Mobilidade

Redes de carregamento: Que papel para retalho, empresas privadas e instalador?

Redes de carregamento: Que papel para retalho, empresas privadas e instalador?

A Leroy Merlin Portugal e a Vygon deram o seu ponto de vista relativamente ao contributo que empresas de retalho e de cariz privado podem ter para a estruturação da rede de carregamentos de veículos elétricos em Portugal. O debate aconteceu no Moblab Congress e centrou-se também no papel desempenhado por companhias, como a Helexia Portugal, no apoio à transição das empresas e na ‘formatação’ dos seus projetos transformativos. 

Leroy Merlin, Vygon Portugal e Helexia deram-nos a sua visão de como poderá a rede de carregamento de veículos elétricos ser construída por empresas de retalho, privadas e instaladores.
Com visões conciliatórias relativamente ao desafio comum que a sociedade enfrenta, os oradores João Lavos, em representação da Leroy Merlin, Nuno Barbosa, da Vygon Portugal, e Diogo Póvoas, Business Unit Manager da Helexia, explicaram que todos os intervenientes têm papéis bem definidos na estruturação da rede.

A Leroy Merlin tem investido durante os últimos anos em projetos de sustentabilidade e a mobilidade elétrica foi um dos eixos que trabalharam. É essencial, atualmente, uma empresa de retalho oferecer este ‘benefício’ aos seus clientes e colaboradores?
João Lavos (JL): Gostaríamos muito que o nosso desafio de carbono estivesse na energia, mas não está. Não vale mais que 3% da nossa pegada de carbono. 86% daquilo que é a nossa pegada vem do produto e, portanto, o tema da energia é muito importante, mas até gostávamos que fosse o maior desafio. O coração da nossa atividade é o produto. E o que é que estamos a tentar fazer? Temos a ambição de reduzir 5% ao ano o consumo energético nos nossos edifícios. Isto tem que ver com um dever de exemplaridade que sentimos. Somos líderes do segmento de melhoria da casa em Portugal e a casa, a construção das casas e o consumo energético das nossas casas vale 30% da pegada de carbono na Europa, e em Portugal também. Nós assumimos uma grande responsabilidade que é liderar a transição energética das casas em Portugal. O tema da energia e dos carregadores aparece, assim, como um dever de exemplaridade para com este desígnio. O que temos tentado fazer? Melhorámos muito os nossos edifícios e tentámos perceber o nosso papel relativamente ao que está para lá deste dever de ter o nosso edifício muito eficiente. Mas temos também o dever de fornecer serviços aos nossos clientes, serviços que eles necessitam dentro dos nossos espaços. Aí identificámos duas coisas: os resíduos e a contribuição que podemos dar para infraestruturar o país. As empresas de retalho em Portugal devem assumir este papel e esta responsabilidade de contribuir decisivamente para a infraestrutura do país. Porque digo isto? O retalho em Portugal, fruto do número de espaços que têm distribuídos pelo país e pela sua capilaridade, “facilmente” pode criar uma boa infraestrutura de carregamento de veículos elétricos. Estamos a falar dos principais retalhistas portugueses, mais de 1000 postos de carregamento em localizações premium e dentro de uma experiência que fomenta também o carregamento. Quando os nossos clientes se deslocam às nossas lojas, estão no espaço comercial entre 45 e 60 minutos, o que representa tempo suficiente para efetuar um carregamento. A Leroy Merlin assume, assim, a responsabilidade de ser um ator na infraestruturação do país e temos promovido também que outros retalhistas se juntem a nós neste projeto.

Também a Vygon está a operar o seu processo de transição energética. Qual foi o ponto de partida para esta transição que estão agora a operar?
Nuno Barbosa (NB): Do ponto de vista da gestão, o objetivo é a redução da fatura energética. Mas importa ir um pouco mais atrás. Na altura desta decisão, ainda não era diretor geral, era diretor de marketing e vendas e estava no papel de dizer ‘quero, quero, quero’ e a direção dizia ‘calma, calma, calma’. Lembro-me que começámos por identificar a necessidade de termos uma proteção para a chuva e sol no estacionamento. Depois veio a questão de podermos vender energia. Foi assim que tentámos vender o projeto ao nosso diretor europeu. Depois fomos às questões da sustentabilidade, à pegada carbónica e à imagem que temos junto dos stakeholders e, aí, defendemos esta ideia até ao fim. Chegamos agora ao ponto de termos um parque de 660 painéis fotovoltaicos instalados, com 10 carregadores para viaturas elétricas. É algo que nos deixa muito orgulhosos.

