Circularidade

Minimalismo, materiais bio e circularidade. Embalagens já não são o que eram

Minimalismo, materiais bio e circularidade. Embalagens já não são o que eram

As preocupações ambientais em torno das embalagens nunca estiveram tão na ordem do dia como hoje, tanto do lado dos consumidores – que estão mais atentos –, como do lado das empresas, que procuram cumprir as metas impostas pelo poder político e, à boleia, contribuir positivamente para o ambiente.

Ultrapassada a crise pandémica, as preocupações ambientais em torno das embalagens têm crescido, embora variem, em intensidade e foco, em função das várias geografias. Os estudos mais recentes sinalizam que o fim das embalagens de uso único é uma tendência clara, mas também o são a aposta na circularidade e na reutilização, a adoção de materiais com origens mais amigas do planeta e o fim das embalagens consideradas excessivas. Os consumidores estão atentos e alguns (particularmente, entre os que dispõem de mais rendimento disponível) dizem-se já dispostos a pagar mais por opções mais ecológicas.
“Inquestionavelmente, o tema das embalagens – e também o dos resíduos a que dão origem – nunca esteve na ordem do dia como hoje”, sublinha a diretora executiva da Sociedade Ponto Verde. Ana Trigo Morais explica que esta preocupação é sentida não só junto dos consumidores, que estão “cada vez mais atentos ao tipo de embalagem que acondiciona os produtos que adquirem”, como também entre as empresas, que procuram, “cada vez mais, fazer a diferença e proporcionar aos seus clientes a oportunidade de contribuir para um ambiente melhor”.
Esse cenário é confirmado por um estudo recente da consultora McKinsey & Company, que indica que a atenção do consumidor tem evoluído de um foco praticamente total na higiene para outras preocupações. E a sustentabilidade ambiental ocupa um lugar de destaque nesse novo panorama.
Assim, numa análise baseada nas respostas de 11.500 consumidores de 11 países (incluindo os Estados Unidos, a China, o Japão, a Alemanha e o Brasil), esta consultora observa que os fabricantes e os retalhistas têm apostado na inovação, produzindo novos formatos de embalagens, de modo a cumprirem as suas próprias metas de sustentabilidade, mas também a fazerem face às expectativas dos consumidores, às exigências das organizações não governamentais e até às novas regras em torno da embalagens, que, entretanto, têm entrado em vigor.
E ainda que as preocupações dos consumidores não sejam consensuais – os europeus, por exemplo, têm maior atenção ao impacto das embalagens na poluição dos oceanos, enquanto os asiáticos olham mais para os outros tipos de poluição –, há algumas grandes tendências no mundo das embalagens a destacar e a eliminação das embalagens de uso único (sejam de plástico, vidro, metal ou papel) “é a líder absoluta”, entre as tendências, identifica a McKinsey & Company.

“A sustentabilidade continua a ser um tema com importância crescente na cadeia de valor das embalagens. Ao mesmo tempo, a atenção do consumidor está a aumentar.”
McKinsey & Company

A esta juntam-se, por exemplo, a preferência pelo papel em detrimento, por exemplo, do plástico, nota a mesma consultora, e a adoção de materiais compostáveis e com origem vegetal (nomeadamente, amido de milho e cana-de-açúcar). Esta última é também uma das grandes tendências enumeradas por João Wengorovius Meneses, secretário-geral do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD Portugal), que diz que as embalagens têm sido repensadas, nomeadamente no que diz respeito aos materiais, para que a sua pegada seja reduzida.
Além disso, salienta o responsável, as empresas estão a tentar eliminar as embalagens consideradas potencialmente excessivas, salvaguardando sempre as condições de higiene e os fluxos logísticos. Por outro lado, tem crescido a atenção em torno da reutilização e reciclabilidade, assinala. A propósito, outra grande consultora, a Deloitte, realça que as soluções de reutilização de embalagens têm ganhado terreno, nomeadamente no que diz respeito aos alimentos, aos produtos de higiene do lar e aos itens de cuidados pessoais. “[Estes dois últimos] têm tido uma maior adoção de embalagens reutilizáveis e refillable, com as empresas a usarem esta tendência para atingir as metas de redução dos plásticos”, declara a Deloitte.

Adoção de materiais compostáveis e com origem vegetal

Água de Monchique primeira garrafa 100% compostável

E também em linha com João Wengorovius Meneses, esta consultora considera como tendência no setor das embalagens o reforço da circularidade, nomeadamente do plástico. Já no que diz respeito à reciclabilidade, a empresa de embalagens Felins sublinha que para este ano está projetado um crescimento do número de empresas a usar materiais recicláveis, como o papel, nas suas embalagens. “São boas notícias, considerando que apenas 9% do plástico é reciclado atualmente, em termos globais. Ao usar materiais recicláveis, as empresas podem reduzir o seu impacto ambiental, enquanto respondem às exigências dos consumidores.

Novas regras podem ser motor da mudança

Todas as mudanças e tendências referidas, convém notar, resultam não apenas dos esforços próprios das empresas ou das exigências crescentes dos consumidores, mas também das novas regras em torno da sustentabilidade ambientais, que, segundo a McKinsey & Company, estão a aumentar “em múltiplas frentes”, nomeadamente quanto às metas de reciclagem e de uso de materiais reciclados. “A regulação já não está confinada num conjunto limitado de países e regiões”, sinaliza a consultora. “Estas regulações tornaram-se num fenómeno global, mesmo haja variações”, sublinha.
Na mesma linha, a diretora executiva da Sociedade Ponto Verde entende que a legislação pode promover a adoção de práticas mais sustentáveis, na medida em que “pode estimular a adoção de práticas mais circulares, quer pelas empresas quer pelos consumidores”. E dá um exemplo: a diretiva relativa aos plásticos de uso único “introduziu alterações significativas”, não só nas das embalagens habitualmente colocadas no mercado, mas também por ter levado “à proibição da comercialização de determinados produtos potencialmente nocivos para o ambiente”.

