Mobilidade

Nuno Oliveira, Administrador Executivo da Soltráfego: “Não acredito que a tecnologia vá resolver ‘sozinha’ os problemas da mobilidade urbana”

Nuno Oliveira, Administrador Executivo da Soltráfego: “Não acredito que a tecnologia vá resolver ‘sozinha’ os problemas da mobilidade urbana”

As soluções para a mobilidade estão, cada vez mais, “reféns” do impacto que a tecnologia poderá ter no futuro. No âmbito da 2.ª edição do MOB Lab Congress, que decorrerá no próximo dia 16 de maio, na Fundação Dr. António Cupertino Mirando, no Porto, a LOGÍSTICA&TRANSPORTES HOJE falou com Nuno Oliveira, Administrador-executivo da Soltráfego, que admite que as novas tecnologias “terão um impacto decisivo ao nível da gestão da mobilidade num futuro muito próximo”.

Como Administrador-executivo de uma empresa tecnológica (portuguesa) que atua no mercado de engenharia de mobilidade urbana e gestão de tráfego/TIS (Intelligent Transports Systems), Nuno Oliveira salienta, em entrevista à LOGÍSTICA&TRANSPORTES HOJE, que “a tecnologia ajuda, mas não tem o poder de resolver tudo sozinha”.

No próximo dia 16 de maio participará no MOBLab Congress 2019 onde abordará a temática de como Gerir a Mobilidade com Dados”. A pergunta é, que papel tem e/ou terá a tecnologia nas cidades do futuro?
A tecnologia assume um papel cada vez mais relevante na nossa sociedade e espero que na gestão das cidades o mesmo possa continuar a acontecer.

Os desafios colocados hoje às cidades são imensos. Ouso dar alguns exemplos: o congestionamento das infraestruturas, o envelhecimento da população, o aumento das expetativas dos cidadãos face à qualidade e disponibilidade dos serviços urbanos prestados, a sustentabilidade ambiental e as pressões orçamentais.

Sou daqueles que acredita que a adoção de tecnologia pode ter um papel decisivo na monitorização destes fenómenos, na diminuição de muitos dos seus impactos negativos e na melhoria da qualidade dos serviços prestados às populações pelas entidades que gerem hoje as cidades nacionais.

Como é que será feita essa gestão de dados e que importância terão para os problemas e soluções da mobilidade?
Antes de mais, parece-me fundamental abordar 3 vertentes que julgo serem complementares: os sistemas de deteção, os sistemas de monitorização e controlo e os sistemas de informação.

Nuno Oliveira, Administrador Executivo da Soltráfego: “Não acredito que a tecnologia vá resolver ‘sozinha’ os problemas da mobilidade urbana”Falo de construir sistemas que, de um modo integrado, permitam recolher e colecionar dados relevantes para a gestão das cidades. Esses dados deverão ser devidamente estruturados e armazenados para possibilitarem a monitorização e controlo eficientes da performance das cidades e dos seus serviços públicos. Só sistemas de informação com esta visão e robustez permitirão que os gestores de espaços e serviços urbanos, mas também os utilizadores dos serviços públicos, possam tomar decisões melhor informadas, diminuindo assim a probabilidade de erro.

Como é que os dados podem simplificar a mobilidade urbana?
Julgo que na área da gestão da mobilidade urbana temos uma enorme margem para melhorar a atual performance das cidades portuguesas.

Imaginemos, por exemplo, o caso da construção de sistemas que conjuguem a sensorização (IoT) com a Inteligência Artificial (AI) e o próprio Machine Learning na regulação dos fluxos de tráfego. Teremos, rapidamente, fluxos de tráfego mais eficientes. Como?

