O Parlamento Europeu aprovou, no início de abril, um Quadro de Certificação da União Europeia (UE) relativo às remoções de carbono, à agricultura de baixo carbono e ao armazenamento de carbono em produtos, com o intuito de alcançar a neutralidade climática da UE até 2050. Saiba o que isto significa na prática.
O mais recente relatório do Painel Internacional sobre as Alterações Climáticas (PIAC) aponta para uma diminuição, à escala mundial, da probabilidade de limitar o aquecimento global a 1,5 °C, a menos que se verifiquem reduções rápidas e profundas das emissões mundiais de gases com efeito de estufa (GEE) na presente década e nas próximas. Este objetivo exige a execução, em larga escala, de atividades seguras e sustentáveis de captura de CO2 da atmosfera e subsequente armazenamento duradouro em reservatórios geológicos, ecossistemas terrestres e marinhos ou produtos.
À data, e com as atuais políticas, foi assumido pelo Parlamento Europeu que “a União Europeia (UE) não se encontra num bom caminho para realizar as remoções de carbono necessárias”, uma vez que as remoções de carbono em ecossistemas terrestres têm vindo a diminuir nos últimos anos e não estão atualmente a ocorrer remoções industriais de carbono significativas na UE.
A aprovação de um Quadro de Certificação das Remoções de Carbono pretende assim dar transparência e enquadramento a este processo de remoções. Mas o que significa na prática?
Combater o greenwashing
De uma forma geral, o regulamento quer melhorar a capacidade da UE em quantificar, monitorizar e verificar atividades nesta área, combatendo simultaneamente o greenwashing. Tudo isto enquadrado no cumprimento dos objetivos europeus em matéria de mitigação das alterações climáticas e do Acordo de Paris.
Assim, o objetivo desta certificação passa por incentivar atividades seguras, sustentáveis e de elevada qualidade de remoção de carbono, de agricultura de baixo carbono e de armazenamento de carbono em produtos, “no pleno respeito da biodiversidade e dos objetivos de poluição zero”.
No caso da agricultura de baixo carbono, este quadro de certificação deve também incentivar atividades que gerem benefícios conexos para a biodiversidade, cumprindo assim as metas de restauro da natureza estabelecidas na legislação da UE nesse domínio.
A certificação agora aprovada deve também incentivar à investigação e inovação. Para este efeito, a Comissão Europeia e os Estados‑Membros devem empenhar-se num quadro de cooperação interdisciplinar, associando institutos de investigação nacionais e regionais, cientistas, agricultores e pequenas e médias empresas (PME).
A fim de garantir a integridade do quadro e, ao mesmo tempo, apoiar os operadores que estão dispostos a dedicar esforços adicionais para aumentar o sequestro de carbono ou reduções das emissões biogénicas de forma sustentável, deve existir uma distinção clara dos diferentes tipos de atividades, das suas especificidades e dos consequentes impactos ambientais e separar claramente as definições, os critérios de qualidade e as regras sobre a utilização relacionadas com atividades relativas a remoções de carbono, agricultura de baixo carbono e armazenamento de carbono em produtos.
O que é a remoção de carbono?
É o processo de remoção ativa do dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Implica que o CO2 é retirado e armazenado em segurança, para que não possa contribuir para o aumento da temperatura mundial. A emissões reduzidas através das atividades de remoção de carbono são geralmente designadas por “emissões negativas”.
Que atividades asseguram o armazenamento permanente?
No âmbito do quadro de certificação, as atividades que, em circunstâncias normais e utilizando práticas de gestão adequadas, asseguram o armazenamento permanente de carbono atmosférico ou biogénico durante vários séculos através da captura geológica de CO2 são a bioenergia com captura e armazenamento de carbono e a captura direta do ar – ou através da mineralização permanente do carbono.
As atividades relacionadas com a gestão dos solos nas subcategorias do setor do uso do solo ou gestão costeira, que resultem no sequestro de carbono, ou atividades que resultem em reduções das emissões biogénicas – como reduções de metano resultantes de alterações na alimentação animal ou da gestão do estrume, ou reduções de óxido nitroso resultantes da redução de fertilizantes ou da gestão do estrume – durante um período mínimo de cinco anos também são consideradas atividades de agricultura de baixo carbono.
Determinadas atividades de agricultura de baixo carbono, em particular, a re-humidificação de turfeiras [acumulações de turfa em depressões à superfície com uma profundidade mínima de 30 a 40 cm], assim como atividades que se baseiam na utilização do biocarvão, podem ser classificadas, em função das condições específicas em que se realizam.