E já consegue ter uma perspetiva de poupança?
NB: Como diretor geral felizmente já consigo ter uma perspetiva de poupança e já vou de peito cheio para as reuniões internacionais. Portugal foi piloto. Todas as nossas subsidiárias europeias arrancaram posteriormente com esta transição. No mês de maio, que foi um mês com bastante sol, poupámos 45% na fatura energética e todas as viaturas elétricas ou híbridas que temos já estão em carregamento em circuito fechado. É um caso de sucesso.

“Portugal foi piloto. Todas as nossas subsidiárias europeias arrancaram posteriormente com esta transição. No mês de maio, que foi um mês com bastante sol, poupámos 45% na fatura energética e todas as viaturas elétricas ou híbridas que temos já estão em carregamento em circuito fechado. É um caso de sucesso”
Nuno Barbosa, diretor-geral, Vygon Portugal

A Helexia tem clientes como a Leroy Merlin que incluem estas questões na sua estratégia. Mas também trabalham com empresas que estão a iniciar ainda o seu processo. Como trabalham e abordam estas questões de ter clientes que ainda têm alguma resistência a fazer este tipo de investimento?
Diogo Póvoas (DP): São casos completamente diferentes os que temos aqui representados. A Leroy Merlin tem um roteiro para a descarbonização que vinha a ser trabalhado durante os últimos anos, portanto a promoção da mobilidade elétrica foi algo que se apresentou de forma natural. É um projeto em que a Helexia investiu na solução. Fizemos um projeto conjunto, mas, no fundo, eramos também parte interessada. Somos operadores destes postos que estão ligados à rede Mobi.e e recebemos remuneração pela sua utilização, apesar de partilhamos parte dessa remuneração com a Leroy Merlin. Acabámos por encontrar um equilíbrio benéfico para ambos e, desta forma, focámo-nos no que conhecemos e a Leroy Merlin dedica-se ao seu core business. Na prática, é um exercício mais fácil de conquistar do que do quando temos um projeto como o da Vygon, que é no fundo um projeto de aquisição através de capitais próprios. Neste caso temos de reunir dados sobre autossuficiência, autoconsumo, mostrar os benefícios económicos, a solução técnica que propomos e depois temos de conquistar o cliente. Neste tipo de projeto, temos de deixar a semente para as empresas ficarem a pensar no tema. É um ciclo comercial mais longo. A instalação é muito rápida, mas todos estes tempos somados acabam por resultar num processo longo. Tentamos também passar a mensagem às empresas para estas não pensarem só no imediato, mas numa perspetiva a longo prazo, porque a tendência será de os preços da energia aumentarem e, ao mesmo tempo, a necessidade de descarbonizar o planeta mantém-se. Este é o nosso dia a dia. Às vezes os preços estão baixos e temos mais dificuldade em fechar projetos, outras vezes, como há um ano, toda a gente nos bate à porta para instalarmos no dia seguinte painéis solares e postos de mobilidade.

“Tentamos também passar a mensagem às empresas para estas não pensarem só no imediato, mas numa perspetiva a longo prazo, porque a tendência será de os preços da energia aumentarem e, ao mesmo tempo, a necessidade de descarbonizar o planeta mantém-se”
Diogo Póvoas, Business Unit Manager da Helexia

Mesmo havendo um roteiro para descarbonizar a vossa atividade, há também um âmbito económico que tem de ser tido em conta. Como se consegue o equilíbrio?
JL: A componente económica é, claro, importante. Mas o que nos impulsionou para a instalação de painéis fotovoltaicos foi evidentemente a problemática da descarbonização, porque temos um roteiro para o efeito. Para os carregadores elétricos a ideia foi compreendermos os hábitos de uso e as necessidades do cliente e procurarmos antecipar essa resposta. A nossa leitura foi que as pessoas precisam de carregar os seus carros, vão ao retalho, então é um bom momento para carregar o carro, por isso vamos dar resposta. Acho que nos falta, no tema da mobilidade e mobilidade elétrica, um estudo sobre user experience. É uma coisa que fazemos no dia a dia no retalho, dar resposta a clientes e fortalecer a sua experiência, e vejo que muitas vezes falamos de “forçar” hábitos… Como é que se faz esta curva de mudança? Aprendi que esta curva implica sempre ter de ser claro o ganho que se tem para quem vai mudar. A user experience é a chave de tudo. Dizermos aos utilizadores que o que ganham com esta aposta é comodidade, parece-nos vencedor. Foi isso que pensámos no início do projeto, ou vamos pela via da obrigação, que é o que faremos a partir de 2035, quando deixar de haver venda de carros elétricos, ou podemos optar por esta.