Por um lado, diminuindo tempos de espera desnecessários em alguns entroncamentos e aumentando os tempos de verde nas vias de maior fluxo com base no trânsito em tempo real, mas também no histórico de comportamento da mobilidade da cidade em situações análogas. Por outro lado, desviando fluxos de tráfego antecipadamente (em termos temporais e geográficos) para percursos menos congestionados. Além disso, a inclusão dos sistemas de transporte público de passageiros nestes sistemas “inteligentes” com soluções que privilegiem a velocidade comercial dos mesmos permitirá não só aumentar a performance da mobilidade urbana como um todo, mas aumentar, igualmente, a atratividade do transporte público face ao transporte individual.

Numa época em que os dados são, de facto, considerados como essenciais para os mais diversos setores, colocam-se, também, questões relacionadas com a cibersegurança e gestão desses próprios dados. Em que medida é que estas questões podem ser colocadas e servir de entrave ao desenvolvimento e serviço em torno da mobilidade urbana?
As questões da segurança dos dados e dos sistemas de informação seja ao nível da proteção dos dados dos cidadãos quer da segurança e performance de sistemas críticos deverá certamente assumir grande prioridade por parte das autoridades locais e nacionais. Obviamente, que este tipo de sistemas não pode ser implementado de qualquer maneira. Por um lado, a criticidade destes sistemas exige que sejam desenhados e mantidos de modo a estarem o menos possível vulneráveis a riscos de ataque. Por outro, há que continuar a compatibilizar a exigente legislação nacional de proteção de dados com o avanço tecnológico. Mas, ao mesmo tempo, temos de ser ambiciosos. Sem este equilíbrio, as vantagens da inovação tecnológica demorarão a ser implementadas e a mostrar o seu impacto na qualidade de vida dos cidadãos.

Os problemas atuais e futuros da mobilidade só terão solução através da aplicação de soluções Big Data e utilização da IoT?
Estou convencido que os sistemas de Big Data, a Internet das Coisas (IoT), a Inteligência Artificial e a proliferação do 5G terão um impacto decisivo ao nível da gestão da mobilidade num futuro muito próximo. No entanto, apesar de ser um otimista quando ao impacto da tecnologia, não acredito que a tecnologia vá resolver “sozinha” os problemas da mobilidade urbana. Necessitamos de soluções mais holísticas. Precisamos de envolver os cidadãos e, também, de mudar comportamentos. A tecnologia ajuda, mas não tem o poder de resolver tudo sozinha.

Terá de haver legislação especial para esta aplicação da tecnologia à mobilidade urbana?
Não sendo um especialista na matéria, atrevo-me a dizer que não me parece haver necessidade de legislação específica para a aplicação destas tecnologias na área da gestão da mobilidade. Para tal, o quadro legislativo que vier a existir deverá defender os princípios gerais de proteção de informação sem impedir a aplicação de novas tecnologias que melhorem a qualidade de vida de toda a comunidade.

Pode exemplificar “best practices” neste âmbito em outros países que tenham sido um sucesso e o grau de possibilidade de aplicação em Portugal?
Estou em crer que o caso recente da cidade Turca de Esmirna (Izmir) poderá ser considerado como uma “best practice”. Trata-se da terceira maior cidade Turca, com cerca de 4 milhões de habitantes, e que decidiu avançar para um sistema de gestão integrada de mobilidade. Para tal, integrou cerca de 17 mil equipamentos – desde controladores de tráfego, a veículos de transporte público, a câmaras de CCTV, a sistemas de contagem de tráfego, a pontos de controlo de acesso. Tal permitiu-lhe construir uma plataforma com informação permanentemente atualizada quer para os gestores dos serviços públicos quer para os cidadãos e, com isso, aperfeiçoar a qualidade e tempestividade da informação e melhorar a performance da cidade ao nível da mobilidade.

Acredito que esta visão e ambição poderá ser replicada em Portugal. E arrisco ir mais longe: acredito que tal pode ser replicado não apenas nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, mas também em praticamente todas as cidades nacionais. Se em alguns dos casos a escala certa para estes projetos poderá ser a escala metropolitana, noutros casos será a escala das comunidades intermunicipais. Noutros casos, ainda, a escala municipal poderá ser a mais adequada.

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