A Delegação do Porto da Associação Salvador, criada em 2018, tem desempenhado um papel importante na integração de pessoas com deficiência motora no mercado de trabalho. Tendo inicialmente enfrentado desafios significativos, conseguiu transformar essas dificuldades em sucessos, trabalhando continuamente para desconstruir estigmas, promover a inclusão através de formação, networking e partilha de boas práticas e demonstrando que a diversidade pode ser uma força impulsionadora de inovação e criatividade nas empresas.
A Revista Sustentável conversou com Maria João Figueiredo, Coordenadora da Delegação do Porto, que nos falou sobre a importância da formação de uma rede robusta que apoia na facilitação da integração de pessoas com deficiência motora no mercado de trabalho e os desafios que enfrentam. A responsável abordou ainda os projetos que estão a decorrer na Associação e destacou a relevância da consciencialização da sustentabilidade corporativa como alavanca para ‘abrir portas’ às pessoas com deficiência.
Quais têm sido os principais desafios e sucessos da Delegação do Porto da Associação Salvador como promotora e facilitadora no que toca à integração de pessoas com deficiência motora no mercado de trabalho?
A delegação do Porto da Associação Salvador existe desde 2018 e surge com o propósito de dar a conhecer o nosso trabalho a Norte e como uma oportunidade de aumentar o impacto dos nossos projetos, assim como de garantir uma maior proximidade com os diversos stakeholders, como pessoas com deficiência motora, empresas, entidades sociais, municípios, etc.
Numa fase inicial, diria que os principais desafios foram a abertura de portas e a criação de rede junto de parceiros sociais e empresas, para desenvolvermos oportunidades de empregabilidade de pessoas com deficiência motora, que são o nosso público-alvo. Atualmente, este desafio tornou-se num dos nossos maiores sucessos, uma vez que, até à data, temos o privilégio de ter conseguido criar uma rede alargada com estes parceiros, o que nos permite, de forma ágil e direcionada, apoiar as pessoas com deficiência na sua integração no mercado de trabalho.
Atualmente, um dos maiores desafios que verificamos, a nível nacional, é conseguir um match de perfis com as principais necessidades do mercado, sobretudo no que respeita às competências de IT e conhecimentos de línguas estrangeiras. Tendo consciência de que este é um desafio transversal na área de recrutamento, independentemente da especificidade dos candidatos que estejamos a falar.
Na sua opinião, quais os maiores estigmas associados à contratação de pessoas com deficiência motora e como a Associação tem trabalhado para desconstruí-los?
O desconhecimento/preconceito acerca das capacidades e talentos das pessoas com deficiência e sobre os processos de recrutamento inclusivo, a “invisibilidade” das pessoas com deficiência (muitas empresas questionam-nos como chegar até estes talentos), o receio de não conseguir integrar a pessoa com deficiência dentro da empresa ou de não ser o momento certo, a falta de preparação das equipas, o desconhecimento sobre a legislação aplicável, os incentivos públicos ao emprego e organizações de apoio, a falta de flexibilidade para realizar adaptações em postos de trabalho e/ou funções, são, de acordo com o que as empresas vão partilhando connosco, alguns dos principais desafios sentidos pelas mesmas, no que toca ao recrutamento e inclusão de pessoas com deficiência nas suas equipas.
Atualmente, um dos maiores desafios que verificamos, a nível nacional, é conseguir um match de perfis com as principais necessidades do mercado.
No sentido de apoiar as empresas neste caminho, a Associação Salvador tem vindo a fazer um trabalho de proximidade, de desconstrução e formação. Desde a criação de momentos de networking com profissionais com deficiência, bem como com outras empresas, para partilha de boas práticas, como são o Encontro de Recrutamento, o This is Me, entre outros.
Paralelamente, fazemos o acompanhamento e formação nas empresas não só às equipas que recebem estes profissionais como a todos os colaboradores, desde que a empresa manifeste essa vontade.

Maria João Figueiredo, Coordenadora da Delegação do Porto da Associação Salvador
Acreditam que o maior receio está nas pessoas que têm medo de não corresponder às expectativas da entidade empregadora ou do empregador, que receia enfrentar potenciais obstáculos de integração?
Diria que ambos podem ser fatores inibidores, no entanto, tal como referido na resposta anterior, neste momento, os receios das empresas parecem-me ser o maior obstáculo, uma vez que, as pessoas com deficiência têm cada vez mais a oportunidade de recorrer a entidades sociais com projetos de apoio à empregabilidade, o que as vai preparando melhor para ultrapassar esses receios, trabalhando com elas, sobretudo, a questão da motivação e consciencialização do seu valor e potencial enquanto profissionais.
