A economia circular é um pilar essencial para alcançar o objetivo da neutralidade carbónica da Europa em 2050, tal como determinado no Pacto Europeu Ecológico, cujas metas para a sua execução foram tornadas vinculativas através da Lei Europeia do Clima, de 2021.
Para esse efeito é necessária a conversão do modelo atual de produção e consumo num modelo mais sustentável, tendo em conta que se estima a nível mundial que a extração e transformação de matérias primas são dos maiores responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa e perda da biodiversidade. O modelo linear de “extrair, fabricar e rejeitar” representa uma produção de resíduos e um desperdício de recursos naturais e energéticos que comprometem a transição para uma economia circular não poluidora e de impacto neutro no clima.
É neste quadro que a UE desenvolveu um pacote legislativo relativo a produtos sustentáveis, com vista a reduzir a dependência de recursos externos, a impulsionar a competitividade da economia europeia e a promover um crescimento sustentável de acordo com o preconizado pelo Pacto Ecológico Europeu e com os objetivos de suster e reverter a perda da biodiversidade e de atingir a neutralidade climática até 2050.
O pacote legislativo com vista a assegurar que grande parte dos produtos disponibilizados aos consumidores na UE são mais duradouros, reparáveis e recicláveis, além de resultarem de um modo de produção que prioriza as matérias recicladas e a eficiência energética e de aproveitamento dos recursos, bem como a prevenção do branqueamento ecológico (greenwashing), é composto pelos seguintes diplomas:
- Regulamento (UE) 2024/1781, de 13.06.2024, sobre a definição de requisitos de conceção ecológica dos produtos sustentáveis (“Ecodesign”);
- Diretiva (UE) 2024/825, de 28.02. 2024, sobre a capacitação dos consumidores para a transição ecológica;
- Diretiva (UE) 2024/1799, de 13.06.2024, relativa a regras comuns para promover a reparação de bens;
- Diretiva relativa às alegações ambientais explícitas (“Green Claims”) – em fase de processo legislativo.
O Regulamento Ecodesign é uma pedra angular deste pacote. Com o propósito de que os produtos disponibilizados na UE sejam sustentáveis, introduz requisitos adicionais e normas que funcionam como um mínimo denominador comum em termos de eficiência energética, durabilidade, reparabilidade e reciclagem. Cria a obrigatoriedade de um passaporte digital para que o consumidor possa comparar produtos e fazer uma escolha devidamente informada na hora da aquisição. Fixa regras mais exigentes a nível de rotulagem e de relato de informação ao consumidor em geral e estabelece critérios mínimos de desempenho e de informação em matéria de eficiência energética e de circularidade.
Os requisitos específicos de conceção ecológica serão particularizados em função de cada produto, através de atos delegados, que incluirão aspetos como a presença de substâncias que suscitam preocupação (pela perigosidade ou por afetarem a reutilização e a reciclagem de materiais), o consumo e eficiência energética, o impacto ambiental ao longo do ciclo de vida dos produtos, a durabilidade, a reutilização, o recondicionamento e a reparabilidade – este último aspeto densificado pela Diretiva relativa ao direito à reparação de bens.
Este Regulamento vem ampliar o alcance da Diretiva relativa à conceção ecológica dos produtos atualmente em vigor, que abrange apenas alguns dos produtos disponibilizados na UE, passando a abranger, com caráter prioritário dada a sua expressão, os têxteis. Prevê-se a extensão a outros produtos de elevado impacto ambiental, passível de ser atenuado, tais como mobiliário e colchões, pneus, detergentes, tintas, lubrificantes, ferro, aço e alumínio. O propósito é assegurar uma melhor informação sobre o modo como estes produtos cumprem os requisitos mínimos de desempenho ambiental, p.e. através de melhor rotulagem e maior acesso a peças sobresselentes, atualizações e reparações, em prol dos consumidores.
Este regime ancora-se na centralidade dos consumidores como atores ativos na transição ecológica, razão pela qual compreende outras iniciativas direcionadas para uma melhor informação e reforço da confiança dos consumidores nas alegações que os produtores fazem sobre os benefícios ambientais dos seus produtos. A Diretiva sobre a capacitação dos consumidores para a transição ecológica proíbe os comerciantes de alegações ambientais consideradas enganosas, entre as quais alegações vagas (p.e., «verde», «ecológico», «amigo do ambiente»), sem justificação e verificação adequadas. Será também de considerar as obrigações que decorrerão da Diretiva das Alegações Ambientais, uma vez concluído o seu processo legislativo. O conjunto destas duas diretivas constitui um marco fundamental para o combate ao greenwashing e a proteção do consumidor.
De forma sintética, destaca-se que a aprovação deste pacote legislativo é de um alcance de largo espectro, incidindo sobre questões como os direitos dos consumidores, as regras de rotulagem e de informação a disponibilizar num novo documento de rastreio (o passaporte digital), o cálculo e relato da pegada de carbono e de impacto na natureza.
Estes diplomas devem, ainda, ser perspetivados no quadro geral das obrigações materiais e de relato em matéria de ESG, como sejam as previstas na Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (CSDDD) e na Diretiva sobre o relato de sustentabilidade (CSRD).
As obrigações previstas serão de implementação faseada, com prazos entre os 18 e 24 meses para adaptação ou transposição para os ordenamentos jurídicos nacionais. No entanto, as entidades abrangidas devem desde já dar início à reconversão necessária da sua atividade de modo a terem capacidade de corresponder, não só aos novos requisitos e obrigações, mas também ao novo paradigma de produção e disponibilização de produtos no mercado da UE já nos anos de 2026 e 2027, num ecossistema de circularidade dos produtos.
Catarina Pinto Correia |
João Almeida Filipe |