setúbal

Depois de seis anos de crescimento interrupto, o movimento portuário dos portos do continente caiu nos primeiros dois meses deste ano. O porto de Sines foi o grande responsável pela quebra de movimento e, como representa mais de metade da movimentação nacional, condicionou os resultados globais, não obstante a boa prestação dos restantes portos. Ainda é cedo para prever se se trata de uma quebra pontual ou se indicia um contraciclo, talvez potenciado pela situação geopolítica pouco favorável. 

Oito por cento foi a quebra no volume de carga movimentada nos portos comerciais do continente nos primeiros dois meses deste ano, dizem as estatísticas mais atuais da AMT – Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, à data de fecho desta edição. Em janeiro e fevereiro foram movimentadas 14,7 milhões de toneladas, menos 1,28 milhões que em igual período de 2017.

A principal quebra de movimento assistiu-se no Porto de Sines: o decréscimo foi de 19,1% face ao período homólogo, com menos 1,7 milhões de toneladas movimentadas. A AMT desvaloriza o resultado negativo, lembrando que o período janeiro-fevereiro de 2018 está a ser comparado com o seu homólogo de 2017, no qual Sines registou um notável pico de atividade: um crescimento global de 30,4% e de 51,5% na carga contentorizada (induzida pelo aumento de 65,1% no tráfego de transhipment de contentores, medido em TEU). Desta forma, explica, “o comportamento deste porto reflete provavelmente um regresso à trajetória normal, a que subjaz um crescimento global de carga de 8,2% e 20,2% na carga contentorizada, quando comparado aos valores homólogos de 2016”.

A desaceleração do movimento portuário é confirmada pelas estatísticas apresentadas pela AMT, mas também pelos dados relativos às escalas de navios até março deste ano, confirma a AGEPOR – Associação dos Agentes de Navegação de Portugal, que mostram uma “quebra evidente” no número de escalas de navios de contentores no porto de Sines. “Parece claro que o transhipment em Sines diminuiu. Assistiu-se a uma redução de 11,8% no número de escalas de navios no primeiro trimestre de 2018, com 463 escalas, por comparação com o período homólogo, onde se registaram 525 escalas”, explica António Belmar da Costa, com base nos dados estatísticos da AGEPOR.

O impacto de qualquer alteração em Sines é muito grande no panorama nacional, uma vez que este grande porto representa mais de metade de toda a carga movimentada no país, com uma quota de 50,1%, apesar de ter perdido 6,9 pontos percentuais nos primeiros dois meses do ano, de acordo com os dados da AMT. “Apesar da perda de quota, o porto de Sines continua a ser muito representativo para o país e qualquer oscilação tem um impacto grande no total da atividade portuária”, explica o Diretor-executivo da AGEPOR.

Exportações crescem… menos

Belmar da Costa deixa claro que a diminuição do movimento portuário não está relacionada com o panorama português, e pode não significar uma redução das exportações ou das importações nacionais, mas sim uma “redução da carga que passa por Portugal, mas que não é oriunda do País ou vem para cá”. O relatório da AMT confirma: “o tráfego de transhipment foi responsável pela variação global negativa assinalada”, com uma diminuição de 22,9% face ao período homólogo. O peso deste tipo de tráfego é enorme, sobretudo em Sines, onde representou 78,1% do volume de TEU movimentados nos primeiros dois meses, totalizando 44,3% do volume movimentado em todos os portos nacionais.

É cedo para dizer se a desaceleração observada nos primeiros meses deste ano é pontual ou se entramos num novo ciclo que quebra o crescimento contínuo que se tem vindo a verificar desde 2012 e que atingiu o auge em 2017. “Pode ter sido um período em que houve uma pequena desaceleração, logo seguido por uma retoma. É algo que muitas vezes acontece a nível global, nomeadamente aconteceu no ano passado”.

Não se verificando o cenário de quebra pontual, Belmar da Costa avança com algumas possíveis explicações, embora deixe claro que “ainda é precoce tirar conclusões definitivas”. Uma possível causa diz respeito aos sinais de desaceleração nalguns motores da economia mundial, como a Alemanha, a par do efeito psicológico das anunciadas barreiras comerciais por parte dos EUA e que tendem a ser retaliadas por outros países. “O panorama não é o mais otimista, embora ainda seja cedo para afirmar que a anunciada quebra no tráfego marítimo-portuário possa ser já uma consequência das barreiras comerciais que estão a ser impostas pelos EUA, e que podem ter levado a alguma indefinição”.

