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Integrar imigrantes nas empresas nacionais? Estas são as chaves para o sucesso

Integrar imigrantes nas empresas nacionais? Estas são as chaves para o sucesso ©Image Generator ChatGPT

Não há volta a dar: confrontadas com a escassez de mão de obra, as empresas nacionais têm mesmo de abraçar os trabalhadores estrangeiros. Mas como garantir o sucesso na integração desses profissionais? Formação é uma das chaves.

Num país envelhecido e do qual muitos talentos têm saído à procura de melhores oportunidades, a chegada de trabalhadores estrangeiros tem sido reconhecida como uma das chaves para assegurar que, afinal, os empregadores contam mesmo com os quadros que precisam para que os negócios funcionem. Da construção ao turismo, passando pela agricultura, há já empresas que dependem fortemente desses migrantes. Mas a sua integração não está isenta de desafios. A começar pela burocracia, mas também incluindo as diferenças multiculturais, os salários e a língua.
Comecemos pelo diagnóstico. Portugal é dos países do mundo onde o recrutamento de trabalhadores e a sua fidelização são mais desafiantes. Não são dados que surpreendem, já que desde que a economia começou a recuperar das restrições que ficaram associadas à pandemia que os empregadores nacionais têm alertado para a escassez de mão de obra e para a dificuldade em encontrar os trabalhadores adequados.
Com a população portuguesa a envelhecer, e muitos dos jovens nacionais a escolher trabalhar lá fora, os imigrantes têm sido vistos como solução. “As empresas em Portugal têm reconhecido cada vez mais o valor dos migrantes para suprir a falta de mão de obra”, garante o sociólogo Pedro Góis, da Universidade de Coimbra, que indica que a dependência dos empregadores portugueses está mesmo a crescer. Importa lembrar, a propósito, os dados que o Banco de Portugal (BdP) deu a conhecer no início de junho, que mostravam que um quarto das empresas portuguesas já recorre a mão de obra estrangeira.

“Sectores como a construção civil, a agricultura, o turismo e os serviços têm uma forte (e crescente) dependência de trabalhadores imigrantes.”
Pedro Góis, sociólogo da Universidade de Coimbra

Vejamos, então, um reflexo prático desses números. No retalho, a Jerónimo Martins avança que tem sob a sua alçada “mais de oito mil trabalhadores de nacionalidade estrangeira relativamente aos principais países de operação”, que ocupam, sobretudo, funções em loja e na área logística. Tanto que o grupo lançou em 2015 um programa que visa criar oportunidades de formação e contratação, nomeadamente, para migrantes e refugiados, realça fonte oficial.
No mesmo setor, o El Corte Inglés adianta, por sua vez, que já conta com 428 trabalhadores de 23 nacionalidades distintas, distribuídos pelos diferentes centros de trabalho que tem em Portugal. “Encontram-se distribuídos praticamente por todas as áreas da organização, nomeadamente venda, supermercado, restauração, áreas administrativas, expedição de mercadoria e segurança”, detalha fonte oficial. E esta retalhista tem mesmo desenvolvido programas de “capacitação profissional” cuja foco são especificamente pessoas estrangeiras, para contrariar a tal escassez de mão de obra em Portugal.

“Para contrariar esta dificuldade de recrutamento, o El Corte Inglés tem desenvolvido programas de capacitação profissional visando especificamente pessoas estrangeiras.”
Fonte oficial do El Corte Inglés

“Sabemos que muitas destas pessoas que procuram no nosso país uma oportunidade para uma vida melhor tenderão a aceitar áreas ou setores de trabalho que, para a população local, é menos atrativa e, consequentemente, para as empresas resulta em maior dificuldade na hora de atrair talento”, sublinha a mesma fonte, que dá dois exemplos concretos. Por um lado, o El Corte Inglés tem um programa que visa a empregabilidade na área da peixaria, que não implica experiência prévia ou conhecimento específicos. Só a “vontade de aprender” e a disponibilidade para os horários do retalho.
“Um outro exemplo é o programa de integração de jovens refugiados, que, após um processo inicial de capacitação junto do nosso parceiro social, entram no mercado de trabalho, integrando na empresa áreas do retalho alimentar e outras, e encaram-nas como uma oportunidade de terem a estabilidade social e profissional que procuram num novo país”, enfatiza fonte oficial.
Do retalho para a construção, também a Casais avança que tem abraçado a mão de obra estrangeira, para mitigar as dificuldades de recrutamento que vinha sentido. O CEO, António Carlos Rodrigues, indica que o grupo tem integrados, neste momento, 843 pessoas de nacionalidade estrangeira, dos quais 349 foram contratados através de recrutamento internacional. “Desempenham várias funções nos diferentes segmentos da nossa atividade de engenharia, construção civil, gestão de projetos, e funções técnicas especializadas”, revela o responsável, que realça que a integração destes profissionais é mesmo “fundamental para o sucesso dos projetos”.
Mas nem tudo são rosas na integração destes trabalhadores. “Não está isenta de desafios”, argumenta o sociólogo Pedro Góis. As empresas ouvidas pela Sustentável confirmam.

