As Zonas Livres Tecnológicas (ZLT) são uma realidade cada vez mais próxima. Estes espaços pretendem facilitar os testes, por exemplo, de novas tecnologias para a área da mobilidade. Mas também permitir às entidades reguladoras ajustar a regulamentação. No âmbito da mais recente edição da revista, a MOB Magazine entrevistou a presidente da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), Ana Paula Vitorino. A responsável esclarece o papel dos reguladores como agentes facilitadores da inovação, fornecendo um complemento ao artigo publicado na revista que poderá encontrar nas bancas ou na nossa app.
Qual é o papel da AMT como reguladora na aprovação das ZLT?
Como institui o diploma que estabelece o regime das ZLT, incumbe às entidades reguladoras competentes em razão da matéria: apresentar, sempre que assim o entenderem, propostas de criação de ZLT; exercer as competências de supervisão; prestar o apoio técnico necessário ao lançamento dos testes de experimentação e inovação; colaborar com as entidades gestoras no lançamento dos programas para a inovação, bem como na elaboração dos respetivos regulamentos.
Como é que o envolvimento da AMT beneficia as próprias promotoras destas zonas?
A AMT considera que, além de acompanhar a implementação das ZLT, pode atuar como agente facilitador da inovação, uma vez que um regulador deverá atuar numa perspetiva de verificação da conformidade da atuação de agentes económicos, mas também, de forma concreta, na promoção do equilíbrio e do desenvolvimento dos mercados e do bem-estar das pessoas e empresas.
“Não se pretende que o regulador seja coautor dos projetos, pelo que a capacidade de atuação não se encontra limitada”
De que maneira esse envolvimento não cria entraves na atividade destas ZLT, assim como não condiciona as decisões dos reguladores?
O objetivo das ZLT é, precisamente, em contexto de testes, identificar todas as barreiras e condicionantes possíveis, evitando, por exemplo, a disponibilização de produtos ou serviços sem acautelar a conformidade de todas as suas componentes ou por outro lado, que um agente económico se depare com entraves e demoras na implementação do seu negócio por não se ter verificado uma articulação prévia e facilitadora de entidades competentes. Desta forma, também se poderão evitar procedimentos burocráticos desnecessários.
Uma das premissas da atuação regulatória é intervir no mercado quando possam existir falhas, procurando eliminá-las ou mitigá-las, não devendo ter uma atuação intrusiva. Considera-se que essa atuação pode também ser preventiva e pedagógica, pelo que o seu apoio ou colaboração na implementação de ZLT é precisamente informar quanto ao adequado enquadramento legal de cada projeto e identificar, desde logo, antes de uma implementação efetiva, em contexto real, que obstáculos devem ser ultrapassados ou que condicionantes existem.
Recorde-se que estamos perante projetos-piloto ou de testes, que depois serão integrados em contexto real geral, não se pretendendo a profusão de regimes excecionais apenas para alguns agentes económicos. Não se pretende que o regulador seja coautor dos projetos, pelo que a capacidade de atuação não se encontra limitada.
“É necessário promover a comunicação e relação equitativa entre os diferentes agentes da mobilidade e dos transportes”
De que maneira considera que as ZLT poderão promover a inovação no setor dos transportes? Que espaço cria para o desenvolvimento de novos produtos/soluções que anteriormente não era possível?
Muitas vezes, existem projetos de enorme potencial, mas o enquadramento legal existente, por vezes elaborado em outros contextos, limita e condicionada, inadvertidamente, a sua implementação e a articulação de potenciais interessados.
O investimento na criação de enquadramentos legais e contratuais favoráveis, e na introdução de sistemas de transportes inteligentes e de plataformas eletrónicas agregadoras, pode permitir às cidades, regiões e Estados uma melhor gestão e compatibilização de todos os modos de transporte e serviços logísticos, potenciando a utilização comum e articulada das mesmas infraestruturas, diminuindo custos associados à manutenção e criação das mesmas, diminuindo a emissão de gases com efeito estufa e dos seus efeitos negativos na saúde e ambiente, aumentando a coesão e inclusão territorial e social.
Face à evolução de novos modelos económicos também importa que se promova uma atuação, pública e privada, de antecipação e de âmbito prospetivo para que agentes económicos possam planear a longo prazo e as entidades públicas possam analisar periodicamente indicadores operacionais, aferindo da sua eficiência, mas também do cumprimento de obrigações legais, regulamentares e contratuais, de forma a antecipar e mitigar impactos no Ecossistema, na economia e na sociedade.
Por isso, é necessário promover a comunicação e relação equitativa entre os diferentes agentes da mobilidade e dos transportes, mas também de setores conexos – plataformas digitais multifunções e agregadoras de serviços – de modo a promover uma efetiva intermodalidade e multimodalidade, tanto no transporte de pessoas como de mercadorias.
O desenvolvimento tecnológico, que é a base para a pretendida interoperabilidade, deve ser amplamente promovido, seja junto da comunidade científica (incluindo a Administração Pública), seja junto das empresas.
“A definição de parâmetros mínimos, transversais e sindicáveis, não deverá limitar, mas antes promover a liberdade de iniciativa e a inovação”
A título de exemplo, um dos fatores que apresenta um potencial de impacto mais relevante no domínio da mobilidade e transportes do futuro advém do uso da inteligência artificial, tornando-se num elemento essencial a considerar no domínio dos ensaios e experimentação, portanto, na ZLT. Nesta matéria específica, é destacar a componente dos algoritmos computacionais que terão de garantir, designadamente:
- a liberdade de escolha, e devidamente informada, dos consumidores;
- a confidencialidade dos negócios, bem como um ambiente de concorrência não falseada, prevenindo situações de cartelização ou de abuso de posição dominante, o que é essencial para a promoção do investimento sustentado, produtivo e estruturante;
- acautelar conflitos com os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente estatuídos, em particular em matéria de proteção de dados pessoais e de proteção do consumidor.
A definição de parâmetros mínimos, transversais e sindicáveis, não deverá limitar, mas antes promover a liberdade de iniciativa e a inovação, captar mais valias para a intervenção pública, e mesmo tempo promover o crescimento dos agentes económicos, compatibilizando o interesse público e os interesses comerciais das empresas e os mercados da mobilidade e transportes, porque são estruturais na economia, podem ter um efeito potenciador imenso.