Já a certificação do armazenamento de carbono em produtos deve, inicialmente, limitar‑se aos produtos ou materiais de madeira abatida para fins de construção que armazenem carbono atmosférico e biogénico durante, pelo menos, cinco décadas e devem basear‑se no relatório a apresentar pela Comissão. Mas outros produtos de armazenamento de carbono podem ainda ser avaliados pela Comissão no âmbito da revisão deste regulamento, esclarece o Parlamento Europeu.
As atividades devem ser quantificadas “de forma pertinente, exata, completa, coerente, comparável e transparente”, explica o regulamento. As incertezas na quantificação devem ser devidamente comunicadas e contabilizadas como parte das metodologias de certificação, “de uma forma prudente e proporcional ao nível de incerteza e de acordo com abordagens estatísticas reconhecidas e com os últimos dados científicos disponíveis, a fim de limitar o risco de sobrestimação da quantidade de dióxido de carbono removido da atmosfera”, esclarece o Parlamento.
Desta forma, um valor de referência normalizado deve refletir as condições legais e de mercado em que se realiza a atividade. “Se uma atividade for imposta aos operadores pela legislação aplicável, o seu desempenho refletir‑se‑á no valor de referência. Assim, afigura‑se adequado presumir que uma atividade que gera acréscimos líquidos superiores a esse valor de referência é adicional aos requisitos legais”.
Quais são os principais métodos de remoção de CO2?
Incluem soluções tecnológicas e baseadas na natureza:
- Restauro das florestas e dos solos a fim de aumentar a sua capacidade natural para armazenar carbono;
- Melhor gestão das terras agrícolas para aumentar o seu potencial de armazenamento de carbono;
- Captura direta de carbono utilizando sistemas mecânicos que sugam o CO2 e o injetam em instalações ou produtos de armazenamento;
- Sequestro do carbono dos biocombustíveis e das instalações de produção de energia;
- Armazenamento de carbono em produtos duradouros, como a madeira utilizada para a construção.
Requisitos de elegibilidade
As remoções de carbono, devem cumprir critérios de emissão e utilização, assim como serem quantificadas “de forma exata e sólida”, salienta o Parlamento. Além disso, devem ser geradas apenas por atividades que originam um acréscimo líquido, assegurem de forma permanente ou a longo prazo o sequestro da agricultura de baixo carbono e/ou a redução das emissões de gases com efeito de estufa, cumpram os requisitos de monitorização e responsabilidade e tenham, pelo menos, um impacto neutro nos objetivos de sustentabilidade ou proporcionem um benefício conexo para os mesmos.
Além disso, as atividades devem ser objeto de auditorias independentes por terceiros, a fim de garantir a credibilidade e a fiabilidade do processo de certificação, e as informações relativas aos certificados e ao processo de certificação devem ser disponibilizadas ao público.
Deste modo, todas as atividades devem ser sujeitas a uma auditoria de certificação inicial antes de serem executadas. Devem também ser objeto de auditorias de recertificação periódicas, pelo menos, de cinco em cinco anos, para atividades de agricultura de baixo carbono e, pelo menos, de 10 em 10 anos para outras atividades.
Que atividades serão abrangidas?
- Armazenamento permanente de carbono através de tecnologias industriais como a bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS) e a captura direta do ar com armazenamento de carbono (DACCS);
- Armazenamento de carbono e redução das emissões dos solos a partir de culturas de baixo carbono durante pelo menos cinco anos (por exemplo, através da restauração das florestas, da gestão dos solos e das zonas húmidas e do recurso a práticas de cultura de cobertura);
- Armazenamento de carbono em produtos duradouros (como a madeira utilizada para a construção) durante pelo menos 35 anos.
Métodos como a captura e armazenamento de carbono (CAC) fóssil e a captura e utilização de carbono (CUC) fóssil não serão abrangidos pelas regras. Até 2026, a Comissão procederá a uma revisão do âmbito de aplicação das regras, a fim de avaliar a viabilidade de incluir as reduções das emissões agrícolas relacionadas com a criação de animais.

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“Todas as atividades devem ser sujeitas a uma auditoria de certificação inicial antes de serem executadas. Devem também ser objeto de auditorias de recertificação periódicas, pelo menos, de cinco em cinco anos, para atividades de agricultura de baixo carbono e, pelo menos, de 10 em 10 anos para outras atividades”
Como garantir que o carbono armazenado não volta à atmosfera?