Distinções importantes, segundo a UNESCO

Migrante

Não existe uma definição universalmente aceite, mas, regra geral, diz respeito a qualquer pessoa que tenha residido fora do seu local de residência habitual, seja dentro de um país ou por uma fronteira internacional, independentemente do status jurídico da pessoa. Estão em causa o deslocamento involuntário ou voluntário, sejam quais forem as causas do deslocamento ou a duração da estadia.

Refugiado

A definição é da Convenção de Genebra de 1951 e indica que este termo se aplica a qualquer pessoa que, “temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele”.

Pessoa deslocada

Diz respeito a pessoas que tenham sido forçadas ou obrigadas a fugir ou abandonar suas casas ou locais de residência habitual. Por exemplo, como resultado ou a fim de evitar os efeitos de conflitos armados, situações de violência generalizada, violações de direitos humanos ou catástrofes naturais ou de origem humana. Abrange tanto o deslocamento interno como o transfronteiriço.

 

Burocracia, salários e barreira linguística

O tema tem sido particularmente quente nas últimas semanas, com a aprovação do novo plano para as migrações do Governo de Luís Montenegro, mas não é inteiramente novo: a burocracia associada à vinda para Portugal de estrangeiros é morosa e complexa. O sociólogo Pedro Góis identifica esse com um dos desafios da integração de trabalhadores migrantes, a par das dificuldades no reconhecimento das qualificações, da barreira linguística, dos próprios salários e da crise na habitação.
No terreno, as empresas que estão a contratar as mãos que vão chegando ao país confirmam que o processo é desafiante. Por exemplo, na indústria, a Saint-Gobain Portugal, segundo a sua diretora de recursos humanos, Maria Novais, aponta a burocracia como “a principal dificuldade”. “Os processos de obtenção de vistos e autorizações de trabalho podem ser longos e complicados. No caso de colaboradores qualificados, a falta de reconhecimento de diplomas e qualificações estrangeiras é também um obstáculo significativo”, sustenta a responsável.

“A principal dificuldade é a burocracia. Os processos de obtenção de vistos e autorizações de trabalho podem ser longos e complicados.”
Maria Novais, diretora de recursos humanos da Saint-Gobain Portugal

Além disso, afirma a mesma, há que ter em conta a integração cultural, que pode também ser desafiante, diz. De acordo com Maria Novais, tal exige “esforços adicionais de integração e formação intercultural”. “Temos também a barreira linguística, que pode ser um obstáculo significativo na comunicação diária e no cumprimento das normas de segurança e qualidade”, observa a responsável.
A propósito desse último desafio, fonte oficial do El Corte Inglés destaca que, aquando da contratação de pessoas cuja língua mãe não é o português, é importante que haja “um esforço e empenho da pessoa imigrante no desenvolvimento desta competência”, uma vez que, neste caso, há um contacto permanente com o cliente. “E comunicar em português é fundamental para uma verdadeira inclusão e adaptação positiva e para o seu desenvolvimento social e profissional”, declara a retalhista.
Já quanto à questão cultural, o Grupo Casais responde com formação e apoio, nomeadamente, nas questões ligadas à habitação. “Os trabalhadores estrangeiros, quando chegam ao país, têm uma semana de acolhimento. Damos formação sobre a função que vão desempenhar, mas também algumas noções básicas da cultura portuguesa e interculturalidade, bem como, sobre as regras e a legislação laboral vigente em Portugal”, assegura o CEO.

