Os últimos dois dias foram marcados por compromissos de duas das grandes potências mundiais quanto às emissões de gases com efeito de estufa. Com apenas a diferença de algumas horas, a União Europeia (UE) e os Estados Unidos da América (EUA) anunciaram metas a este nível até 2030. Esta semana também está a ser marcada por uma Cimeira de Líderes dedicada ao Clima. Apesar destes compromissos, os alertas e algumas deceções foram declarados. Mas vamos por partes:
União Europeia
A Comissão Europeia, em comunicado, anunciou que tinha sido alcançado um acordo provisório sobre a Lei Europeia do Clima. Esta lei consagra os compromissos da UE de alcançar a neutralidade climática até 2050 e a meta intermédia de, até 2030, reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa em, pelo menos, 55 %, em comparação com os níveis de 1990.
“O acordo obtido sobre este elemento essencial do Pacto Ecológico Europeu deixa-me profundamente satisfeita”, declarou a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen.
“O nosso compromisso político de nos tornarmos o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050 é agora também um compromisso jurídico”, afirmou.
Já o vice-presidente executivo do Pacto Ecológico Europeu, Frans Timmermans, acrescentou:
“Alcançámos um acordo ambicioso para inscrever o nosso objetivo de neutralidade climática numa legislação vinculativa, que orientará as nossas políticas nos próximos 30 anos. A Lei do Clima moldará a recuperação ecológica da UE e assegurará uma transição ecológica socialmente justa”.
Para além da meta da neutralidade climática para 2050, o acordo introduz os seguintes elementos:
- Reduzir até 2030 as emissões líquidas em 55% quando comparadas com 1990;
- O reconhecimento da necessidade de reforçar o sumidouro de carbono da UE através de um regulamento LULUCF mais ambicioso;
- Um processo para fixar uma meta climática para 2040;
- Um compromisso a favor de emissões negativas após 2050;
- A criação do Conselho Consultivo Científico Europeu sobre as Alterações Climáticas;
- Disposições “mais rigorosas” em matéria de adaptação às alterações climáticas;
- Uma “forte coerência” entre as políticas da União e o objetivo da neutralidade climática;
- Um compromisso de colaborar com diferentes setores para preparar roteiros setoriais que definem o caminho para a neutralidade climática em diferentes domínios da economia.
Reações ao Lei do Clima Europeu
Citado pela RTP, o primeiro-ministro português, António Costa, considera que este acordo “muito importante” é o atingir de um dos principais objetivos da Presidência portuguesa do Conselho.
Já o ministro português do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, reagiu, afirmando que “a Lei Europeia do Clima é a ‘lei das leis’, definindo o enquadramento da legislação climática da UE para os próximos 30 anos”.
O presidente da Associação Ambiental ZERO, Francisco Ferreira, mostrou-se satisfeito e disse que “é um passo em frente”, em declarações à Antena 1. Contudo, referiu que ainda há muito trabalho pela frente e disse que a meta agora estabelecida não está ainda em linha com os objetivos europeus do acordo de Paris.
O diretor do Climate Action Network (CAN) Europe, uma aliança de ONG ambiental, afirmou, ao The Guardian, que este objetivo tinha sido “apressado pelos legisladores da UE para trazer algo para a cimeira dos líderes organizado pelos EUA”, uma vez que não está em linha com o Acordo de París.
“Este não é definitivamente o tipo de lei climática que ajudará a UE a liderar os esforços globais para combater as alterações climáticas”, declarou.
Outras reações
A alta responsável pela política para o clima e a energia com o European Environmental Bureau, Barbara Mariani, afirmou que o objetivo se traduz apenas num corte de 52.8% emissões reais dos setores poluentes, uma vez que o maior número teve em conta as emissões que poderiam potencialmente ser absorvidas.
“O acordo de hoje não é uma vitória para a ação climática, é uma farsa”, afirmou a responsável. “Estamos também perplexos por ver que o Conselho [dos Estados-membros] rejeitou uma proposta de extensão da meta de neutralidade climática da UE a todos os Estados-membros, o que corre o risco de desencadear a falta de responsabilização a nível nacional e criar uma Europa a duas velocidades, na qual alguns países irão inevitavelmente ficar para trás”, explicou.
Pascal Canfin, eurodeputado da Renew Europe, que preside à comissão do Parlamento Europeu para o Ambiente, afirmou ter sido “impossível” mover os 27 Estados-membros da meta principal de uma redução de 55% após um acordo numa cimeira em dezembro passado, mas que os compromissos em matéria de investimento em sumidouros de carbono foram uma vitória significativa.
“Definitivamente não havia espaço para mudar a redação ‘pelo menos 55 %”, disse. “Tentámos, não sei quantas vezes, mas não foi possível… O Parlamento Europeu estava obviamente disposto a ir ainda mais longe, mas o compromisso encontrado é ambicioso: vamos fazer mais duas vezes e meia em nove anos do que fizemos nos últimos 10 anos na Europa.”
Estados Unidos da América
Poucas horas depois, foi a vez do presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, prometer um corte de emissões. O objetivo é cortar para metade as emissões de gases de efeito de estufa na próxima década por comparação às emitidas em 2005, no país norte-americano. Foi desta forma que Joe Biden abriu na quinta-feira, dia 22 de abril, a cimeira virtual de líderes dedicada às alterações climáticas, informa o Expresso.
Estes compromissos equivalem a cerca do dobro do prometido por Barack Obama no Acordo de Paris, em 2015.
Reações ao compromisso dos EUA
Ainda antes do anúncio oficial, o New York Times, contactou alguns especialistas para perceber a sua opinião sobre este assunto.
O diretor do Center for Global Sustainability na Universidade de Maryland, Nathan Hultman, e outros especialistas descreveram o objetivo como alcançável. Mas em especial, este responsável descreveu-o como uma “ação muito significativa em todos os setores da economia americana”.
“A parte mais importante de tudo o que fazem é garantir que é durável”, disse Michael Oppenheimer, professor de geociências e assuntos internacionais na Universidade de Princeton. “Precisamos mesmo de mostrar de uma forma muito tangível que os detalhes não podem ser invertidos rapidamente, mas não temos isso”, acrescentou.
A Cimeira de Líderes dedicada ao Clima
Na cimeira onde foi apresentado o compromisso dos EUA, secretário-geral da ONU, António Guterres sublinhou: “O mundo está em alerta vermelho”. O responsável apelou a compromissos efetivos de corte de emissões para que se consiga travar o aumento das temperaturas a não mais de 1,5 °C.
Esta afirmação teve como base o relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) — “Estado do Clima Global 2020” — que relata os extremos de temperatura registados, a perda de gelo no Ártico, a proliferação de ciclones, incêndios, secas e inundações devastadoras em vários pontos do mundo, no ano passado.
A Cimeira de Líderes dedicada ao Clima foi convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, e pretende voltar a colocar a América na liderança da luta contra a crise climática, depois de Donald Trump ter “rasgado” o Acordo de Paris.
No seu discurso de abertura, Joe Biden disse que “os custos da inação continuam a aumentar” e apelou às maiores economias do mundo que intensifiquem a luta contra as alterações climáticas.
“Nenhuma nação pode resolver esta crise sozinha e esta cimeira é um passo no caminho para um futuro seguro, próspero e sustentável”, declarou.
Esta cimeira ocorre a sete meses da 26.ª Conferência do Clima da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP26), que se vai realizar em Glasgow, na Escócia.