Mas sentem também esse reconhecimento da mais-valia por parte dos vossos clientes?
JL: A realidade é esta: os nossos carregadores não são muito utilizados. Estava há pouco a ver os números e estima-se que em Portugal existam, em 2025, 150 mil carros elétricos. Neste momento, temos à volta de 6 mil carregadores públicos elétricos em Portugal. A relação não é assim tão absurda. Francamente, acho que o que falta analisar o porquê. Porque é que o utilizador ainda não está preparado para mudar os seus hábitos? Gostávamos que os nossos carregadores fossem mais utilizados, mas não temos qualquer reclamação por falta de carregadores elétricos e não temos colaboradores a pedirem carregadores elétricos. Está aqui um mix de informação que nos leva a pensar, e já nos levou a agir… Neste momento, temos dois projetos a correr na empresa para perguntar aos nossos colaboradores o que é que gostavam de ter nas nossas infraestruturas e lojas que os motivasse à mobilidade elétrica. Mas se posso deixar uma mensagem é que temos de falar de user experience e da utilização de quem precisa de mudar e percecionar o que ganha com isso. De outra forma vamos estar sempre a discutir aspetos que depois não são muito relevantes. Temos seis mil carregadores em Portugal, estão nas localizações onde os utilizadores precisam deles? Temos um bom espaço de carregamento? É um problema de duração do carregamento? Acho que nos falta a perspetiva global. Falta falar sobre a experiência do utilizador.

“Temos seis mil carregadores em Portugal, estão nas localizações onde os utilizadores precisam deles? Temos um bom espaço de carregamento? É um problema de duração do carregamento? Acho que nos falta a perspetiva global. Falta falar sobre a experiência do utilizador”
João Lavos, Líder de Impacto Positivo, Leroy Merlin

O projeto da Vygon acaba por ser em circuito fechado. Era essencial assegurar poupança na fatura da energia e promover ao mesmo tempo a eletrificação da mobilidade?
NB: Seria um desperdício, sem faltar das questões ambientais e pegada carbónica, do ponto de vista prático da gestão, fazer um investimento desta natureza e depois não tirar partido. Para mim, o circuito fechado faz todo o sentido. A nível de empresa estamos a falar de coisas como poder dizer traga a sua bicicleta, trotinete, motorizada ou carro, nós ajudamos. Temos 10 carregadores, mas se para o ano forem necessários 20, também os instalamos. A nível de recursos humanos, estamos a desenvolver várias atividades para promover este tipo de utilização. Temos de dar condições aos colaboradores para esta transição. Se calhar vamos chegar ao momento em que não temos a utilização que pensámos. Há uma semana estava a falar com os meus colegas de outros países, nomeadamente nórdicos… eles diziam-me que, neste momento, 80% das vendas de automóveis são elétricos. Em Portugal tenho algumas dúvidas que isso vá acontecer nos próximos anos. Já vemos o Estado a tributar, do ponto de vista da tributação autónoma, acima de 72 mil euros. Estou em crer que no futuro irá para patamares mais baixos porque vai perder uma fatia de impostos com a diminuição da venda de carros a combustão. Mas estamos cá para assegurar as condições necessárias para os nossos colaboradores fazerem essa transição de uma forma equilibrada.

Como se conjugam a otimização da experiência de utilizador e a necessidade de acelerar a transição?
DP: Relativamente ao carregamento em espaço de acesso público, como é a Leroy Merlin, é muito importante conseguirmos adaptar as soluções de carregamento ao tipo de cliente que visita a loja. Se estamos a falar de um cliente que fica entre 30 ou 40 minutos na loja, temos de adaptar a solução de carregamento para esse tempo. Não chega só pôr lá um ponto de carregamento lento, não vai fazer sentido. Se calhar um carregador lento faz mais sentido num parque empresarial, como a Vygon. Em zonas de retalho, de visitas curtas, temos de apostar em carregamento rápido. Quem tem soluções de carregamento em casa ou no trabalho se calhar nem vai utilizar este tipo de carregadores. Quem vai utilizar é quem não tem esta solução. Eu sou utilizador, não tenho em casa ou no trabalho, por isso utilizo a rede pública. Uso tradicionalmente o carregamento rápido. Esta adequação é essencial. Por outro lado, mais tecnicamente falando, temos de nos preparar para a expansão. Isso é um aspeto que já estamos a trabalhar. Nas lojas onde colocámos postos de carregamento, neste momento vamos em sete na Leroy Merlin, já preparámos a expansão futura desses locais. Este é outro ponto. Uma nota importante. A nossa implementação de postos de carregamentos está a andar à velocidade que conseguimos colocar produção renovável em cada loja. À medida que criamos centrais fotovoltaicas instalamos os pontos de carregamentos. Sabemos hoje que o transporte rodoviário individual ou ligeiro representa 60% das emissões no transporte. Tem um peso muito grande esta transição. O veículo elétrico, neste momento, é o meio para fazermos uma redução da pegada carbónica. É importante que estados e governos mantenham a fiscalidade positiva em torno dos veículos elétricos. Ainda é preciso haver essa almofada estatal para conseguir acelerar esta transição. O resultado está à vista. Estamos a caminhar para que em cada três carros vendidos um seja eletrificado. Por outro lado, importa reforçar a mensagem que o veículo elétrico, com este tipo de instalação, tem o potencial de ser carregado 100% com energia renovável nas empresas, como é o caso da Vygon. Se for à rede pública, 50% do mix energético já é de fonte renovável. Nas empresas conseguimos transformar esse número muito positivamente.