A verdade é que também as exportações portuguesas estão a crescer a um ritmo inferior ao de anos passados. Dizem dados do INE – Instituto Nacional de Estatística que o crescimento das exportações foi de 6,2% em fevereiro, o que representa uma diminuição de 4% face ao mesmo mês do ano anterior. A quebra ficou a dever-se sobretudo à diminuição de quase 26% nas vendas para Angola, a par da forte quebra nas exportações para países de fora da União Europeia, apesar do aumento de vendas para o Brasil e os EUA. Já o comércio com os países da União Europeia cresceu 10,3% em fevereiro, face ao mês homólogo. Os maiores crescimentos verificaram-se nas vendas para França e Alemanha, de 13,3% e 16,4%, respetivamente.

No mesmo mês, as importações cresceram 8,5%, menos que no mês homólogo, mas ainda assim um crescimento superior aos das exportações. A redução de crescimento deve-se sobretudo à diminuição da importação de gasóleo à Rússia.

Exportadores competitivos

O menor crescimento das exportações não se explica por uma redução do esforço exportador das empresas portuguesas, mas antes porque os outros países estão a comprar menos, defende o Diretor-executivo da AGEPOR. “A economia alemã está a desacelerar, as nossas exportações para Angola não saem favorecidas com a situação diplomática entre os dois países e os EUA vivem um período de incerteza, com as dificuldades que começam a ser criadas ao nível das importações”. Na sua opinião, ainda é cedo para perceber quais serão os setores mais afetados, em termos das exportações portuguesas.

O responsável vê o futuro com “alguma preocupação”, mas afirma-se “moderamente otimista”. Tem expetativa que o complicado puzzle geopolítico “acalme”, o que criará condições para algum desanuviamento, que volte a facilitar o comércio mundial. “Os ventos têm sido neutros, senão mesmo favoráveis em relação ao início do ano”, diz referindo-se à situação entre as duas Coreias e à relação dos EUA com a Coreia do Norte, o Irão e a China. “Seria muito importante que os EUA e a China se entendessem, para não prejudicar o comércio global com barreiras que são completamente contrárias ao espírito da globalização. Julgo que trinfará sempre a razão e esta está do lado da liberdade de circulação do comércio”.

No panorama nacional, Belmar da Costa olha com alguma preocupação “a onda de greves que se aproxima e que prejudica enormemente a economia, pelo efeito, ainda que indireto, na produtividade das empresas”. Na sua opinião, evitar a retração das trocas comerciais não está nas mãos dos portos ou das empresas portuguesas. Aos portos cabe “facilitar os negócios, mas “podem não complicar”, alerta, aludindo aos anúncios de greve por parte da estiva. “Vemos as greves como uma ameaça grave, que vem criar problemas sérios ao mercado e têm uma influência muito grande junto das cargas, numa altura em que a situação já não está tão boa como no ano anterior. O que se pretenderia era que se vivesse um clima de paz social e de laboração contínua, sem quebras”.

Por sua vez, as empresas portuguesas, sejam PME ou não, estão bem preparadas para enfrentar os desafios da exportação. “Os exportadores portugueses ganharam experiência e “profissionalizaram-se” muito nos últimos anos, tendo-se tornado altamente competitivos. Sempre e quando o clima é favorável, avançam”, diz Belmar da Costa.

Leixões continua em alta

Apesar da quebra de movimento em Sines, os primeiros dois meses do ano foram positivos para a maioria dos portos do continente, dizem os dados da AMT. Os portos de Leixões e Aveiro registaram “o volume de carga mais elevado de sempre nos períodos homólogos”, com crescimentos de 5% e 21,6%, respetivamente. Com este crescimento, o porto de Leixões aumentou a sua quota em 2,6%, passando a deter 20,8% do total movimentado, afirmando-se claramente como o segundo maior porto nacional. Também o porto da Figueira da Foz apresentou um significativo acréscimo de 26,4% nos primeiros dois meses do ano, face ao período homólogo.

Leixões continua, portanto, na rota ascendente dos últimos anos. Em 2017 teve o seu melhor resultado de sempre, com 19,5 milhões de toneladas de carga movimentada, mais 1,2 milhões do que em 2016. A média mensal de toneladas movimentadas no porto de Leixões foi superior a um milhão e meio, com os meses de maio e de outubro a contribuírem de forma expressiva para o sucesso do balanço de mercadorias.

Por sua vez, as mercadorias exportadas já representam mais de um quarto do total movimentado. Em 2017 cresceram 3,22%, superando 5 milhões de toneladas de mercadorias. Os Países Baixos, Reino Unido, Espanha, Marrocos e Angola foram os principais destinos e as principais mercadorias exportadas foram a carga contentorizada, os produtos refinados, o ferro/aço e o granito.

As perspectivas da APDL – Administração dos Porto do Douro, Leixões e Viana do Castelo para os próximos anos passam por continuar a captar novas rotas do tráfego marítimo para a Península Ibérica, bem como potenciar e aumentar a intermodalidade, alargando o hinterland e promovendo a plataforma multimodal para a instalação de novos operadores logísticos. “Queremos reforçar Leixões como o principal porto do Noroeste Peninsular”, dizem os responsáveis da APDL.