“Os trabalhadores estrangeiros, quando chegam ao país, têm uma semana de acolhimento. Damos formação sobre a função que vão desempenhar, mas também algumas noções básicas da cultura portuguesa e interculturalidade, bem como, sobre as regras e a legislação laboral vigente em Portugal.”
António Carlos Rodrigues, CEO do Grupo Casais

Além disso, esta construtora afirma ter “sempre elementos da equipa do centro de mobilidade operacional a acompanharem os colaboradores nestes primeiros dias”, apoiando-os na aquisição de conhecimentos sobre as tarefas simples do dia a dia, como tirar o passe dos transportes públicos, abrir uma conta bancária e entregar o IRS. “A necessidade de formação adicional para alinhar os conhecimentos técnicos dos trabalhadores estrangeiros aos padrões e normas locais é, também, por vezes, desafiante, mas é essencial para garantir a qualidade e a segurança dos projetos”, nota António Carlos Rodrigues.

©Image Generator ChatGPT

Para este responsável, as chaves de uma integração com sucesso destas pessoas são, por isso, a formação, a comunicação, o apoio e a inclusão, enumera. Também o El Corte Inglés destaca a formação, além do foco “no presente e nos objetivos que a pessoa tem para o futuro, e não dar grande relevância ao passado”. Na indústria, a Saint-Gobain também realça, por sua vez, a formação, bem como a celebração da diversidade cultural e a mentoria.
Tudo práticas que o próprio sociólogo Pedro Góis recomenda, quando questionado sobre como garantir o sucesso da integração de estrangeiros na força de trabalho nacional. “Programas de mentoria e treinamento que permitam ajudar os migrantes a entender a cultura e os processos da empresa, a compreender as idiossincrasias nacionais e a promover a interação social entre todos; facilitar o reconhecimento de qualificações obtidas no estrangeiro para que os imigrantes possam rapidamente alcançar o seu potencial laboral colocando ao serviço da empresa as suas competências”, aponta o especialista em migrações.

Que podem fazer as autarquias?

As empresas do privado não são as únicas que podem contribuir para a boa integração dos estrangeiros no mercado de trabalho português. Também as autarquias têm um papel nesse processo, defende o presidente da Câmara do Fundão, que se tem tornado num exemplo a nível nacional (e até europeu) no que toca a este tema. Paulo Fernandes explica que o trabalho nesse sentido começou há mais de dez anos: primeiro, num programa para atrair mão de obra para as empresas de tecnologia da região, e depois já incluindo outros setores (como a agricultura).
“As Câmaras são fundamentais no processo de integração. São aceleradores”, declara o político, que adianta que, enquanto nos campos de migrantes espalhados pela Europa o prazo médio de autonomização destas pessoas é superior a quatro anos, no Fundão nem chega a um ano. “É o prazo para terem emprego e casa própria”, assinala. O segredo, adianta, está na formação “holística”: mal os estrangeiros chegam ao município, têm à disposição formação não só em português, mas também quanto às funções que poderão desempenhar nas empresas da região. “Preparamos as pessoas para rapidamente poderem integrar o mercado de trabalho, quer na agricultura, quer na indústria, quer do turismo”, diz o presidente, que acrescenta que o município tem também 11 mediadores com as empresas que fazem a ponte entre estas e os migrantes.

“As Câmaras são fundamentais no processo de integração de trabalhadores estrangeiros. São aceleradores nesse processo.”
Paulo Fernandes, presidente da Câmara Municipal do Fundão

De resto, Paulo Fernandes garante que o preconceito contra estas pessoas é uma “batalha que já se vai vencendo” no Fundão, até porque a população entende que, sem estas mãos, muitas empresas poderiam fechar (por falta de trabalhadores), o que agravaria o desemprego.

Novo plano gera preocupação

O Governo de Luís Montenegro aprovou um novo plano para as migrações, que visa, nomeadamente, o fim das manifestações de interesse. Ou seja, a partir de agora, vir para Portugal só com contrato de trabalho assinado e entregue no consulado do país de origem do trabalhador. O presidente da Câmara Municipal do Fundão alerta para duas preocupações:

  • “Pôr o acento tónico no nosso corpo consular é capaz de ser demasiado otimista”, avisa. O responsável apela a que sejam envolvidas outras entidades, além dos consulados, no tratamento dos pedidos de entrada no país;
  • “É preciso ter muito cuidado. Por cada barreira que colocamos, é o que a dita economia paralela e o tráfico mais gostam”, afirma o mesmo. Tendo em conta que há mesmo emprego para esses trabalhadores, dificultar a sua entrada pode dar azo a “meios menos lícitos”, alerta.

 

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