Eliminação das embalagens de uso único

A Coca-Cola até 2030, quer ter 25% das bebidas do portfólio com soluções refillable (retornáveis)

Outro reflexo do poder da legislação pode ser visto, diz Ana Trigo Morais, no âmbito da UNILEX, diploma que concentrou os regimes jurídicos da gestão de resíduos, com vista a contribuir para a produção e consumo mais sustentáveis, promovendo, de acordo com o Governo, “a prevenção e redução da quantidade de resíduos a eliminar e a utilização eficiente dos recursos, para além da recuperação de matérias-primas secundárias com valor económico”. “[Deu-se] a introdução do princípio da ecomodulação das embalagens, isto é, a diferenciação das prestações financeiras pagas pelas empresas embaladoras e importadoras às entidades gestoras pelas embalagens colocadas no mercado (ecovalores), em função do impacte ambiental dos produtos e do custo real de gestão dos respetivos resíduos, que é um fator chave no aumento da reciclabilidade das embalagens”, explica a responsável.

Preferência pelo papel em detrimento, por exemplo, do plástico

Always ganha embalagem de papel na Europa

No entanto, frisa a CEO da Sociedade Ponto Verde, é “crucial” que a regulação não seja “demasiado complexa”, de modo a não prejudicar a eficácia da sua implementação, e que a transição para um modelo económico mais circular seja acompanhada de mecanismos financeiros, que “permitam às empresas manter a sua competitividade.
Não basta, porém, olhar para as empresas, alerta. É preciso sensibilizar os consumidores e desenvolver serviços de proximidade e convenientes que permitam “a participação alargada”, por exemplo, na reciclagem. Quanto ao contributo dos consumidores, o referido estudo da McKinsey & Company dá conta que, em todos os 11 países analisados, a maioria dos inquiridos disse-se disposto a pagar mais por embalagens sustentáveis. A abertura para fazer esse “voto com a carteira” é, no entanto, maior nos países desenvolvidos do que nos países em desenvolvimento e entre os consumidores com maiores rendimentos. Mais, é interessante destacar, que a disponibilidade para pagar mais por soluções mais ecológicas é maior no que às frutas e carnes frescas diz respeito. Ainda assim, há obstáculos no caminho rumo às embalagens “verdes”.

Dúvidas em torno das embalagens compostáveis

Ainda que uma das apostas crescentes sejam os materiais compostáveis, ainda há algumas dúvidas quanto ao fim que os consumidores podem dar a essas embalagens. A compostagem (nomeadamente de resíduos orgânicos e biorresíduos) “não é ainda uma realidade para todos os portugueses”, avisa a diretora executiva da Sociedade Ponto Verde.

Adoção de materiais reciclados

Continente: embalagem de plástico substituída por embalagem de papel reciclável

E detalha: “a legislação determina que a operacionalização da recolha seletiva dos biorresíduos seja concretizada até 31 de dezembro de 2023. Ou seja, a partir de 2024, os resíduos biodegradáveis – por exemplo, os resíduos alimentares que produzimos em casa – devem passar a ser recolhidos separadamente para poderem ser tratados e valorizados, podendo dar origem a composto e/ou biogás. No entanto, não estão ainda definidas as especificações técnicas deste fluxo de resíduos, pelo que não está ainda definido se os materiais de embalagem compostáveis podem vir a integrar, ou não, o fluxo de recolha seletiva dos biorresíduos”.

“Não está ainda definido se os materiais de embalagem compostáveis podem vir a integrar, ou não, o fluxo de recolha seletiva dos biorresíduos.”
Ana Trigo Morais, Sociedade Ponto Verde

Por outro lado, Ana Trigo Morais alerta que também no que diz respeito à circularidade há ainda “um longo caminho a percorrer”, ainda que reconheça que os últimos anos têm sido marcados por mudanças que refletem uma evolução nesse sentido. “Desde a redução do peso das embalagens até à escolha dos materiais mais adequados para que seja possível a efetiva reciclagem das embalagens, o ecodesign é cada vez mais uma estratégia fundamental e que tem vindo a ser adotada pelas empresas que têm a responsabilidade de colocar as embalagens no mercado”, admite.
Na jornada com vista às embalagens mais “verdes”, importa também, realça, que a iconografia ajude o consumidor a perceber que fim dar ao que lhe resta dos produtos que adquire. Isto para que os esforços das empresas e os reflexos das novas regulações não acabem emperrados, mortos na praia, e os fluxos desejados consigam ganhar bom ritmo.

Eliminação de embalagens excessivas e adoção de abordagem mais minimalista

Pingo Doce:  embalagem de cartão reduzida (eliminação de excesso)

 

Apostar no cartão, reduzir o plástico

Desde 2020 que a DS Smith, empresa de embalagens, já criou mais de 30 mil projetos que integram a circularidade, avança o diretor ibérico de vendas, marketing e inovação, Luis Serrano. Um destes foi a Ecovete, uma solução de cartão canelado 100% reciclado e 100% reciclável, desenvolvida em Portugal para o setor hortofrutícola. “É um exemplo no âmbito da redução de plásticos”, diz. O responsável frisa que, se a embalagem não corresponder às expectativas de sustentabilidade do consumidor, este está mesmo disposto a mudar de marca, na sua próxima compra, daí a importância que a DS Smith tem dado a este tema.

 

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