 Para isso, Leixões conta com o aumento da capacidade no tráfego de contentores e granéis, previsto para breve, a par da qualidade das condições oferecidas, onde se destacam a plataforma multimodal, a qualidade dos equipamentos utilizados, incluindo o reforço do trem naval da APDL, as condições de segurança da navegação e das operações de carga e descarga dos navios e os sistemas de gestão cada vez mais digitais.

Bem posicionados para a JUL

Nos últimos anos, a estratégia da APDL passou pela modernização dos portos, suas infraestruturas e acessibilidades marítimas e terrestres e pela especialização da atividade de cada porto e simplificação de procedimentos. Fundamental para o porto de Leixões, e para o conjunto dos portos nacionais, foi a introdução da Janela Única Portuária (JUP), que veio simplificar procedimentos e melhorar a operacionalidade.

Sendo a JUP uma realidade, os olhos estão agora postos na Janela Única Logística (JUL), que vai alargar a gestão dos fluxos de informação ao longo da cadeia logística, integrando o transporte marítimo e os portos comerciais do continente com os modos de transporte terrestres e a ligação aos portos secos. “Desta forma, está a ser melhorada a conetividade do tráfego das mercadorias no hinterland, aproximando os portos dos seus clientes, através da criação e aplicação de um novo modelo harmonizado de procedimentos eletrónicos de transporte intermodal em todos os portos marítimos”, nota a APDL.

António Belmar da Costa concorda que a introdução de tecnologia digital nos portos é uma das forças do sistema portuário português. “Quando há dez anos atrás criou a JUP, Portugal criou um modelo de referência a nível europeu. Com exceção da Noruega, foi o único país europeu que conseguiu que alfândega e as administrações portuárias partilhassem uma plataforma tecnológica comum e, por isso, foi dos primeiros países a obter as vantagens daí inerentes”.

Este histórico faz com que Portugal tenha agora todas as condições para implementar com sucesso a JUL, conseguindo ser pioneiro e recolher, no futuro, os benefícios de produtividade que as cadeias logísticas vão reconhecer como sendo úteis. “É claramente uma medida positiva e que demonstra a nossa aposta – e do governo – de criar condições para que Portugal seja ainda mais competitivo”. Porque, explica o Diretor-executivo da AGEPOR, “para crescermos a números interessantes não nos chegam as cargas que importamos ou exportamos, precisamos que as cargas dos outros passem pelos nossos portos e, idealmente, aqui acrescentem valor”.

A Presidente do Conselho de Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, está de acordo. Na sua opinião, a implementação da JUL em todos os portos do país (Continente e Ilhas) será determinante para a fiabilidade do sistema de transportes e para a sua eficiência. “Com a implementação deste tipo de projetos, os portos nacionais ficarão com ferramentas de primeira linha para poderem disputar a competitividade, a qualidade e a eficiência com outros portos que são seus diretos concorrentes, ao mesmo tempo que contribuem para o desenvolvimento das exportações e da produção nacional”, diz Lídia Sequeira.

Novas infraestruturas, precisam-se

A APDL considera positivo o reforço da ligação dos portos nacionais à Rede Transeuropeia de Transportes (RTE -T), que tem sido feito nos últimos anos e que contribui para “melhorar a intermodalidade entre os modos marítimos e ferroviários, aperfeiçoando a utilização plena das infraestruturas terrestres”.

A par, destaca ainda a estratégia assumida pelo governo para potenciar as atividades económicas do mar, que pretende que Portugal assuma um papel de liderança no setor e que se criem oportunidades de negócio que levem à geração de emprego e ao aumento das exportações. Os responsáveis da APDL defendem que, no futuro, “será importante ir para além do desenvolvimento das infraestruturas portuárias, construindo valor acrescentado para os nossos operadores, como as plataformas logísticas ou a inovação”.

Também Lídia Sequeira salienta a importância dos investimentos previstos para o setor, no âmbito da Estratégia para o Desenvolvimento do Setor Marítimo-Portuário, os quais visam “dotar os portos de infraestruturas modernas, associadas ao desenvolvimento tecnológico, ao reforço da segurança e ao desenvolvimento de atividades paralelas que contribuam para o desenvolvimento e consolidação da atividade”.

Estes investimentos são essenciais para apoiar o desenvolvimento do setor exportador que hoje se faz sentir em todos os portos nacionais, considera a Presidente da APSS: “Exige um forte impulso no investimento, público e sobretudo privado, capaz de transformar os portos em unidades modernas que melhorem a sua ligação ao foreland, mas também as transformem em unidades que não constituam pontos de rutura no sistema de transporte e facilitem o acompanhamento das mercadorias até ao seu destino final”.