Por parte das pessoas com deficiência, alguns dos maiores receios prendem-se com a falta de incentivo/interesse que pode derivar do facto de, por vezes, um emprego poder não compensar financeiramente face às pensões que recebem, considerando os custos associados ao iniciar uma experiência profissional (transporte, por exemplo), ou à inexistência de acesso (transporte adaptado ou acessibilidade das vias públicas e dos edifícios).
A partilha de testemunhos de sucesso de outras pessoas, com os mesmos desafios, também ajuda a desconstruir estes receios por parte da pessoa com deficiência. O mesmo acontecendo com as empresas, ao assistirem a partilhas de outras relativamente às experiências que vão tendo na contratação destes profissionais.
Por parte das pessoas com deficiência, alguns dos maiores receios prendem-se com a falta de incentivo/interesse que pode derivar do facto de, por vezes, um emprego poder não compensar financeiramente face às pensões que recebem.
Da experiência da Associação com o projeto Emprego, a preocupação das empresas é apenas cumprir a lei ou há realmente um cuidado autêntico com a integração profissional das pessoas com deficiência motora?
As empresas estão em estados diferentes, ou seja, umas cuja preocupação primária é o cumprir a lei e evitar sanções; outras que querem ser corretas e fazer as coisas certas. Por último, há as empresas que percebem que a contratação de profissionais com diversidade gera maior inovação e criatividade, percebendo já os ganhos que podem ter com esta prática.
De que forma a consciencialização para o tema da sustentabilidade corporativa tem contribuído para uma maior integração de pessoas com deficiência motora nas empresas portuguesas?
Da nossa experiência, a consciencialização das empresas portuguesas para o tema da sustentabilidade corporativa tem, sem dúvida, contribuído para o aumento da integração de pessoas com deficiência e outros profissionais que representam outras tipologias de diversidade.
Tal como noutras temáticas de sustentabilidade corporativa como, por exemplo, ligadas à proteção ambiental, também este respeito pela diversidade potencia a promoção da valorização da diversidade internamente, refletindo a preocupação da empresa no respeito às diferenças e na construção de uma cultura organizacional acolhedora, coletiva e humanizada.
A consciencialização das empresas portuguesas para o tema da sustentabilidade corporativa tem, sem dúvida, contribuído para o aumento da integração de pessoas com deficiência e outros profissionais que representam outras tipologias de diversidade.
A resistência às mudanças e novos pontos de vista podem comprometer a imagem da empresa frente aos consumidores, concorrentes e população no geral, daí a necessidade de tornar esta prática num processo natural.
Sentimos que esta consciencialização tem contribuído para o aumento da integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, uma vez que as empresas começam a perceber (até pelas partilhas de outras que já o fazem, nomeadamente empresas internacionais que já trazem práticas usuais noutros países) as vantagens de ter equipas diversas.
Só assim podem potenciar a captação de novos e melhores colaboradores; aumentar a produtividade e eficiência; construir e manter uma melhor reputação social, junto dos diferentes stakeholders, potencializar a especificidade da comunicação da organização e dos seus públicos-alvo, aumentar os índices de satisfação, motivação e retenção ou fidelização dos colaboradores, aumentar a inovação, criatividade e variedade de capacidades, levando a produtos mais diversificados e de maior qualidade, assim como conseguir o aumento do lucro e competitividade de mercado.
O que falta fazer, por parte do tecido empresarial português, para melhorar esta questão?
Os que já fazem, dar testemunho dos seus exemplos, os que ainda não o fazem ou estão no início do processo, desafiarem-se a melhor conhecer e formarem as suas equipas para o respeito e inclusão da diversidade, seja ela qual for.
No que diz respeito a empresas do ramo dos audiovisuais/media, darem mais espaço para sensibilização, informação e partilha de iniciativas que já se fazem com muito sucesso e qualidade, bem como começarem a integrar e dar oportunidade à representatividade das pessoas com deficiência em contextos televisivos e outros, permitindo que quem está a assistir comece a ter contacto, de forma natural, com a diversidade, ou seja, o público em geral começar a assistir a programas televisivos, como telejornais, filmes, telenovelas, publicidade, entre outros, realizados também por pessoas com deficiência.