O carbono atmosférico e biogénico capturado e armazenado por uma atividade corre o risco de voltar a ser libertado para a atmosfera, por exemplo, devido a causas naturais ou antropogénicas. Por conseguinte, os operadores devem tomar todas medidas preventivas para atenuar esses riscos e velar devidamente por que o carbono continue armazenado durante o período de monitorização estabelecido para a atividade em causa.
A agricultura de baixo carbono e o armazenamento de carbono em produtos estão mais expostos ao risco de libertação voluntária ou involuntária para a atmosfera. Para ter em conta este risco, o período de monitorização do sequestro certificado ou da redução de emissões geradas pela agricultura de baixo carbono deve abranger, pelo menos, a totalidade do período durante o qual se prevê que os resultados da atividade sejam sustentados, tal como definido na metodologia de certificação aplicável.
Já o período de monitorização do sequestro certificado gerado pelo armazenamento de carbono em produtos deve abranger toda a vida útil do mesmo, inclusive.
Porém, no caso da agricultura de baixo carbono, a fim de evitar encargos indevidos para os operadores individuais, estes podem designar como responsável pela monitorização uma pessoa coletiva ou uma autoridade competente.
“As atividades de agricultura de baixo carbono não devem afetar negativamente a segurança alimentar da UE nem conduzir à apropriação ilegal de terras ou à especulação agrária”
Critérios de certificação
A certificação obriga a cumprir quatro critérios de qualidade:
- Quantificação: as atividades têm de originar um acréscimo quantificável líquido de remoção de carbono ou de redução das emissões (ou seja, as remoções de carbono e a redução das emissões devem ser superiores às emissões geradas pela atividade);
- Adicionalidade: as atividades vão além da prática corrente;
- Armazenamento a longo prazo: a certificação está associada à duração do armazenamento, de modo a assegurar o armazenamento a longo prazo e a minimizar o risco de libertação do carbono;
- Sustentabilidade: as atividades contribuem para os objetivos de sustentabilidade, por exemplo, protegendo a biodiversidade e os recursos hídricos.

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Requisitos mínimos de sustentabilidade
De acordo com o Parlamento, é fulcral estabelecer requisitos mínimos de sustentabilidade para assegurar que as atividades de remoção de carbono têm, pelo menos, um impacto neutro ou geram benefícios para os seguintes objetivos de sustentabilidade: mitigação das alterações climáticas e adaptação às mesmas, proteção e restauro da biodiversidade e dos ecossistemas, utilização sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos, transição para uma economia circular, prevenção e controlo da poluição.
Além disso, as atividades de agricultura de baixo carbono não devem afetar negativamente a segurança alimentar da UE nem conduzir à apropriação ilegal de terras ou à especulação agrária. Essas atividades devem respeitar os direitos das comunidades locais, tanto dentro como fora da União, bem como o equilíbrio entre o impacto ambiental, económico e social.
As práticas agrícolas que removem CO2 da atmosfera e contribuam para o objetivo de neutralidade climática, devem ser recompensadas, quer através da política agrícola comum (PAC), quer de outras iniciativas públicas ou privadas.
Nos próximos seis meses a Comissão Europeia deve publicar orientações para informar os potenciais operadores ou grupos de operadores de agricultura de baixo carbono sobre as atividades que devem ser consideradas prioritárias na preparação das metodologias de certificação. No entanto, já se sabe que devem ser consideradas prioritárias, segundo o Parlamento Europeu, as atividades que contribuam para a gestão sustentável das terras agrícolas e das florestas, assim como atividades que gerem os acréscimos líquidos mais elevados.
Recorde-se que em abril do ano passado, o Parlamento aprovou uma resolução sobre ciclos sustentáveis de carbono afirmando que, embora a UE deva sempre priorizar reduções rápidas e previsíveis das emissões de gases com efeito de estufa, as remoções de carbono devem desempenhar um papel cada vez mais importante na obtenção da neutralidade climática da UE até 2050 para equilibrar as emissões que não podem ser eliminadas.
O Espaço Económico Europeu no quadro de certificações
Vários membros do Espaço Económico Europeu (EEE) e outros países terceiros limítrofes da União Europeia, como a Noruega ou a Islândia, “têm um potencial significativo de armazenamento geológico de CO2”, frisa o Parlamento. Desta forma, sempre que tenha sido celebrado um acordo juridicamente vinculativo entre a UE e um membro do EEE ou outro país terceiro limítrofe e esse país aplique os mesmos requisitos jurídicos, o quadro de certificação deve também ser aplicado ao carbono atmosférico ou biogénico capturado na UE, mas geologicamente armazenado nesse mesmo membro do EEE ou nesse país limítrofe.