À espera das concessões

A AGEPOR confirma continuar a ter grandes expetativas nos investimentos anunciados, mas que tardam em ser concretizados. “Continuamos a pressionar para que os investimentos se façam com a maior urgência, dentro do que é possível do ponto de vista legal e de todos os procedimentos necessários, nomeadamente os estudos de impacto ambiental”, diz António Belmar da Costa.

O responsável considera que “o governo está a fazer o seu trabalho para lançar novas concessões, mas é algo que já deveria ter sido feito há mais tempo. Neste momento sente-se já uma quebra de produtividade relativamente ao passado, pelo facto de ainda não termos os novos terminais e consequentes novas concessões em marcha”. A urgência faz-se sentir sobretudo nos portos de Leixões, Lisboa e Sines.

O responsável da AGEPOR exemplifica com o caso de Leixões, dizendo existir, neste momento, um problema “muito sério” de falta de espaço a nível do terminal para os contentores, pois as obras em curso reduzem o espaço disponível, que já era de si muito reduzido face às necessidades do seu mercado. Esta situação “implica a obrigatoriedade de entrada e saída cada vez mais rápida dos contentores, forçada por um modelo tarifário que penaliza os contentores que ficam mais tempo no cais. Gostando-se ou não, o efeito prático dessa medida na economia traduz-se no encarecimento das nossas exportações e também importações”.

Outra preocupação é a reduzida comparticipação pública nos investimentos previstos. “Podemos ter um plano muitíssimo bem traçado, e nesse aspeto gostaria de referir que não estou de forma alguma a criticar o plano, mas quando se espera que sejam os privados a entrar com a quase totalidade do investimento corre-se sempre o risco que esse investimento acabe por não se fazer. E falamos de um investimento estruturante”. A AGEPOR defende que o investimento em novos terminais deve ser essencialmente privado e reconhece que “o governo fez o que foi possível”. Agora, diz Belmar da Costa, “é preciso ‘vender da melhor maneira’ as novas concessões, para garantir que as mesmas avançam e são bem sucedidas, e todos temos responsabilidades nisso”.

Setúbal quer reforçar exportações

Nos primeiros dois meses de 2018 também os portos de Lisboa e Setúbal registaram desempenhos positivos, com crescimentos de 3,9% e 3,3%, respetivamente. Os dois portos reforçaram as suas quotas no início de 2018, em 1,5% e 0,8%. Lisboa detém 12,8% do mercado e Setúbal 7,3%.

Em 2017 o porto de Setúbal movimentou cerca de 6,6 milhões de toneladas, sobretudo carga geral (3,7 milhões de toneladas) e granéis sólidos (2,6 milhões de toneladas). Nos contentores foram movimentados 152 mil TEU e no ro-ro 224 mil veículos. Este porto movimenta principalmente produtos metalúrgicos, clínquer, cimento e minérios. Este ano a APSS espera continuar a atrair carga para o porto, em especial carga contentorizada. “Esperamos consolidar a oferta atual e atrair novas linhas e novos serviços. No que respeita ao ro-ro, com o pico de produção e o incremento da exportação, estimamos que este ano será o melhor de sempre na movimentação de veículos”, diz Lídia Sequeira. 

A atividade exportadora é a predominante, com Setúbal a exportar 59% da tonelagem movimentada em 2017, num total de 3,7 milhões de toneladas, sobretudo cimento, papel e veículos. Os principais destinos da mercadoria exportada foram os países europeus (2,3 milhões de toneladas), África (1,3 milhões de toneladas) e Ásia (130 mil toneladas). No ro-ro, o principal país de destino foi a Alemanha e, nos contentores, o destaque foi para o Reino Unido, que também foi o principal país de destino das mercadorias embarcadas no porto de Setúbal.

A administração da APSS espera, no curto e médio prazo, reforçar as exportações, com mais incidência nos segmentos ro-ro, dos contentores, produtos metalúrgicos e papel. Espera-se que o movimento de carga ro-ro seja alavancado pelo aumento substancial do crescimento da exportação de veículos fabricados pela VW-Autoreuropa, desde o início da produção do novo modelo. Por Setúbal também são exportados veículos montados pelas restantes unidades de produção a operar em Portugal, como o Grupo PSA, Mitsubishi e Renault.

Na sequência da melhoria das acessibilidades marítimas e do aumento da capacidade de receção de navios de maior dimensão, que deverá estar concluído ainda este ano, a APSS espera também atrair novas linhas e serviços, o que permitirá “incrementar a oferta de serviços e potenciar a instalação de indústrias e de novas atividades, nomeadamente logísticas na região de proximidade do porto”.

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