E por parte do Governo, o que consideram ser necessário fazer no que toca às políticas de DEI?
Ao nível das políticas públicas, importa o Governo sobretudo fazer acontecer o que já está legislado. Ou seja, fiscalizar e fazer cumprir as leis (sejam elas de quotas, acessibilidades, entre outras); desburocratizar processos e agilizar o tempo de resposta por parte de entidades publicas, nomeadamente, no que diz respeito a atribuição de produtos de apoio às pessoas com deficiência que deles dependem para conseguir trabalhar, passando pela acessibilidade das vias e dos transportes públicos, as tipologias de contratos e apoios às empresas para a adaptação de postos de trabalho.
Ao nível das políticas públicas, importa o Governo sobretudo fazer acontecer o que já está legislado.
Importa ainda a aposta em campanhas televisivas e outras que tragam o tema para a opinião pública, bem como apostar e dar oportunidade de participação e envolvimento de pessoas com deficiência na conceção de medidas de apoio ao emprego e outras temáticas que às mesmas dizem respeito.
Qual o maior caso de sucesso até ao momento cuja vida tenha sido transformada pela intervenção direta e próxima da Associação Salvador?
É difícil responder, pois ao longo destes 20 anos já tivemos oportunidade de apoiar mais de 6.000 pessoas, com a consciência de que mudámos “literalmente” a vida de muitas delas em diferentes áreas, permitindo-lhes recuperar ou ter, pela primeira vez, uma vida autónoma e ativa. Deixo o convite para nos acompanharem nas redes sociais e, diariamente, perceberem o impacto do nosso trabalho e o que dizem os nossos beneficiários e parceiros.
Que novas iniciativas ou projetos estão a ser planeados para continuar a promover a inclusão social e dar resposta às necessidades emergentes das pessoas com deficiência motora?
Em 2023, lançámos um questionário, a nível nacional, para pessoas com deficiência motora e obtivemos mais de 600 respostas. Com base na leitura dos resultados, tivemos a oportunidade de perceber, pelos próprios, as principais preocupações e necessidades de apoio, por isso, desenhámos uma nova estratégia para os próximos cinco anos, reformulámos ainda a nossa missão, para a de promover a inclusão plena e qualidade de vida das pessoas com deficiência motora, defendendo os seus direitos e co-construindo uma sociedade mais justa e sensibilizada para a diversidade.
Assim, surgem novos projetos como a Academia Salvador, um Centro de Formação para a Inclusão que trabalha com entidades públicas e privadas, mas também com pessoas com ou sem deficiência, no sentido de promover a diversidade, equidade, respeito e igualdade de oportunidades na sociedade. Para isso, entrega programas de formação e sensibilização que capacitam pessoas com deficiência motora, empresas e outras entidades, com conhecimento, metodologias e ferramentas para melhor procurar emprego, recrutar, acolher e incluir pessoas com deficiência.
Os programas da Academia alavancam anos de experiência de trabalho com pessoas com deficiência da Associação Salvador e diferenciam-se pela forte componente prática, dinamismo, testemunhos na primeira pessoa e aplicabilidade à realidade.
Desde o início de 2024, a Associação Salvador está também a desenvolver um trabalho mais direcionado na área do Advocacy. O objetivo é ir mais longe, trabalhando e contribuindo para uma mudança sistemática e duradoura na sociedade, escalando o impacto dos nossos projetos.
Fruto de uma reorganização e criação de novas áreas de atuação, o Advocacy surge como consequência natural do conhecimento, experiência e notoriedade adquiridos ao longo dos últimos anos. Esta área focar-se-á, anualmente, em dois temas escolhidos para serem trabalhados ao nível da investigação e de influência, com o objetivo de mudar procedimentos e políticas públicas, fundamentais para promover a inclusão das pessoas com deficiência motora.
Para o presente ano, os temas serão as Acessibilidades – área na qual temos vindo a atuar e na qual continuaremos a trabalhar nos próximos anos – e os Produtos de Apoio – devido à demora na sua atribuição e todos os constrangimentos para a vida das pessoas com deficiência motora que daí advêm.
Estes são alguns exemplos do que fazemos no nosso trabalho diário paralelamente às restantes temáticas que abrangemos como o emprego, desporto, respostas e apoios sociais, eventos de convívio, sensibilização e formação em escolas, teambuilding para empresas, entre outros, sempre com o propósito da criação de um mundo igual para todos, independentemente das suas diferenças.