A Associação Sistema Terrestre Sustentável (ZERO) defendeu que o atual Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), embora demonstre um grau de ambição importante, ainda está aquém do necessário para Portugal estar alinhado com as metas do Acordo de Paris.
A ZERO defende que, para tal, seria necessária uma redução de emissões em 60% entre 2005 e 2030 e atingir a neutralidade climática no ano de 2040, no entanto, a Associação avança que o plano “apresenta margem para melhorias”.
A consulta pública da revisão do PNEC 2030 terminou ontem, dia 5 de setembro, e, além de se tratar de uma obrigação europeia, também define metas que Portugal terá de cumprir. A ZERO também avançou que o documento já deveria ter sido entregue à Comissão Europeia (CE), no final de junho passado, mas o período eleitoral em Portugal impediu a sua preparação atempada.
Desta forma, Associação Sistema Terrestre Sustentável elogiou o facto da meta de emissões globais ter sido revista do intervalo 45-55% de redução entre 2005 e 2030 para 55% e a meta de neutralidade climática antecipada do ano de 2050 para 2045. A meta para as energias renováveis também foi atualizada, tornando-se agora ainda mais ambiciosa – de 47% para 51% em 2030.
Além disso, a ZERO também considerou que um dos aspetos mais críticos do PNEC 2030 é “a viabilidade do cumprimento das metas face às políticas e medidas propostas, que, no geral, carecem de detalhes suficientes para garantir a sua credibilidade e não esclarecem de forma adequada como contribuirão para alcançar os objetivos estabelecidos”.
Neste sentido, a Associação identificou várias lacunas nas políticas e medidas propostas no plano foram identificadas:
- A maioria das medidas utiliza uma linguagem vaga, sem indicadores mensuráveis.
- O prazo de execução, de muitas medidas, é demasiado longo.
- Não há reduções de emissões claramente associadas às medidas propostas, nem como estas contribuem para os objetivos estabelecidos, dificultando a sua priorização.
- Genericamente, não há indicação dos montantes de financiamento necessários para a execução de cada medida, nem das fontes de financiamento, o que impede a avaliação da viabilidade financeira de todas as medidas.
“Maior ambição tem de ser compatível com sustentabilidade”
Apesar do aumento de potência renovável instalada para 48 GW em 2030, a ZERO avançou não ser “suficientemente detalhado o caminho para a instalação de tantas fontes renováveis (solar e eólica, maioritariamente) sem ultrapassar os conflitos entre o desenvolvimento da produção centralizada a partir de fontes renováveis e os valores naturais e culturais presentes no território”.
“Uma maior ambição no armazenamento de energia renovável e no investimento nas redes de transporte e distribuição de eletricidade é crucial para que seja possível o incrementar a fração solar no sistema electroprodutor, facilitar a eletrificação de veículos com elevadas taxas de utilização e a atrair atividades industriais eletrointensivas”, lê-se na comunicação.
Face à evolução histórica, a Associação antecipou que o país atinja os 9GW a 10GW de instalações solares fotovoltaicas descentralizadas em 2030.
Para a ZERO, em 2027, “já não deveriam existir quaisquer incentivos fiscais aos combustíveis fósseis, nomeadamente ao gás fóssil. O PNEC não apresenta a ambição necessária a este respeito, o que conflitua com o desenvolvimento da estratégia para o biometano e o rápido incremento da eletrificação dos processos industriais”.
“Setor dos transportes põe em risco o cumprimento das metas nacionais”
Relativamente ao setor dos transportes, a ZERO avançou que este tem vindo consistentemente a aumentar as suas emissões, na direção oposta à necessária para cumprir a meta setorial de 40% de redução em 2030 relativamente a 2005, sublinhando que isto é “extremamente preocupante” a representatividade deste setor nas emissões nacionais.
De acordo com a última submissão de Portugal às Nações Unidas, cerca de 30% das emissões nacionais são provenientes dos transportes, sendo o maior setor emissor, à frente da produção de energia elétrica, que representa cerca de 15%. “Isto significa que as emissões crescentes deste setor, dada a sua dimensão, colocam em causa o cumprimento das metas nacionais”, frisa a Associação.
E o setor da agricultura e dos resíduos?
Segundo a ZERO, os setores da agricultura e dos resíduos apresentam cenários preocupantes, “movendo-se na direção oposta à necessária para combater as alterações climáticas”.
Para inverter esta tendência, a Associação refere que “é essencial adotar medidas decisivas, em particular no desenvolvimento de um mercado de gases renováveis que permita capturar quantidades significativamente maiores de biometano, tanto da pecuária como do tratamento de biorresíduos e águas residuais. Isto ajudaria a reduzir o uso de gás fóssil, especialmente nas indústrias”.
ZERO dá destaque à eficiência e pobreza energética
Neste setor, a Associação Sistema Terrestre Sustentável defende que, até 2025, seja proibida a venda de esquentadores e caldeiras a combustíveis fósseis, como parte essencial da descarbonização.
“A eletrificação, quando baseada em fontes renováveis, é a solução mais eficiente. Apoiar a compra de bombas de calor e outras soluções tecnológicas mais eficientes e reduzir o uso de gás são medidas cruciais. Por outro lado, a proposta de misturar gás fóssil com hidrogénio verde, que resulta numa suposta redução de 6% das emissões, não é o caminho a seguir e deve ser vista como temporária”, lê-se na nota de imprensa.
E quanto aos biocombustíveis, à biomassa e à exportação de hidrogénio?
Para a ZERO, o uso de biocombustíveis deve considerar a disponibilidade limitada de matérias residuais, uma vez que a crescente procura e importação desses materiais, muitas vezes sem rastreabilidade, pode perpetuar o uso de matérias-primas insustentáveis, como óleo de palma e soja, disfarçadas de resíduos.
“É crucial avaliar o potencial nacional para a produção de biocombustíveis a partir de resíduos, dado que o país ainda depende fortemente de importações. É preocupante que o Governo continue a ignorar compromissos anteriores, como o abandono do óleo de palma previsto na Lei do Clima, que deveria ser implementado com urgência”, frisa a ZERO.
No que diz respeito à biomassa, a Associação diz ser “essencial definir claramente o que constitui biomassa florestal residual e estabelecer uma hierarquia eficaz para seu uso”.
Neste sentido, a Associação Sistema Terrestre Sustentável também condena, em comunicado de imprensa, o projeto transfronteiriço de hidrogénio verde H2MED, dizendo que o transporte de hidrogénio “é ineficiente”, e a segurança e a autonomia energética da UE “deve ser garantida através do reforço das redes elétricas e da produção local de Hidrogénio sempre que a eficiência energética atingiu o limiar ótimo, eletrificação não for tecnicamente viável e as quantidades de biometano disponível não sejam suficientes”.
Obstáculos políticos e sociais
A ZERO também considerou importante garantir que todo o processo de transição energética contemplado no plano seja justo e inclusivo, tendo em consideração os setores mais vulneráveis da população a esta transição.
Neste sentido, a Associação apelou ao governo para abordar estas “preocupações críticas” e aproveitar esta oportunidade para desenvolver um PNEC 2021-2030 “verdadeiramente ambicioso e sustentável”.
“Além disso, um plano bem-sucedido deve priorizar ações concretas, processos transparentes, soluções sustentáveis e uma transição justa e equitativa para todos”, concluiu a ZERO.