Na experiência da Leroy Merlin, o tipo de carregador instalado ‘faz diferença’?
JL: Não sou especialista técnico do tema, mas, de facto, o que se privilegia são os postos de carregamento rápido. Para ter estes postos é necessária uma potência, do ponto de vista de disponibilidade da rede, substancialmente superior, mas para nós sem dúvida que a lógica e a visão são de integração de postos de carregamento rápido. A user experience, o cliente, é isso que nos pede. Existem limitações do ponto de vista da infraestrutura.

Voltando à Vygon, na perspetiva do diretor de marketing e vendas, imagino que preferisse a instalação de carregador rápido. Que opção seguiram?
NB: Creio que são carregadores lentos, mas porque observámos que as pessoas estão no local 7 a 8 horas por dia. O que posso testemunhar é a alegria de entregarmos a chave aos nossos colaboradores. É mais um benefício corporativo que é concedido aos colaboradores. Eu próprio tenho uma viatura híbrida e tenho algumas dificuldades. É incómodo dizê-lo, mas talvez o maior cliente de algumas estações de carregamento nos espaços comerciais sejam os condutores da Uber. Muitas vezes chego a estes espaços e não consigo carregar e tenho de o fazer em casa. Sinto também alguns problemas em casa, onde tenho uma Wallbox. A questão dos carregamentos, do meu ponto de vista, enquanto diretor geral, é que temos de providenciar uma estratégia e visão, e deixar que as pessoas sejam autónomas. Julgamos que os carregadores que instalámos, para já, são suficientes.

Pela vossa experiência, quais são, nesta altura, os constrangimentos e soluções para termos uma rede eficaz?
DP: Acho que no caso das redes privadas e empresas existe maior facilidade em resolver a questão da potência. Os equipamentos que são instalados são equipamentos inteligentes em que é possível fazer balanceamento de carga. Foi a solução que adotámos no caso da Vygon. São equipamentos que comunicam entre si e se houver uma sobrecarga ou uma limitação de potência os carregadores ajustam-se à potência que a instalação tem capacidade de entregar. Também a expansão acaba por não ser um problema, porque o software, as plataformas de gestão, conseguem suprir essa necessidade. No caso, por exemplo, de lojas em que já estão muito sobrecarregadas e no limite, temos um caso em Setúbal, onde temos um carregador semirrápido e não temos um rápido, por essa razão. Não há potência suficiente na loja. Estamos ligados ao ponto de entrega do cliente e aqui temos duas alternativas: ou acordamos fazer um aumento de potência da loja ou então fazemos um ramal dedicado para a mobilidade elétrica. São estes os dois caminhos possíveis e que são apresentados. Existe sempre por parte das entidades competentes alguma pressão que adotemos ligações autónomas, especialmente em recintos abertos, portanto a tendência vai ser de criação de ramais independentes e infraestrutura de potência dedicada para a mobilidade. Qual é, neste momento, o caminho crítico? O tempo de abertura e tramitação de todos esses processos. A UVE, associação de veículos elétricos, publica dados sobre estes processos e, neste momento, no melhor dos cenários, leva 180 dias. Existe a necessidade das entidades e organismos públicos se ajustarem a esta nova realidade. A instalação de postos de carregamento demora cerca de 15 dias. Neste momento, estão a ser vendidos cerca de 3000 veículos eletrificados e são construídos 120 postos de carregamentos. Temos de acelerar o passo da instalação de rede pública e a parte privada também tem de fazer o seu caminho. Existem também as ‘redes pessoais’. Daqui a alguns anos podemos ter também o problema de coser a rede. Tem de haver um alinhamento que não é fácil e vai ter que levar a investimento para adaptar, por exemplo, condomínios mais antigos a esta realidade. Isto é um grande desafio para os próximos 10 a 15 anos: criar condições em espaço privado para ter uma solução de carregamento. A infraestrutura de carregamento está avançada, apesar de alguma escassez no interior, mas é visível a instalação de postos de carregamento. O investimento em rede pública será a forma mais fácil de criar uma rede que sirva as populações. Em âmbito residencial é um desafio.

Esta rubrica tem o apoio de Helexia

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